jota 13/11/2011Mentiras muito bem contadasOs personagens principais deste livro são três terapeutas, mais seus pacientes, claro. Os analistas são: Seymour, ex-presidente da Associação Psiquiátrica Americana, acusado de má conduta sexual com uma de suas clientes; Marshal, centrado no sucesso material, é orgulhoso, cego pela cobiça, e, nas palavras do próprio Yalom, obcecado pela dolce vita; e Ernest Lash, o delicado elo entre eles.
A maioria dos capítulos é longa, de muitas páginas, e às vezes são quase que apenas dois personagens conversando, com pouca narração. Mas é conversa que prende a atenção, mesmo quando o assunto é bastante técnico - psiquiatria.
Aqui os analistas, como os analisados, também têm lá seus problemas, parecem precisar mesmo de um especialista que os trate adequadamente. Feito dois dos personagens principais, Ernest e Marshal. Há também o casal Justin e Carol, que é do barulho mesmo, muito engraçado. Embora Carol também possa ser bastante trágica (vingativa seria melhor). De quebra, por todo o volume, menções a Freud, Jung, Ferenczi e outros papas da psicanálise. Mas nada excessivamente técnico.
Interessante a maneira como Yalom conta as "mentiras" dos pacientes e também dos analistas, com idas e vindas durante a narrativa, colocando assim as coisas em seus devidos lugares, os parafusos soltos de volta à cabeça. Um desses casos é o do analista Seth Pande, que se envolveu com pacientes e quebrou a barreira que a ética médica estabelece entre analista e analisado. Está sendo suspenso pela associação de psiquiatras de que faz parte e pode ter sua licença cassada - há outros casos de médicos como ele, pelo livro todo. Para não cair em descrédito junto aos pacientes, a associação resolve fazer um recall gratuito de todos que os homens que foram analisados pelo dr. Seth durante um certo período. Incrível, não? E eu que pensava que recall fosse apenas para automóveis, carrinhos de bebê, etc... Um episódio muito engraçado, risível mesmo.
Depois vem a história de um milionário mexicano, Peter Macondo, que tem compulsão por doações e quer enriquecer Marshal de qualquer modo, pelo excelente tratamento que recebeu dele. Mas e a ética profissional, raciocina o analista: "Devo mandá-la às favas?". Pois ele sabe que jamais aparecerá em seu consultório outro paciente tão generoso como esse. O episódio envolvendo o analista Marshal e o generoso (ou seria megalomaníaco?) paciente Macondo vai se tornar – juntamente com a história de Carol (ou Carolyn) -, um dos pontos altos do livro. Carol (ou Carolyn), uma advogada competente e neurótica, a falsa paciente do dr. Ernest, está armando um plano para tentar levar o analista para a cama, para desmoralizá-lo. Ela acredita que o psiquiatra encorajou o marido, justamente o Justin mencionado antes, a deixá-la, trocá-la por Laura, mulher bem mais jovem do que ela.
O dr. Seymour é o que menos aparece no livro; uma ou outra menção é feita a ele aqui e ali. Mas o recall de ex-pacientes do dr. Seth Pande está rendendo uma ótima história. Apesar de até agora apenas um deles ter solicitado tratamento compensatório gratuito - justamente o espertalhão Shelly Merriman, jogador (e perdedor) inveterado, que está sendo tratado pelo dr. Marshal, autor da sugestão -, o fato chegou aos jornais e virou motivo de piada, a ponto de incomodar a Associação Psiquiátrica Americana. Uma das manchetes do San Francisco Chronicle: "ABRAM CAMINHO FORD, TOYOTA, CHEVROLET; AGORA OS PSIQUIATRAS FAZEM RECALL DO PRODUTO", e por aí afora. Ao mesmo tempo, Shelly Merriman entrou com processo na justiça (sua mulher é advogada) exigindo indenização pelos "metodos errantes" que o dr. Seth lhe aplicou, motivo pelo qual não consegue permanecer num emprego nem ser bem sucedido no jogo de pôquer!
Nos capítulos finais ocorrem algumas reviravoltas importantes nas tramas que envolvem os médicos Lash e Marshal e seus pacientes mais destacados - Carol, Peter Macondo e Shelly Marrimen. As histórias desses três personagens sozinhas já valeriam muito do tempo gasto para se ler as quatrocentas páginas deste livro. Bastante engraçado, por sinal.
Lido entre 29.10 e 12.11.2011