Fernanda.Caputo 19/02/2024
Uma leitura incômoda, mas fascinante
Hoje a resenha é sobre o livro Um amor incômodo, da autora italiana Elena Ferrante, publicado pela Intrínseca. Este foi o primeiro livro publicado pela autora, no ano de 1992.
Uma das curiosidades sobre Ferrante é que este é um pseudônimo. Ninguém realmente sabe quem é a pessoa por trás das obras. Qual sua aparência, seu nome real, quando nasceu, onde vive, tudo desconhecido. Ao longo dos anos ela deu algumas respostas a jornalistas, donde se extrai que teria nascido em Nápoles, onde se passa a maioria de seus romances (Um amor incômodo, inclusive). Sua mãe seria costureira (mais um toque autobiográfico no livro) e ela teria uma graduação em literatura. E é isso.
Um amor incômodo é o segundo romance que escolhemos para o @clube.travessia, pois não conhecíamos a autora e tínhamos curiosidade sobre ela. Ferrante é mais conhecida pela série "A amiga genial" e este primeiro romance não é tão comentado, mas fomos ousadas e o escolhemos, apesar das críticas a ele.
A história é contada em primeira pessoa por Délia, uma mulher de cerca de quarenta anos, que já inicia sua narrativa com uma frase impactante: "Minha mãe se afogou na noite de 23 de maio, dia do meu aniversário". O corpo de Amália foi encontrado vestindo apenas um sutiã de uma marca chique, incompatível com a senhora de idade recatada que Délia conhecia.
A partir daí, inicia-se uma viagem de volta ao passado. Délia deixa Roma, onde vive e trabalha como ilustradora de quadrinhos e parte para sua cidade natal, Nápoles, para o enterro da mãe e uma tentativa de compreensão sobre o que aconteceu. Na busca pelos últimos momentos de Amália, Délia se defronta com seu passado. Caserta, Antônio, seu pai, homens da vida de Délia e Amália, em um histórico de violência, abusos e incompreensões.
A história é envolvente e queremos saber o que aconteceu com Amália. Mas, ao longo da mistura de pensamentos sobre presente e passado, conhecemos sobre Délia, sua relação com a mãe e sua própria história em que realidade e ficção se misturam.
Um ponto importante a destacar é que este é um romance que utiliza a técnica de fluxo de consciência. Nesta técnica, há uma radicalização do monólogo interior, pois não há uma ordem. As ideias são expostas de forma errante e desordenada, os pensamentos do personagem fluem livremente, misturando passado e presente, sensações, pensamentos. É uma técnica que busca demonstrar a profundidade psicológica, a exploração da sensibilidade e a recuperação de memórias². Deste modo, em alguns momentos, o pensamento de Délia se mistura com imaginação, memórias e realidade, mas não é difícil acompanhar o fluxo do pensamento.
No final do livro há uma série de revelações surpreendentes, que eu realmente não esperava, o que tornou a experiência ainda mais interessante! Eu realmente gostei muito do livro, embora tenha visto algumas críticas negativas, especialmente de pessoas que já leram outras obras da autora, afirmando que não é um romance que explora todo o potencial de Ferrante. Na minha opinião, contudo, para um primeiro romance de estreia, é possível vislumbrar, sim, o potencial da autora. É um romance profundo, que explora relações familiares complexas que todos vivemos ou conhecemos.
É, de fato, uma leitura incômoda. Não é um romance romântico, explora temas complexos e pesados, como violência doméstica, mas é uma leitura extremamente fluida e bem escrita.