Os Excluídos da História

Os Excluídos da História Michelle Perrot




Resenhas - Os Excluídos da História


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Alipio 03/07/2020

Os Excluídos da História
" Os excluídos da história: Operários, mulheres e prisioneiros" é um apanhado de publicações realizadas pela historiadora Michelle Perrot e que foram
selecionadas pela historiadora brasileira Maria Stella Martins Bresciani.
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O livro, como sugere o título, é dividido em três grupos sociais que a autora defini-os como "os marginalizados e obscurecido da história"

Operários - trata das relações operários x patrões, operários x maquinas, moradia, e a primeira celebração do 1° de Maio na França (1890)

Mulheres - a abordagem sobre as lutas e conquistas das mulheres no século XIX na industria téxtil. A dona de casa e a sua participação na sociedade.A obra de Perrot é de suma importância dentro da linha feminista dos estudos históricos. 

Prisioneiros - A abordagem é sobre a delinquência e o sistema penitenciário. A prisão feita para punir mas também para reintegrar os delinquentes à sociedade, acaba por excluí-los.
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As questões abordadas por Michelle Perrot, remonta à França do século XIX, mas com problemáticas bem atuais.

?As mulheres não são passivas nem submissas. Elas estão presentes aqui e além. Elas são diferentes. Elas se afirmam por outras palavras, outros gestos. Na cidade, na própria fábrica, elas têm outras práticas cotidianas, formas concretas de resistência ? à hierarquia, à disciplina ? que derrotam a racionalidade do poder, enxertadas sobre seu uso próprio do tempo e do espaço. Elas traçam um caminho que é preciso reencontrar. Uma história outra. Uma outra história." ( Michelle Perrot)
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@livros.historia
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Vanessa Prateano 31/08/2017

A resistência das mulheres à invisibilidade e à domesticação
Publicado originalmente no Delirium Nerd

Se há uma historiadora que dedicou toda a sua carreira a visibilizar a história das mulheres, esta historiadora é a francesa Michelle Perrot, nascida em 1928, em Paris. Conhecida como “a mestra da história das mulheres”, Perrot iniciou seus estudos na área – e também sua militância, já que se coloca como uma historiadora feminista – em 1973, quando, já doutora em História e docente na Universidade Paris VII, lecionou um curso intitulado “As mulheres têm uma História?”. Desde então, publicou vários livros sobre o tema, como “A História das mulheres no Ocidente”, “Minha História das mulheres”, “Mulheres públicas”, “As mulheres ou o silêncio da História” e o infanto-juvenil “Era uma vez… a História das mulheres”, além deste “Os excluídos da História: operários, mulheres e prisioneiros”, lançado no Brasil pela primeira vez em 1988 e relançado em 2017 pela Editora Paz e Terra.


Em Os excluídos da História, Perrot traz à luz a História e as histórias de três “personagens” frequentemente esquecidos pela historiografia tradicional (e masculina, burguesa e focada nos documentos oficiais) quando ela se iniciou no tema: as mulheres, os prisioneiros e os operários. Por meio de 11 artigos (cinco sobre os operários, três sobre as mulheres e três sobre os prisioneiros), transita-se pela França do século XIX, período no qual Perrot se especializou, e são descortinados meios de resistência desses personagens frente ao Estado, à polícia, à exploração da burguesia e também à tirania dos homens, em especial a dos revolucionários e sindicalistas que tentaram calar a mulher e encerrá-la na esfera doméstica – enfrentando a resistência ferrenha das mulheres operárias e donas de casa pobres, que disputaram a cidade e suas ruas centímetro por centímetro.

Os temas dos artigos podem parecer mais familiares à leitora e ao leitor de hoje, mas é importante lembrar que o livro foi publicado pela primeira vez há 28 anos, quando o cenário era outro. Na primeira parte, Perrot relata as relações dos operários com as máquinas recém-inventadas; a temida disciplina industrial que domestica os corpos dos trabalhadores e suga seu tempo livre e energia; a relação destes com seus patrões; o nascimento do Primeiro de Maio na França e a relação do operariado com a cidade e a luta por moradia.

