minhananny 22/08/2013
Cativante.
Se você não é do ramo ou não é chegado em ciências sociais, pegue este livro assim mesmo. Apesar da sua grossura ser intimidadora, você nunca lerá algo tão rico e de linguagem tão acessível a respeito de vários fatos que você já viu nos filmes e nas aulas de história - mas nunca na visão das pessoas que estiveram lá.
Em "O Reino e o Poder" você é transportado para dentro do prédio do New York Times desde a sua ascensão nas mãos do judeu Adolph Ochs até o final da década de 60. Realmente transportado: a descrição de Gay Talese é tão detalhada que é possível enxergar as fileiras da redação, o jogo de cartas no fim do expediente, o escritório do diretor, os burburinhos dentro de cada setor; e dependendo do grau da sua imaginação, é possível ver também os manifestantes de Martin Luther King, a sala do reitor da Universidade de Columbia após os protestos dos estudantes em 1968, a conversa do repórter Philips com o judeu nazista Daniel Burros, a tranquilidade do sul dos Estados Unidos e o sorriso do ditador soviético Nikita Krhushchev para o então repórter Turner Catledge.
Gay Talese não transmite juízo de valor sobre alguém ou algum fato, conseguindo a façanha de não elogiar o próprio país nem criticar os comunistas ou nazistas, costume que vejo com frequência nas obras americanas. Atitude que seria desnecessária, pois a sua narrativa já nos envolve totalmente com a cultura do seu país e com a história acontecendo no seu próprio ritmo, como a transição gradual do cabelo curto na descrição dos jovens repórteres para o cabelo caindo nas orelhas do filho de Salisbury - um garoto hippie!, e o furo do editor Van Anda ao desconfiar de que o Titanic havia afundado. Várias vezes eu interrompi a leitura para pesquisar mais sobre as personalidades e acontecimentos citados, ao mesmo tempo em que aguardava a menção às guerras e movimentos culturais.
Mas o grande trunfo de "O Reino e o Poder" é obviamente a vida de cada uma das pessoas do Times, destrinchada de tal forma que acontece uma identificação semelhante às dos personagens de ficção: você se divertirá, se chateará, se encantará e torcerá por alguns deles. No meu caso, li mais de uma vez a história do sulista Turner Catledge, a viagem de Salisbury ao Vietnã do Norte, o atrapalhado colunista de esportes e fã de pescarias John Randolph, a amizade maluca entre Abe Rosenthal e Arthur Gelb, o paranóico Bernstein, o Lester Markel cuja rabugice era sentida do elevador do oitavo andar(!),o Punch que eu juro que tinha vocação para engenharia e não para a administração (repararam na fascinação dele por maquinários?).
É impossível ler este livro e não sentir vontade de assinalar alguns trechos, de compra-lo e de guarda-lo. Biografias já me interessavam desde que li "Chatô - o Rei do Brasil" e "Tarso de Castro: 75kg de músculos e fúria", dentre outras. Quando a biografia é de uma empresa (no caso, o New York Times), dos seus proprietários e funcionários, e ainda por cima escrita pelo Gay Talese, um autor altamente recomendado nas universidades e que já tinha me cativado por ser um dos fundadores do jornalismo literário, me vejo diante de uma das obras mais interessantes que já li na vida.