spoiler visualizarVanderlei 13/04/2019
Interessantíssimo acompanhar o processo de transformação dos batuques africanos ancestrais cultivados na Bahia e vindos para a capital do Brasil à época, o Rio, onde aos poucos foram assimilados ao contexto urbano de tradições como as reisadas, convertidas em ranchos, que realizavam desfiles na época de folia, quando o carnaval teve marginalizada pela lei a sua expressão mais popular, numa onda higienista do inicio do século XX. O pioneiro Hilário Jovino foi responsável por fundar ranchos que incorporavam a identidade do que era feito nos terreiros das tias baianas, antes ignorados pelos clubes elitistas que promoviam tais desfiles.
A esse tempo, gêneros musicais se misturavam pela aprovação popular e a execução por artistas em apresentações, como a polca, o maxixe; ritmos nordestinos como emboladas, frevos e toadas; e o lundu, proveniente dessa mistura e com forte relação com os batuques realizados em ambientes como o bairro da Saúde e a Gamboa, conhecidos como a Pequena África.
Esses ambientes, descreve o autor, deram origem a uma nova geração muito importante “Assim como nas noitadas promovidas por João Alabá na Barão de São Felix, as festas de tia Ciata e das outras tias baianas não conheciam hora para acabar, estendendo-se por dias a fio, com a característica fartura de comes e bebes, ao som da ininterrupta batucada./ A festa, portanto, era também uma fresta, espaço comunitário que subvertia a sujeição dos corpos à lógica produtivista do mercado e à normatização dos comportamentos exigidas pelos novos tempos, ditos civilizados... Daí ser natural a presença recorrente de uma meninada irrequieta e barulhenta, criada de pés descalços e familiarizada desde o berço ao som dos atabaques”. Daí surgem nomes como Sinhô, João da Baiana, Donga e Pixinguinha.
Segundo explica Lira Neto, o “diálogo entre o ritmo binário da polca europeia e certos instrumentos considerados de uso restrito a malandros e capadócios: o violão e o cavaquinho”, essas foram as bases firmadas para a criação do choro, gênero sofisticado, primo do samba.
O lundu tornara-se um ritmo muito associado ao cotidiano urbano em cantigas populares, e foi consolidado por modinhas compostas por figuras como João Pernambuco e Catulo da Paixão Cearense, gravadas pela casa Edison, como “Luar do Sertão” e “Olha a rolinha”. Aos poucos, tornou-se esse o tipo de música mais comum no carnaval, superando os outros diversos ritmos que antes faziam parte da festa.
A criação do Grupo do Caxangá, em que nomes importantes da música como Donga e Pixinguinha, assim como João Pernanbuco, traziam vasto repertório de gêneros regionais, principalmente nordestinos, interessados em representar a identidade nacional, que depois deu origem aos Oito Batutas, e desse vasto repertorio citado, começaram a surgir composições um tanto quanto originais, de mestres como o próprio Pinxinguinha.
Com a “Pelo telefone”, considerado por muitos o primeiro samba gravado, Donga inaugurou a grande divulgação e popularização no meio comercial de um gênero popular que dominava os carnavais.
Sinhô compunha com João Pernanbuco, e destacou-se por ser o principal expoente do samba nessa fase, assim que aceito com esse pronome, embora ainda amaxixado, e eternizado em bolacha de 78 rpm, por vozes como a de Francisco Alves. O samba ainda era altamente calcado em instrumentos de sopro, pela técnica de gravação sensível ainda no início da produção no Brasil, os instrumentos de percussão não recebiam o devido destaque na captação. Sinhô, declarado o rei do samba pela imprensa da época, produzia inúmeras composições e calhou de ter talvez seu maior clássico “Jura” interpretado por Mario Reis, interprete revolucionário pelo modo sincopado e sem empostação de voz, que se assemelha ao samba como conhecemos, diferente da escala operesca de Vicente Celestino, e, um pouco menos, de Chico Alves.
Entretanto, a grande revolução ocorreu no bairro do Estácio. Com bambas como Bide, Baiaco e Ismael Silva, que transformaram aquela música amaxixada, numa valorização dos instrumentos de percussão, com a adesão do tamborim, da cuíca e do surdo, a supressão dos metais e valorização das cordas, que rendeu clássicos realmente definidores do samba consagrado. Como “Se você jurar”. Influenciados por esse momento surgiram o Bando de Tangarás (que revelou figuras como Noel Rosa, Braguinha e Almirante); e compositores como Cartola e Paulo da Portela, foram melhor observados e passaram a ter mais espaço para suas músicas serem eternizadas.
Também absorvendo legados importantes, as escolas de samba – nome surgido em 1907 pela Ameno Rosedá, que já desfilava sob enredo – foram criadas sob o julgamento de jurados com músicas que já representavam esse ritmo lavrado como Samba, expressão máxima da cultura brasileira.
Para reduzir o texto cortei partes importantes em que eu discorria sobre palavras que vou deixar como termos chaves: umbigadas, praça onze, Buci Moreira, bloco Deixa Falar, Portela no Trem, Igreja da Penha.