No terceiro capítulo, inspirada por Michel Foucault, o grande historiador das prisões e manicômios, de quem foi amiga e colega de trabalho, a autora relata o nascimento das prisões e seus diferentes sistemas de encarceramento, assim como as diferentes penas impostas (isolamento, trabalho forçado, pena capital, degredo) e também o uso da ciência estatística para a catalogação dos crimes e controle dos corpos. Ainda, analisa um tema delicado: o quanto as revoluções e seus líderes tentaram se afastar daqueles que consideravam presos comuns, por vezes incentivando que o Estado os prendesse e punisse, atitude também adotada por muitos sindicalistas – uma divisão entre “classes trabalhadoras” e “classes perigosas” que de certa forma deixou os “bandidos” – em oposição aos admirados presos políticos – à mercê do Estado punitivo.


É no segundo capítulo, porém, o dedicado às mulheres, que se concentram as histórias mais interessantes, divertidas e saborosas do livro – e nem por isso menos adeptas do rigor histórico e metodológico. O sexto artigo dedica-se ao poder das mulheres, o sétimo à mulher popular rebelde, e o oitavo, à dona de casa que circula pelo espaço público parisiense no século XIX. O foco é majoritariamente voltado para aquelas que seriam as mais esquecidas entre as esquecidas: as mulheres pobres, tanto operárias quanto prostitutas, lavadeiras e donas de casa, sem escolaridade, que penam para ganhar um sustento para si e sua família, que fazem pequenos bicos, trabalham como camelôs, participam de protestos e se organizam, causando medo e preocupação nas autoridades, em particular as policiais.

“Muitas vezes observou-se que a história das classes populares era difícil de ser feita a partir de arquivos provenientes do olhar dos senhores – prefeitos, magistrados, padres, policiais. Ora, a exclusão feminina é ainda mais forte. Quantitativamente escasso, o texto feminino é estritamente especificado: livros de cozinha, manuais de pedagogia, contos recreativos ou morais constituem a maioria. Trabalhadora ou ociosa, doente, manifestante, a mulher é observada e descrita pelo homem. Militante, ela tem dificuldade e se fazer ouvir pelos seus camaradas masculinos, que consideram normal serem seus porta-vozes. A carência de fontes diretas, ligada a essa mediação perpétua e indiscreta, constitui um tremendo meio de ocultamento. Mulheres enclausuradas, como chegar até vocês?” – A mulher popular rebelde, p. 198.

As mulheres e o poder

O tema do sexto artigo, como a própria Perrot já adianta, é ambíguo e atual: teriam as mulheres tido poder naquele período, o século XIX? Se sim, qual é a natureza desse poder? É de fato um poder ou um arremedo de poder, visando a dourar a pílula da dominação masculina e acalmar um pouco as feministas? São perguntas que se colocam até hoje. O poder, diz ela, é polissêmico – pode significar muitas coisas. Diz-se que as mulheres não possuíam (possuem) poder porque a visão do que ele significa é muito ligada à esfera pública e política, em geral domínio dos homens. Para entender o poder feminino, é preciso se livrar dessa visão limitadora.

Em geral, o poder das mulheres sempre esteve ligado a duas figuras distintas: por um lado, simbolizam o poder da sedução e da perdição. Eva, a força das sombras, é o poder que leva à ruína. Por outro lado, tem-se a mulher mãe, essa potência civilizadora que prepara os cidadãos (sempre no masculino) de amanhã – ela se faz presente em quadros de museus, em poemas, bustos pela cidade e no discurso de médicos, políticos e religiosos. É possível, porém, pensar o poder das mulheres por outros caminhos? No artigo, pouco analítico e mais descritivo, traça-se a história da dicotomia entre público e privado, família, sociedade civil e Estado, e o papel da mulher nessa intrincada relação.

