Luiz Carlos 27/07/2021Um bela surpresaExistem livros que não damos grande valor incialmente. Adiamos a leitura para um futuro incerto. Até que o futuro se torna presente e a leitura chega como um encanto. Esse encanto é uma mistura de surpresa, gratidão e beleza. Surpreso por não depositar uma grande esperança num livro cuja temática é o surf, mesmo tendo surfado minha adolescência inteira e o início da fase adulta. Cresci lendo revistas de surf intercaladas com livros de filosofia, política e história. E da leitura das revistas de surf, apreendi mais apreciar a beleza das imagens fotográficas do que valorizar nelas a qualidade da escrita, com a exceção das colunas de Ricardo Bocão na revista Fluir, textos que tinham qualidade literária e que me faziam viajar igualmente pelo mundo com o poder da imaginação. Aguardava apreensivo a revista do próximo mês, quando a revista do mês anterior prometia imagens de um dia épico das ondas em um lugar geralmente desconhecido do mundo. Era o modo de sentir-se um desbravador sem poder sair da própria cidade. Ver as fotos nas revistas de surf era para mim como estar lá, mas o prazer das leituras que me levavam para lugares alcançados e construídos apenas pela minha imaginação somente fui reencontrar em Dias bárbaros: uma vida no surf. Gratidão por ter acesso ao livro por obra do destino e da sorte, talvez. Comprei numa dessas semanas loucas de queima de estoque das livrarias virtuais.
Dias bárbaros: uma vida no surf é um livro autobiográfico de William Finnegn que viveu dos surf de uma maneira livre e autêntica. Não foi competidor e sequer é reconhecido internacionalmente no mundo do surf. É, na verdade, um daqueles surfistas cuja história e fama somente teríamos acesso pelas pessoas mais próximas com quem ele conviveu, mas que passaria despercebido por todos, não fosse sua qualidade de escritor reconhecida hoje. Foi um surfista, entre tantos outros iguais, que viveu o espírito da sua época e desbravou várias praias, antes desconhecidas, porém hoje famosas mundialmente por todos os surfistas mais em razão dos campeonatos. Não se pode também dizer que William Finnegn foi um pioneiro nessas praias. Esteve em vários lugares fantásticos numa época em que a informação circulava na velocidade das missivas, barcos e aviões. Assim, muitos dos lugares descobertos por ele nas suas viagens pelo mundo já poderiam ter sido surfados ou conhecidos por outros surfista, mas que guardavam essa informação num mapa do tesouro secreto.
A beleza e o valor literário de Dias bárbaros: uma vida no surf está na possibilidade reviver o espírito de uma época ou way of life. William Finnegn conseguiu expressar um valor muito importante para os americanos, que está na ideia de movimento, da expansão e do desbravamento, que também podem ser encontrados representados na história e cultura americana como a caça às baleias de Moby Dick, a corrida do ouro no século XIX, a conquista de novas terras no oeste americano, os filmes de faroeste de Jhon Ford e o movimento beat ao estilo On the Road de Jack Kerouac. Com esse olhar, Dias bárbaros simboliza a beleza de uma juventude que viveu nas décadas de 60 a 70 no século XX. Uma juventude americana privilegiada por uma moeda valorizada na economia mundial e que podia desbravar o mundo com poucos dólares no bolso e poucas horas dedicadas ao trabalho formal. Unindo, assim, essas condições históricas, culturais e econômicas, jovens rodavam o mundo em busca de novas experiências, livre das responsabilidades e pressões da vida adulta – conseguir bons salários e estudar em boas universidades – num modo de vida livre, desbravador e muitas vezes selvagem. Foi a geração de Jack Kerouac em On the road, Alen Ginsberg em Uivo, William Burroughs em Almoço Nú e Patti Smith em Só garotos. Assim viveu William Finnegn numa história real e fascinante pelo mundo em busca de ondas perfeitas e hoje narradas pelo jornalista e ainda surfista quando as obrigações da vida lhe permitem, a exemplo de milhões de surfistas comuns e anônimo pelo mundo que viveram aventuras e experiências nas inúmeras praias e ondas da vida.