Coisas de Mineira 13/04/2021
Ninguém nasce herói é uma distopia do autor brasileiro Eric Novello, publicado em 2017 através da Seguinte, o selo jovem da Companhia das Letras, e que traz inúmeras reflexões frente ao quadro político nacional, e por que não, internacional.
A política brasileira é um assunto difícil, daqueles que não se vê em mesa de bar. Afinal, não se discute política, religião e futebol. Mas sabemos da importância que esse assunto tem para nosso dia a dia, e de como essa discussão tem polarizado tudo ao nosso redor. Pois foi com esse gancho – com um quê premonitório, que nos encontramos em um Brasil, não se sabe quando no tempo, governado por um político ultranacionalista, que chegou ao poder através de artimanhas, apoiado por milícias, e com um discurso de campanha elevando a fé acima de todos, além de não tolerar grupos marginalizados: um político racista, misógino e homofóbico. Esse governo começa a empoderar os militares e acaba por ganhar o status de Messias. Foi assim que ‘O Escolhido” chegou ao poder.
“Numa época em que preconceitos antes velados são gritados com orgulho, não me espanta que tenha sido ele o eleito.”
Chuvisco é um tradutor e youtuber, cercado de amigos, entre eles Cael e Amanda, com os quais inicia a estória distribuindo livros em praça pública, um ato que poderia ser considerado subversivo, mas que ele e os amigos não abrem mão. É um grupo de amigos bem diversos – negros, LGBTQI+, gordos, mas que formam laços de amizade e cumplicidade.
Uma noite, ao voltar de uma reunião com os amigos, ele vê um garoto ser espancado pela Guarda Branca – uma milícia que se encarrega de livrar a cidade de São Paulo das ‘minorias”. Ao contrário das pessoas que estão em volta, ele não se segura e parte em defesa do rapaz.
“Ninguém quer sentir medo ao andar na rua. Ninguém quer ser escorraçado. Agredido. Ninguém quer sair de casa sem a certeza de que vai voltar só porque pensa ou age diferente. Mas se gigantes de aço descem dos céus dispostos a te esmagar, a única maneira de sobreviver é reagir, empurrá-los de volta.”
Acontece que Chuvisco tem ‘Catarses Criativas”, uma condição psiquiátrica durante a qual ele enxerga distorções na sua realidade, e que estão atreladas ao seu estado emocional, podendo ser de uma tartaruga de pedra se movendo pelo jardim, até a transformação de pessoas em sombrios, quando ele dispara sua armadura e parte para o confronto. Nesse caso, ele acaba conseguindo derrubar os milicianos, e salva Júnior, mas acaba colocando um alvo nos dois.
Daí em diante Chuvisco e seu grupo de amigos acabam se envolvendo mais e mais com grupos contrários ao Escolhido, com consequências que poderão trazer reflexos não só para o grupo de amigos, mas para todo o país.
“O projeto religioso é, não canso de repetir, um projeto de poder. O perigo, ou o maior deles, é o ambiente de fanatismo e instabilidade social que o escolhido cultiva em seu entorno pra que continue sendo necessário, um falso ídolo da ordem, enquanto se enche de dinheiro que vem da corrupção.”
A primeira coisa que preciso dizer é que se você se sensibiliza com nossa situação política, pode ser que ache esse livro difícil de engolir. No terço final, eu parei diversas vezes com lágrimas de frustação e revolta, porque o autor foi de uma premonição assustadora. Mas, antes que você desanime, também preciso mencionar que ele traz esperança, e nos lembra que precisamos seguir em frente, porque não estamos sozinhos no mundo.
Esse é o primeiro ponto. O grupo de amigos do Chuvisco é daqueles que a gente quer colocar num potinho. Eles podem até discordar, brigar, mas se defendem até as últimas consequências. Amanda, Gabi, Pedro e Cael são os mais presentes. Eles também trazem suas estórias e medos, mas mostram sua personalidade e a empatia com o próximo. A amizade deles é linda e se mostra forte, mesmo em tempos sombrios…
Ninguém nasce herói também lida com um distúrbio de uma forma bem responsável, e ainda traz a leveza do psiquiatra do Chuvisco – o Dr. Charles, que vem através das memórias dele. Chuvisco reitera várias vezes a importância que o tratamento psiquiátrico tem para ele consiga caminhar pelo mundo, tentando separar o que é real do que é fantasia. Tudo bem que achei exagerada a forma como ele, em pleno surto, tenha conseguido derrubar 3 ou 4 integrantes de uma milícia…
“A verdade é que ninguém nasce herói. Mas isso não nos impede de salvar o mundo de vez em quando.”
O livro é sob o ponto de vista do Chuvisco, e até me entender com as catarses dele, fiquei um pouco perdida. Também não entendi muito a referência à ‘Santa Muerte” para um grupo reacionário, já que não se explica por que uma entidade mexicana entra nesse rolê. Já é tão difícil desvincular da Argentina…
Entretanto, a esperança – dos oprimidos e dos que têm empatia, que apesar do medo, não admite o silêncio, é que transborda também na estória de Chuvisco. É cômodo aceitar as imposições de um governo, por conta do medo, mas esse medo não pode ser paralisante, porque em algum momento ele chega para todos nós. E é isso que os conservadores querem – nos calar!
Ninguém nasce herói foi publicado em 2017, você certamente se lembra do plano político à época. Mesmo que o mundo estivesse sinalizando para uma virada conservadora, o autor conseguiu levar sua estória numa precisão, que a leitura dele nesse momento é assustadora. E inspiradora, ao mesmo tempo. Me doeu e me deixou com a necessidade de expressar meu inconformismo. Uma pílula amarga, mas necessária. Por isso, é daqueles livros que se fazem importantes na lista de leitura de todo mundo. Nunca gostei de indicar um livro que todo mundo deveria ler, mas talvez tenha encontrado uma bela indicação.
No final, me acalentou o fato de saber que ninguém larga a mão de ninguém. Gente é pra brilhar!
Por: Maísa Carvalho
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