A discussão feita no artigo ainda é atual e muito importante para o feminismo: a estratégia deve focar na opressão e visibilizar as violências estruturais e sistemáticas que atingem as mulheres enquanto uma espécie de classe ou focar nas resistências e numa releitura que mostre a agência de indivíduos e grupos de mulheres? A tendência de focar num possível poder das mulheres dentro do lar e nos bastidores da política tem seus riscos, como coloca a autora: se as mulheres sempre tiveram o poder de manipular os homens, afinal, por que reclamam tanto da desigualdade? Corre-se o perigo de as mulheres serem vistas como aquelas a “reclamar de barriga cheia”.

A mulher rebelde

O segundo artigo, sobre a mulher popular rebelde, é um relato saboroso das revoltas lideradas pelas mulheres em favor da manutenção da vida da família: elas se rebelam contra a alta do preço dos alimentos, fazem motins, exercem vigilância cerrada nos mercados, intimam os vendedores de trigo a lhes entregarem o cereal; se eles se recusam, elas tomam, taxam-no e vendem-no elas mesmas; são mulheres jovens e velhas, grávidas, lactantes, jovens solteiras que sustentam os pais doentes, diaristas, prostitutas, remendeiras e lavadeiras. Durante os motins de 1817, elas se sobressaem, muitas são presas, condenadas a trabalhos forçados ou à morte.

Não são apenas guardiãs do pão, mas também do teto – lutam contra senhorios e, quando não podem pagar o aluguel, organizam mudanças na calada da noite e colocam tudo o que possuem em carrinhos de mão, as crianças no topo dos pertences que carregam. Também se insurgem contra as máquinas que vêm destruir o modo de trabalho tradicional e impor disciplinamento de seus corpos. Realizam motins também nas florestas, pelo direito à madeira. Porém, ao longo do século, passam de organizadoras a auxiliares. Os homens a limitam ou desprezam nos momentos revolucionários conforme as revoltas se militarizam. São toleradas apenas como cantineiras e enfermeiras e não podem falar ou dirigir.


Aqui, Perrot relata sobre um espaço privilegiado da sociabilidade das mulheres no século XIX: o lavadouro. A rua pertence a elas após os homens irem para o trabalho, mas somente às mulheres pobres. As ricas estão presas em suas casas e vigiadas pela criadagem. A mulher do povo está livre de espartilhos e circula em busca de sustento. Fala palavrões, é explosiva e gera receio nas autoridades. Nos lavadouros não apenas se lava roupa, mas se trocam informações, receitas e remédios; acolhem-se as mulheres abandonadas, as prostitutas, as recém-saídas da prisão e os órfãos. “Os lavadouros são locais de feminismo prático”, diz Perrot.

Aqui, a discussão também é atual: o machismo renhido dos homens ditos revolucionários (hoje, os homens de esquerda). O desprezo, o apagamento, a invisibilidade e até mesmo a violência física cometida por esses homens contra as mulheres. A noção de cidadania destes homens não inclui as mulheres. Pensa-se classe, mas a discussão da condição feminina “dividiria” e “enfraqueceria” a revolução. Ela pode esperar. Não por acaso, Olympe de Gouges foi guilhotinada pela revolução ao escrever sua Declaração Universal dos Direitos da Mulher e da Cidadã. Quantas Olympes ainda sofrem para se fazerem ouvidas nos círculos ditos progressistas?

A mulher e a cidade

No terceiro artigo, tem-se a figura da dona de casa parisiense do século XIX. A autora retoma o tema dos lavadouros, mas traz informações novas e a leitura não é maçante, pelo contrário: é divertido e interessante ler sobre o cotidiano daquelas mulheres. O foco é a cidade como um espaço sexuado: os locais onde as mulheres circulam. Inicialmente, vemos a mulher a cantar, beber e dançar com os homens na taverna, a trabalhar com eles nos canteiros de obras e como camelôs. Após a revolução de 1848, espera-se que a mulher seja liberta, mas as diferenciações baseados no sexo se acirram.

