Layla 09/10/2017Estamos condenados a ser livres.Vocês já ouviram falar de Jean-Paul Sartre? Não darei nenhuma aula de existencialismo por aqui, mas ele foi um grande filósofo que acreditava que o ser humano se define pelas escolhas que ele faz e não por características pré-definidas que lhe foram atribuídas, como por exemplo uma faca, que foi feita única e exclusivamente para cortar.
Ele dizia que vamos nos moldando conforme vamos escolhendo, e essa oportunidade de optar pelo que quisermos, esse livre arbítrio em que nós somos os agentes, nós somos os que decidimos, gera uma angústia na gente. Afinal, quem não fica angustiado diante de dois caminhos, duas oportunidades, duas escolhas, quando se tem que eleger uma coisa só?
É claro, ele foi um pensador dentre muitos. Outros acreditavam que o ser humano é determinado por seu subconsciente, outros que somos determinados por nosso comportamento. Não vou me desdobrar no que grandes estudiosos teorizavam, mas vou perguntar a vocês, pensadores de nossa atualidade: o que define o ser humano?
No que vocês acreditam?
Por que vocês acham que um criminoso rouba e mata e sequestra? Vocês acham que ele guarda notas e notas de cem que são de outras pessoas porque seu comportamento assim lhe ordenou, pelo seu subconsciente, pelas suas crenças, necessidades ou por suas escolhas?
Não sei qual é a resposta de vocês, mas eis o que eu acredito: somos o que somos porque temos a possibilidade de escolher. Temos o livre arbítrio, podemos ir e vir, pudemos ir de servos a donos das terras, pudemos sair da idade média e chegar aqui, onde estamos hoje. Temos a liberdade, e ela é fundamental.
"Mas, às vezes, as pessoas te jogam no chão porque eles acham a forma dos seus olhos engraçada. Elas te dão o bote porque vêem um corpo vulnerável. Ou um diferente tom de pele. Ou um nome difícil. Ou uma menina. Elas pensam que você não vai bater de volta - que você vai apenas abaixar seus olhos e se esconder. E às vezes, para proteger a si mesmo, você faz isso.
Mas às vezes, você se encontra na posição perfeita, empunhando exatamente a arma certa para contra-atacar. Então, eu contra-ataco. Eu contra-ataco rápida e forte e furiosamente. Eu golpeio com nada além da linguagem sussurrada por circuitos e fios, a língua que pode deixar as pessoas de joelhos."
Bem, de livre e espontânea vontade eu peguei Warcross, e peguei acreditando que não cairia nas manhas da Marie Lu novamente. Não depois de sofrer com Legend e Prodigy e Champion (Champion, meu Deus!) e Jovens de Elite e Sociedade da Rosa e principalmente com Estrela da Meia-Noite. Não. Eu estava batizada, pensei, e por isso, conforme conhecia a história de Emika, uma hacker habilidosa e caçadora de recompensas, desconfiei de cada um que aparecia a sua frente, desde o menor personagem até o maior. Eu fazia isso pra não ser surpreendida por Marie novamente, para não ter meu coração completamente despedaçado sem conseguir prever o que estava prestes a acontecer.
Por um tempo, é claro, achei que minha tática estava dando certo. Acompanhei a vida de Emika mudar e se encher de estranhos que lhe eram muito familiares, cheia de suspeita, duvidando até dos mortos. Prometi pra mim mesma, também, que não shipparia nenhum casal, já que o histórico de Marie Lu com otps é devastador e sofri muito com cada um deles.
E é óbvio que, mesmo desconfiando até da sombra da nossa protagonista, eu caí, inegável e perturbadoramente na trama da autora. E é também óbvio que shippei, e shippei muito, e acabei por sofrer demais mais uma vez.
Eu caí, e por ter caído mesmo antecipando que isso poderia acontecer, levo essa questão para outro patamar e pergunto-lhes: se houvesse um modo de evitar a queda, se houvesse um modo de controlar nossos impulsos destrutivos, de parar o dedo que atira, de imobilizar o pai que estupra, de pausar o político que rouba, o presidente que age preconceituosamente, de evitar que as pessoas sequestrem crianças diariamente... você concordaria com este caminho? Mesmo que ele tirasse a essência do que somos, mesmo que ele tirasse de nós a possibilidade de escolher, de exercer nosso livre arbítrio?
"Você tem de aprender a olhar para o todo das coisas, e não só para as partes. Relaxe seus olhos. Assimile toda a imagem de uma só vez."
Vocês provavelmente já passaram por alguma situação abastada de injustiça na vida de vocês. Se vocês pudessem, de algum modo, revertê-la, fazendo o iníquo pagar, mesmo que isso significasse decidir por ele, mesmo que isso significasse que não seria escolha dele... vocês reverteriam?
Entre continuar a viver em um mundo cheio de violência e preconceito e caos e um mundo em que você pode não tomar suas próprias escolhas... em qual dos mundos você optaria passar toda a sua vida?
Com uma escrita fluida e viciante, Marie Lu mais uma vez surpreende com seus personagens penetrantes e apaixonantes e que, como uma palheta de cores, podem ser muito mais do que um só tom. Temi que o livro fosse chato por sua temática, seu enredo em que muito se foca no jogo - Warcross - e em tecnologias muito a frente de nosso tempo. Contudo, não fora esse o caso. Encontrei-me curiosa e ávida por mais descrições de todo o jogo e pelas páginas cheias de high-tech que, habilmente, a autora elaborou. Outra coisa que me deixou com o pé atrás fora a capa - a gente até tenta não julgar o livro pela capa, mas ela é o primeiro contato com toda a obra que temos, fazer o quê -, mas a edição está muito linda, com os balões de mensagens que conhecemos e muito vemos em nossas conversas pelas redes sociais, as quebras de capítulos e a diagramação.
"Cada um no mundo está conectado de algum modo com todos os outros."
Além disso, acho importante ressaltar, para os que tem medo de ler esse livro pelo fato de falar de um jogo, que nele não há controles e botões e fios, como temos no Playstation e no Xbox - o controle do jogo, do computador, do software, é o seu cérebro.
O mundo é visto como se estivéssemos o tempo todo com óculos VR, em realidades alternativas em que podemos ser e fazer tudo o que quisermos, e toda essa plataforma deu às pessoas uma nova forma de se viver e trabalhar, revolucionando o modo de interagirmos com a internet. Contextualizando, hoje é impossível nos vermos sem celulares. No mundo de Emika, é impossível se viver sem Warcross.
Fora o fator inédito do jogo que Marie criara, temos as personagens fascinantes do livro, as reflexões que ele nos remete e, para quem tem muito medo do avanço da tecnologia e, mais especificamente, das inteligências artificiais, assim como eu, um punhado de novas coisas a se pensar e muitos novos pesadelos para se ter.
Warcross merece toda a expectativa que os leitores criaram e muito mais. Ele é um enigma, uma grande e atual reflexão, um desejo de vida e um óculos de grau que aumenta ou diminui nossa ótica sobre algumas coisas. É um livro que vale muito a pena.
"Toda porta trancada tem uma chave."
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