Canto da rua

Canto da rua Mariana Paiva




Resenhas - Canto de rua


2 encontrados | exibindo 1 a 2


Penalux 18/12/2017

O canto das ruas é tão abrangente quanto maior for a urgência de se denunciar, de se compartilhar, as dores, as vivências, e em certo a ponto a liberdade de fazer parte da grande população, que compõe a massa urbana e marginal das ruas.
Os minicontos de Mariana Paiva, embora na pequena estrutura com que se apresentam, carregam em si as várias faces do povo do gueto, da população mais pobre, mas também, da população mediana da classe média baixa, com seus conflitos de amor, casamento, tristeza. Os textos escritores na média de cinco linhas, apetecem e instigam a imaginação, pela precisão com que os personagens são contextualizados, deixando a cargo da imaginação do leitor, já desperta pela carga de emotividade dos textos, a tarefa de desenvolver e refletir sobre os protagonistas destes minicontos.
O menino que passa fome e mendiga carinho pedindo compaixão, o travesti pobre, que na marginalidade da vida tem como única medida a aceitação de sua sina, a modesta mulher que carrega como única fonte de luxo a simplicidade de sua casinha adornada com enfeites religiosos. Estes destinos e vidas são expandidas pela autora, nos conflitos cotidianos das relações de afetos e dos jeitos que o ser humano dá para poder escapar das tragédias da vida.
Com um texto sucinto, a autora explora as diversas melodias do canto das ruas, reivindicando para o seu texto, o direito de noticiar a vida da população comum, apontando que “a dor da gente às vezes sai no jornal” é esta dor aguda e intensa dos desfavorecidos, mas também uma dor ainda mais corriqueira, e trágica, a dor dos pequenos conflitos persistentes do destino do ser humano.
comentários(0)comente



Krishnamurti 29/01/2017

PEDAÇOS DE VIDA (em instantâneos)
PEDAÇOS DE VIDA (em instantâneos)
Por Krishnamurti Góes dos Anjos
O miniconto ou microconto embora não seja propriamente uma novidade em literatura, vem ganhando adeptos no Brasil a partir dos anos de 1990 com a edição de coletâneas, antologias, livros solo, teses, artigos etc. É gênero de dimensões ainda mais reduzidas do que a tradicional short story (conto) e consiste reduzidamente em investir na idéia de que um mínimo de palavras baste para apresentar todo um contexto e uma ação em torno do que é revelado por aquelas palavras. Mais importante do que mostrar, é sugerir, deixando ao leitor a tarefa de “preencher” as elipses narrativas e decifrar a história por trás da história escrita. Finalmente, e reduzindo ainda mais: puxa pelo leitor no quesito imaginação.
“Canto de rua” da jornalista e escritora Mariana Paiva assim é construído. O pocket book (formato livro de bolso) em bela edição da Editora Penalux trás ainda ilustrações da artista plástica Carol Miag e reúne 81 narrativas onde a autora depura a cada página a concisão com verdadeiros achados de inventividade. O mundo ficcional de Mariana é predominantemente o da “pobre gente” dos cantos das ruas, dostoievskianas, de um universo de deserdados, mendigos, menores abandonados e doentes de que o Brasil está se enchendo a cada dia. Vejamos um exemplo onde se pode notar além do que até aqui dissemos, o elevado sentido humano da autora:
4. “O menino andava descalço e tomava sereno, mas não ficava doente. Quando os moços que distribuíam o mingau chegavam, ele começava a choramingar, pedindo ‘curative’ e apontando para algum montinho na pele, mordida de mosquito. Era carinho em seu dicionário de rua”. P.13.
Mas há também enfoque em outras questões com temáticas não menos importantes, ou por outra, causais (se assim bem nos expressamos), das problemáticas citadas anteriormente.
18. “Jana era bonitinha, então aproveitou pra virar prostituta. Arranjou filho aos 17 porque se deitou com um menino que apareceu prometendo mundos e fundos, e depois, pra sustentar? Só mesmo cortando as saias que as crentes davam na igreja domingo. Ah, elas não sabem o que é menino chorando com fome e você ali, sem nada pra dar” P. 29
São temas fortes que engrossam o pesadelo cotidiano, falam por si mesmos, suficientemente expressivos para que a ficcionista se empenhe em justificá-los literariamente, em explicar com todas as letras e todos os verbos. Vejamos se um texto, como o que segue (no qual sintomaticamente como os demais, não possuem nem título nem personagens nomeados), tem necessidade de algo mais além do que já foi escrito:
19. “Boa coisa ele nunca tinha sido, mas desta vez tinha sido demais: diante dos sorridentes retratos das duas filhas na estante, o corpo da mulher nadava de bruços na poça de sangue. Arma do crime: o fio do ferro de passar a roupa dele” P. 31
A autora amplia ainda mais o seu foco para a fábula do amor insatisfeito, cruel, frustrado e; falso. O amor que seria a forma de aproximação e comunhão por excelência, e instrumento de concórdia, fere-se, ao contrário, em campo de batalha onde os valores tradicionais foram para o espaço ao pretendermos substituí-lo por princípios custodiados pela permissividade (só sabemos viver entre extremos opostos), a vegetar na chatice amorosa, na mesmice, na indiferença e na falsidade. Os textos abaixo são de deixar o queixo caído.
9. “o ladrão botou a arma na cabeça dele enquanto ele entrava no carro. Ligou para a namorada contando do roubo, assustado com tamanha violência, já esquecido daquele empurrão que tinha dado na moça na semana passada. Ela nunca” P.19.
74. “Os homens jogavam dominó, conversa fora, pediam sempre uma infinita saideira. Era uma padaria que eles faziam de bar, de um jeito de adiar aquela volta para casa, a cara de tédio da mulher, a vidinha de sempre” P. 98
60. “Enquanto serviam bebida pro povo grã-fino da cidade, as duas moças conversam:
- Eu minto muito. Todo dia eu digo que tô com uma dor diferente quando ele vem se chegando.
- Pois eu sou pior: quando rola, ainda finjo que tá bom pra acabar logo” P.82
Mariana Paiva seleciona em seus textos – alguns mergulhados em ironia corrosiva e sarcasmo -, flagrantes sobre os quais imprime condensação extrema. Estão descarnados, sintéticos, sem admitir maiores composições literárias para ir direto ao ponto. Parecem fotos em instantâneos de certas vidas (nossas vidas) e que ela vai revelando para nosso deleite, reflexão e compreensão.
Livro: “Canto da rua” – Micronarrativas, de Mariana Paiva. Editora Penalux, Guaratinguetá – São Paulo, 2016, 108p.
comentários(0)comente



2 encontrados | exibindo 1 a 2


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com a Política de Privacidade. ACEITAR