Têm-se os espaços onde elas começam a circular de forma exclusiva: os magazines (lojas de departamento), onde compram ou apenas olham, e também cometem pequenos furtos. Os mercados e galerias passam a ser fechados e cobertos e as mulheres passam a maior parte de seu tempo mais dentro do que fora. Passam a ser maioria em escolas, hospitais, creches, cemitérios. Um dos poucos espaços onde os sexos se encontram é nos bailes, mas a tendência é que os corpos de homens e mulheres estejam cada vez mais afastados nos passos de dança. As mulheres são pouco vistas em cafés e, na Inglaterra, a autora menciona que as mulheres são proibidas de adentrar os pubs.

É a partir dessa intersecção entre público e privado, opressão e resistência, rupturas e permanências que Os excluídos da História se desenvolve. Para quem busca uma introdução mais densa sobre o tema, que fuja da historiografia tradicional, o livro é altamente recomendável. Muitas obras foram desenvolvidas sobre o tema desde então, mas é importante ter em mente o seu pioneirismo e até mesmo sua coragem de tratar de temas considerados menores.

Para quem busca uma análise mais aprofundada – mulheres já iniciadas no tema da historiografia feminista -, suas obras dedicadas exclusivamente ao assunto podem agradar mais do que este livro. Vale lembrar também que o livro é limitado à história das mulheres francesas. Mas nada tira o brilho da escrita fluída, rica nas descrições e que tem o ponto alto de tratar a história das mulheres reconhecendo sua complexidade e, por que não, suas contradições.

A obra de Michelle Perrot, hoje com 89 anos e muito ativa, vale cada página.

site: https://deliriumnerd.com/2017/07/09/os-excluidos-da-historia/
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Delirium Nerd 14/07/2017

Os Excluídos da História, de Michelle Perrot: A resistência das mulheres à invisibilidade e à domesticação (Resenha)
Se há uma historiadora que dedicou toda a sua carreira a visibilizar a história das mulheres, esta historiadora é a francesa Michelle Perrot, nascida em 1928, em Paris. Conhecida como “a mestra da história das mulheres”, Perrot iniciou seus estudos na área – e também sua militância, já que se coloca como uma historiadora feminista – em 1973, quando, já doutora em História e docente na Universidade Paris VII, lecionou um curso intitulado “As mulheres têm uma História?”. Desde então, publicou vários livros sobre o tema, como “A História das mulheres no Ocidente”, “Minha História das mulheres”, “Mulheres públicas”, “As mulheres ou o silêncio da História” e o infanto-juvenil “Era uma vez… a História das mulheres”, além deste “Os excluídos da História: operários, mulheres e prisioneiros”, lançado no Brasil pela primeira vez em 1988 e relançado em 2017 pela Editora Paz e Terra.


Em Os excluídos da História, Perrot traz à luz a História e as histórias de três “personagens” frequentemente esquecidos pela historiografia tradicional (e masculina, burguesa e focada nos documentos oficiais) quando ela se iniciou no tema: as mulheres, os prisioneiros e os operários. Por meio de 11 artigos (cinco sobre os operários, três sobre as mulheres e três sobre os prisioneiros), transita-se pela França do século XIX, período no qual Perrot se especializou, e são descortinados meios de resistência desses personagens frente ao Estado, à polícia, à exploração da burguesia e também à tirania dos homens, em especial a dos revolucionários e sindicalistas que tentaram calar a mulher e encerrá-la na esfera doméstica – enfrentando a resistência ferrenha das mulheres operárias e donas de casa pobres, que disputaram a cidade e suas ruas centímetro por centímetro.

Os temas dos artigos podem parecer mais familiares à leitora e ao leitor de hoje, mas é importante lembrar que o livro foi publicado pela primeira vez há 28 anos, quando o cenário era outro. Na primeira parte, Perrot relata as relações dos operários com as máquinas recém-inventadas; a temida disciplina industrial que domestica os corpos dos trabalhadores e suga seu tempo livre e energia; a relação destes com seus patrões; o nascimento do Primeiro de Maio na França e a relação do operariado com a cidade e a luta por moradia.

