O PESO DAS GOTAS

O PESO DAS GOTAS Jairo Cézar




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Krishnamurti 29/01/2017

O PESO DAS GOTAS
O PESO DAS GOTAS

“Segredo
Sentada à janela da
memória,
viaja a Estação
transfigurada.
Quando tudo
for passado,
saberemos
porque
o trem gemia tanto”.
O poema acima faz parte do mais novo livro do poeta Jairo Cézar, “O peso das gotas” que reúne em cinco blocos temáticos sua mais recente produção. Embora haja variações temáticas como se vê, a memória ocupa papel preponderante na poética desse autor. É o sabor mais forte que nos fica após a leitura, o que nos faz recordar do pensamento do escritor francês André Breton que aconselha o homem dotado de alguma lucidez a se voltar para a própria infância. E ainda, já que falamos em memória, também do crítico literário Alfredo Bosi que afirma ser a criação poética também fruto da memória no sentido em que ela aparece como faculdade de base no homem, e o meio pelo qual se modela a imagem e a fantasia. Na confluência desses dois pressupostos, resulta que a memória no texto literário tem o papel de reelaborar o que foi vivido (ou imaginado) de modo que ela se realize no poema. É o que Jairo Cézar faz de maneira brilhante em poemas como esse:
Êxodo
A brisa lava a noite
com o cheiro leve da cana.
Tenho espasmos de passado
e a doce impressão
de exílio.

O poeta segue nos introduzindo nas manifestações de sua inquietude: a busca do passado através da família numa singela nostalgia:
Rua Antônio Batista dos Santos
Meu velho vive à rua
que leva seu nome.

Todo dia, levo minha saudade
para visitá-lo, mas ele nunca está.

Só encontro uma placa,
onde seu nome, em trajes de lata,
sempre me pede para voltar.

A versatilidade do autor dialoga com outras obras. veja-se o forte apelo literário desse poema no qual a desilusão com as agruras da vida o inclina para a tentativa de recuperar o próprio passado, e o faz, porque sente em si a necessidade premente da continuidade da vida. A evocação de Sancho Pança – com a sua carga de realismo e equilíbrio na obra de Miguel de Cervantes – é a metáfora da harmonia entre sonho e realidade que a grande literatura nos ensina.

O cavaleiro da triste figura
Ontem, moinhos de vento
moviam a certeza de meus sonhos
e alforriavam minha imaginação.

Hoje, solitário, sinto falta
dos livros que emolduram o passado
e da presença de Sancho Pança.

Amanhã, preso à gaiola do crepúsculo,
serei o mesmo fidalgo a serpentear
as tranças da razão.
Outro elemento muito bem trabalhado na obra é a figura marcante do espelho. O espelho significando a presença do tempo destruidor de um presente e, no entanto, também responsável pelas transformações de maturidade pelas quais o homem passa:

Imagem
Diante de mim,
o espelho tece
o reflexo
de meus heterônimos.
Eu inverso,
Imerso,
repleto de reverberações.

Uma das mais altas realizações líricas de Jairo Cézar nesse livro é o poema “Cantiga para não crescer”. Nele observamos a criança presente no poeta, fazendo com que a emoção infantil não se perca com o passar do tempo, mas se identifique com a própria emoção poética. O poeta busca resgatar um passado no presente, de forma que “um acordo íntimo” entre o homem e o menino se estabeleça, permitindo que haja um resgate constante de um mundo perdido capaz de reorientar positivamente a condição humana no tempo presente. Uma busca de libertação e de retomada das raízes tanto poéticas quanto existenciais. Belíssimo o poema:

Cantiga para não crescer
Quando crescer, quero ser criança.
Fazer a lua de pipa,
enquanto o solzinho descansa.
Quando crescer, quero ser criança.
Reger vaga-lumes em rima,
fingindo-se estrelas em dança.
Quando crescer, quero ser criança.
E que haja, entre o homem e o menino,
um acordo íntimo.
Um há de ser pássaro,
o outro há de ser ninho.
Este poema trás ainda, à guisa de dístico um verso de Wordsworth. “O menino é o pai do homem". E dizendo isto, já se disse tudo.
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