No terceiro capítulo, inspirada por Michel Foucault, o grande historiador das prisões e manicômios, de quem foi amiga e colega de trabalho, a autora relata o nascimento das prisões e seus diferentes sistemas de encarceramento, assim como as diferentes penas impostas (isolamento, trabalho forçado, pena capital, degredo) e também o uso da ciência estatística para a catalogação dos crimes e controle dos corpos. Ainda, analisa um tema delicado: o quanto as revoluções e seus líderes tentaram se afastar daqueles que consideravam presos comuns, por vezes incentivando que o Estado os prendesse e punisse, atitude também adotada por muitos sindicalistas – uma divisão entre “classes trabalhadoras” e “classes perigosas” que de certa forma deixou os “bandidos” – em oposição aos admirados presos políticos – à mercê do Estado punitivo.

É no segundo capítulo, porém, o dedicado às mulheres, que se concentram as histórias mais interessantes, divertidas e saborosas do livro – e nem por isso menos adeptas do rigor histórico e metodológico. O sexto artigo dedica-se ao poder das mulheres, o sétimo à mulher popular rebelde, e o oitavo, à dona de casa que circula pelo espaço público parisiense no século XIX. O foco é majoritariamente voltado para aquelas que seriam as mais esquecidas entre as esquecidas: as mulheres pobres, tanto operárias quanto prostitutas, lavadeiras e donas de casa, sem escolaridade, que penam para ganhar um sustento para si e sua família, que fazem pequenos bicos, trabalham como camelôs, participam de protestos e se organizam, causando medo e preocupação nas autoridades, em particular as policiais.

As mulheres e o poder

O tema do sexto artigo, como a própria Perrot já adianta, é ambíguo e atual: teriam as mulheres tido poder naquele período, o século XIX? Se sim, qual é a natureza desse poder? É de fato um poder ou um arremedo de poder, visando a dourar a pílula da dominação masculina e acalmar um pouco as feministas? São perguntas que se colocam até hoje. O poder, diz ela, é polissêmico – pode significar muitas coisas. Diz-se que as mulheres não possuíam (possuem) poder porque a visão do que ele significa é muito ligada à esfera pública e política, em geral domínio dos homens. Para entender o poder feminino, é preciso se livrar dessa visão limitadora.

Em geral, o poder das mulheres sempre esteve ligado a duas figuras distintas: por um lado, simbolizam o poder da sedução e da perdição. Eva, a força das sombras, é o poder que leva à ruína. Por outro lado, tem-se a mulher mãe, essa potência civilizadora que prepara os cidadãos (sempre no masculino) de amanhã – ela se faz presente em quadros de museus, em poemas, bustos pela cidade e no discurso de médicos, políticos e religiosos. É possível, porém, pensar o poder das mulheres por outros caminhos? No artigo, pouco analítico e mais descritivo, traça-se a história da dicotomia entre público e privado, família, sociedade civil e Estado, e o papel da mulher nessa intrincada relação.

A discussão feita no artigo ainda é atual e muito importante para o feminismo: a estratégia deve focar na opressão e visibilizar as violências estruturais e sistemáticas que atingem as mulheres enquanto uma espécie de classe ou focar nas resistências e numa releitura que mostre a agência de indivíduos e grupos de mulheres? A tendência de focar num possível poder das mulheres dentro do lar e nos bastidores da política tem seus riscos, como coloca a autora: se as mulheres sempre tiveram o poder de manipular os homens, afinal, por que reclamam tanto da desigualdade? Corre-se o perigo de as mulheres serem vistas como aquelas a “reclamar de barriga cheia”.

A mulher rebelde

O segundo artigo, sobre a mulher popular rebelde, é um relato saboroso das revoltas lideradas pelas mulheres em favor da manutenção da vida da família: elas se rebelam contra a alta do preço dos alimentos, fazem motins, exercem vigilância cerrada nos mercados, intimam os vendedores de trigo a lhes entregarem o cereal; se eles se recusam, elas tomam, taxam-no e vendem-no elas mesmas; são mulheres jovens e velhas, grávidas, lactantes, jovens solteiras que sustentam os pais doentes, diaristas, prostitutas, remendeiras e lavadeiras. Durante os motins de 1817, elas se sobressaem, muitas são presas, condenadas a trabalhos forçados ou à morte.

Não são apenas guardiãs do pão, mas também do teto – lutam contra senhorios e, quando não podem pagar o aluguel, organizam mudanças na calada da noite e colocam tudo o que possuem em carrinhos de mão, as crianças no topo dos pertences que carregam. Também se insurgem contra as máquinas que vêm destruir o modo de trabalho tradicional e impor disciplinamento de seus corpos. Realizam motins também nas florestas, pelo direito à madeira. Porém, ao longo do século, passam de organizadoras a auxiliares. Os homens a limitam ou desprezam nos momentos revolucionários conforme as revoltas se militarizam. São toleradas apenas como cantineiras e enfermeiras e não podem falar ou dirigir.

Aqui, Perrot relata sobre um espaço privilegiado da sociabilidade das mulheres no século XIX: o lavadouro. A rua pertence a elas após os homens irem para o trabalho, mas somente às mulheres pobres. As ricas estão presas em suas casas e vigiadas pela criadagem. A mulher do povo está livre de espartilhos e circula em busca de sustento. Fala palavrões, é explosiva e gera receio nas autoridades. Nos lavadouros não apenas se lava roupa, mas se trocam informações, receitas e remédios; acolhem-se as mulheres abandonadas, as prostitutas, as recém-saídas da prisão e os órfãos. “Os lavadouros são locais de feminismo prático”, diz Perrot.

Aqui, a discussão também é atual: o machismo renhido dos homens ditos revolucionários (hoje, os homens de esquerda). O desprezo, o apagamento, a invisibilidade e até mesmo a violência física cometida por esses homens contra as mulheres. A noção de cidadania destes homens não inclui as mulheres. Pensa-se classe, mas a discussão da condição feminina “dividiria” e “enfraqueceria” a revolução. Ela pode esperar. Não por acaso, Olympe de Gouges foi guilhotinada pela revolução ao escrever sua Declaração Universal dos Direitos da Mulher e da Cidadã. Quantas Olympes ainda sofrem para se fazerem ouvidas nos círculos ditos progressistas?

A mulher e a cidade

No terceiro artigo, tem-se a figura da dona de casa parisiense do século XIX. A autora retoma o tema dos lavadouros, mas traz informações novas e a leitura não é maçante, pelo contrário: é divertido e interessante ler sobre o cotidiano daquelas mulheres. O foco é a cidade como um espaço sexuado: os locais onde as mulheres circulam. Inicialmente, vemos a mulher a cantar, beber e dançar com os homens na taverna, a trabalhar com eles nos canteiros de obras e como camelôs. Após a revolução de 1848, espera-se que a mulher seja liberta, mas as diferenciações baseados no sexo se acirram.

Têm-se os espaços onde elas começam a circular de forma exclusiva: os magazines (lojas de departamento), onde compram ou apenas olham, e também cometem pequenos furtos. Os mercados e galerias passam a ser fechados e cobertos e as mulheres passam a maior parte de seu tempo mais dentro do que fora. Passam a ser maioria em escolas, hospitais, creches, cemitérios. Um dos poucos espaços onde os sexos se encontram é nos bailes, mas a tendência é que os corpos de homens e mulheres estejam cada vez mais afastados nos passos de dança. As mulheres são pouco vistas em cafés e, na Inglaterra, a autora menciona que as mulheres são proibidas de adentrar os pubs.

É a partir dessa intersecção entre público e privado, opressão e resistência, rupturas e permanências que Os excluídos da História se desenvolve. Para quem busca uma introdução mais densa sobre o tema, que fuja da historiografia tradicional, o livro é altamente recomendável. Muitas obras foram desenvolvidas sobre o tema desde então, mas é importante ter em mente o seu pioneirismo e até mesmo sua coragem de tratar de temas considerados menores.

Para quem busca uma análise mais aprofundada – mulheres já iniciadas no tema da historiografia feminista -, suas obras dedicadas exclusivamente ao assunto podem agradar mais do que este livro. Vale lembrar também que o livro é limitado à história das mulheres francesas. Mas nada tira o brilho da escrita fluída, rica nas descrições e que tem o ponto alto de tratar a história das mulheres reconhecendo sua complexidade e, por que não, suas contradições.

A obra de Michelle Perrot, hoje com 89 anos e muito ativa, vale cada página.

site: http://deliriumnerd.com/2017/07/09/os-excluidos-da-historia/
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Our Brave New Blog 03/06/2017

RESENHA OS EXCLUÍDOS DA HISTÓRIA - OUR BRAVE NEW BLOG
Esse aqui demorou mais que o previsto, e me fez ver que eu infelizmente não posso escolher qualquer livro na hora de pedir para as editoras, porque alguns são muito mais cansativos e lentos que outros, como por exemplo livros que tratam de assuntos acadêmicos, principalmente os não relacionados à minha área, apesar de gostar muito de História.

Apesar disso, eu já adianto que vale muito a pena conferir esse aqui por vários motivos. Primeiro que ele já me atraiu logo de cara pelo assunto: um livro que se propõe a desviar da chamada “linha principal” da História e dar uma olhada no que os operários, as mulheres e os prisioneiros fizeram para o mundo girar. Mais especificamente na França do século XIX, local e data de estudo da historiadora Michelle Perrot, uma das maiores na França, que se propõe principalmente a trabalhar através de vários pontos de vistas diferentes, principalmente o da mulher.

O livro é feito com uma série de palestras e artigos publicados em revistas ou outros livros com vários autores sobre certo assunto, e é separado em três partes, relacionadas aos temas já ditos aí em cima. Como se trata apenas da França e do século XIX, Perrot vai falar de pessoas e acontecimentos de uma forma bem profunda, e recomendo que dêem uma pesquisada antes sobre certos assuntos caso queiram entender bem o livro.

Uma coisa impressionante é que os problemas daquela época não são muito diferentes dos de hoje em dia. Claro que os valores da época faziam muito mal as mulheres e os pobres eram terrivelmente explorados (a questão das revoltas por direitos trabalhistas e as greves daquela época são o tema principal dos operários no livro), mas no geral ainda temos as mesmas questões a se reivindicar e os mesmos culpados por tantos problemas, pelo menos na minha visão e (eu acho) na visão de Perrot.

Nos ensaios dos operários, Michelle foca nos movimentos grevistas, tanto socialistas quanto anarquistas, no Luddismo difundido entre as várias cidades da frança (pra quem não sabe: Luddismo foi um movimento dos operários, começado na Inglaterra, que se baseava em destruir as máquinas industriais que tiravam empregos dos franceses), na relação do operário com a cidade e o espaço social, a questão das mulheres e crianças operárias, entre várias outras coisas. Isso ocupa a maior parte do livro, porque meio que cobre os outros assuntos também, e é o mais “pesquisável”, por assim dizer.

RESENHA COMPLETA NO BLOG: http://ourbravenewblog.weebly.com/home/resenha-os-excluidos-da-historia-michelle-perrot

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Blog com V 18/05/2017

Resenha – Os Excluídos da História
Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros é uma compilação de textos da importante historiadora francesa Michelle Perrot, que teve sua vida atrelada ao movimento feminista e ao partido comunista francês, onde exerceu militância. A autora que cresceu no bairro popular dos Hallers, o antigo centro comercial da velha Paris, sempre teve sua vida ligada as manifestações políticas. Com sua curiosidade aguda, sempre repensando os papeis impostos pelo poder dominante e sua vontade de mudar a sociedade conservadora e machista em que vivia se tornou uma das principais pesquisadoras e historiadoras de seu tempo.

Perrot não só nos mostra de uma forma incisiva e detalhista a vida daqueles a qual dedicou extensa pesquisa, como também vai além, com sua escrita bela e clara, não só passeamos por parte da história, como também somos convidados a repensar as articulações da sociedade para oprimir e dominar, muitas vezes de formas que nos parecem inofensivas. A obra se divide em três partes, sendo que cada uma delas se dirige a um grupo histórico social : os operários, as mulheres e os prisioneiros.

Continua em...

site: https://blogcomv.org/2017/05/18/os-excluidos-da-historia/
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Nay Moura 12/05/2017

Os Excluídos da História da Michelle Pierrot
RESENHA: OS EXCLUÍDOS DA HISTÓRIA: Operários, mulheres e prisioneiros - Michelle Perrot

Michelle Perrot é uma Historiadora francesa, feminista e professora. Dedicou sua vida acadêmica a estudar a classe operária e outros grupos marginais. Como especialista em história do século XIX, é autora de diversos artigos e análises desse período. Inclusive um dos seus artigos (Uma História das Mulheres é Possível?) deu início a esses tipo de estudos sobre história das mulheres ocidentais.

No início da vida acadêmica foi militante do Partido Comunista Francês. É hoje uma importante figura na área e traz no livro Os Excluídos da História: Operários, mulheres e prisioneiros, uma visão analítica desses três grupos periféricos da França do século XIX.

Os textos são divididos na ordem proposta (Operário, mulheres e prisioneiros) no qual ela propõe uma observação desse cenário social e político da época.

Em Operários ela traz uma minuciosa abordagem sobre o proletariado da primeira metade do século. De como como eles lidaram com a inserção das máquinas e como isso afetou a rotina. Com a instauração da sociedade industrial, houve várias transformações econômicas e tecnológicas, com isso o operário teve que se adaptar às novas regras e disciplinas implantadas. Há também uma exploração muito interessante sobre o olhar do operário com relação ao patrão (entre 1880-1914) e como as visões vão variando ao longo desse período.

Em Mulheres (os textos que mais me interessaram) a autora conta a história da mulher burguesa, desmistificando e abrindo o debate sobre a representação do poder das mulheres. Ela analisa as questões de gênero, um tema recorrente e atual. Ela denuncia o quão excluída a história da mulher foi do poder político e quais os conflitos se formaram a respeito disso. Michelle faz um balanço de como a mulher era representada, se era representada, contrapondo estudos masculinos a respeito do feminino. Há também nos estudos uma comparação entre a mulher burguesa e a mulher popular rebelde, a dona de casa e seus "poderes", o que competia a elas, como eram vistas, etc. Uma pesquisa muito pertinente para um entendimento mais amplo sobre as condições sociológicas das mulheres, muito embora limitada a apenas uma determinada parte da sociedade ocidental, mas uma importante e assustadoramente atual dimensão da história delas.

Na última parte, Prisioneiros, ela simbolicamente compara o sistema penitenciário a um asilo, dizendo ter tornado-se "uma história cada vez mais assombrada pelo lado sombrio da sociedade: doença, loucura, delinquência, parte exógena de nós mesmos, espelho quebrado que nos devolve nossa imagem, experiência-limite em que se lê de outra maneira uma cultura, mas tanto quanto nos densos maciços dos fatos majoritários." Daí ela desmantela esse sistema com uma dissecação bem embasada e clara.

O livro tem uma linguagem acadêmica, é óbvio, são textos teóricos e necessitam de uma atenção especial pois esse tipo de narrativa tende a ser um pouco mais densa, porém, nem preciso mais me prolongar sobre a sua importância como fonte de estudo e pesquisa, portanto, é mais do que recomendado para os mais diversos grupos de estudantes.
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penapensante 28/04/2017

Excelente!
Solicitei este exemplar com um olhar internacionalista para os assuntos nele tratados. Isso porque queria desenvolver meus conhecimentos sobre o tema a fim de exemplificar questões parecidas que, eventualmente, ocorreram em outras épocas e lugares. Com certeza, o livro ficará guardado em um lugar de fácil acesso para futuras pesquisas e tudo o que foi escrito na resenha é como uma gota num oceano de conhecimento elaborado com afinco por Michelle Perrot!

Resenha completa no site Pena Pensante.

site: www.penapensante.com.br
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