Não Leia!

Não Leia! Raquel Pagno...




Resenhas - Não Leia!


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Léo 04/06/2017

Desperta o desespero, causa arrepio e apresenta múltiplas facetas
Você gosta de desafios? Então, tente não ler este livro! Demônios, fantasmas, vampiros? Do que você tem medo? "Nunca acreditei no sobrenatural; mesmo assim, não pude deixar de imaginar aquelas criaturas demoníacas andando por aí à noite, sedentos pela minha preciosa garganta repleta de artérias cheias de sangue"... Atenção! Seres medonhos e muito desespero circulam pelas páginas deste lançamento da Editora Fonzie, parceira do Marcas, que abriu os vestíbulos das catacumbas do inferno junto de Raquel Pagno para receber um grupo de sombrios autores e suas perniciosas criaturas e ocorrências. A promessa de Não Leia! Contos de Terror é invadir o cerne humano do leitor a ponto de disparar seu coração, enrijecer seus músculos, suar as palmas de suas mãos e arrepiar até o último fio de seu cabelo. No cardápio, o prato de entrada, conto "Dulcis Incubus" do autor Leandro Zerbinatti, é carregado por um ar soturno, embora habitualmente corriqueiro no universo do pânico, mas que conta com excelentes impulsos e remanesce com muitos tentáculos, carne crua e crânios gigantes. É natural a percepção repentina de já situar-se em meio ao espaço assustador colidindo com as trevas do mundo do horror; essa assimilação acontece sem que o leitor se dê conta de quando realmente pôs os pés nessa ambientação macabra, como se na verdade fosse pego de repente em uma armadilha que o levasse diretamente para o outro lado da realidade.

O desespero dos personagens — que também torna-se o do leitor —, é observado e sentido em todos os quinze contos da antologia. A tentativa de fuga, a esperança da libertação, o conflito psicológico, a visita aos confins da maldita realidade e os gritos copiosos doados por toda a eternidade são marcas carimbadas na obra. O título da antologia já determina imperativamente a gula pela necessidade da entrada a este mundo macabro e deixa o leitor extremamente angustiado à ler.

Muito mais que demônios e carruagens do inferno, Melvin Menoviks apresenta em meio a tantos outros bons elementos sustentados pelo gênero, uma tonalidade perfeita da literariedade do horror. No Conto "O Sorvedouro das Almas Perdidas", o autor com veemente elegância, equilíbrio e sem deixar que se perca um minuto sequer o compasso sinistro, valida a musicalidade exteriorizada na narrativa e seu desenvolvimento, ornando o conto com requinte ao ditar a possibilidade da transmissão do olhar soturno junto a técnica literária, como muito apreciado nos trechos: "Tormentos inefáveis ganhavam vida como as sombras de Hades ao beberem sangue: criaturas lânguidas, esguias, pálidas e borrachudas, sem mãos e sem olhos, dançando tresloucadas pela semiescuridão ominosa... Tu, moribundo, estás mais perdido e mais sozinho do que eu, que vagueio sem pão e sem vinho" Tu, fardo entre os vivos e imundice entre os mortos, és escória eterna que negreja".

Em Não Leia! Contos de Terror, o terror encontrado veste vários uniformes e é apresentado com várias facetas, já que uma diferenciação no modelo de enredo é apurada durante a leitura. Dessa forma, entende-se o alcance do objetivo da antologia: atacar os leitores por todos os lados, explorando os diferentes ambientes, situações e criações, dando aos mesmos, a possibilidade da contemplação de escritas distintas. Algumas vezes, nota-se características marcantes nos contos, que unidos não apresentam apenas a velha tendência escura, mas conseguem propagar também os embaraços do dia a dia, os pulcros desejos, o interesse pela ideologia e filosofia justa e a irrepreensível conduta. A maioria dos contos não partem pelos mesmos caminhos, o que é bem legal, pois observa-se ousadia em seus criadores, mesmo que alguns tenham quase pecado em certos aspectos e não tenham conseguido o êxito em suas escolhas. Entretanto, para o leitor mais adepto, certamente a diversão, o entretenimento e o susto são garantidos, já que o suspense também reveste o âmago da obra, como resquícios de narrativas policiais envoltos a acontecimentos tenebrosos e a jogada psicológica na apresentação de personagens que abraçam a loucura, como no tom sedutor e atraente do conto de Vanessa Honorato, "Chácara do Terror", que conserva aspectos de narrativa de grandes nomes do terror mundial: "Perto do Jardim, encontrou o corpo de Caio todo retorcido e com o crânio aberto, sendo coberto por aranhas, e em meio às flores do jardim jazia um casal envolto no mesmo tipo de casulo...".

As consequências de uma vida chata e metódica, das conturbações mal resolvidas da adolescência e as correntes circunstâncias do modelo depressivo em personagens, deixa "Maníaco Incendiário", escrito por Clayton De La Vie, com ares mais reais ligados à ênfase psicológica, composição tão bem traçada, desenvolvida e finalizada pelo autor. A riqueza de detalhes pessoais do personagem e suas características cruéis se tornam o verdadeiro terror da questão. É o que acontece também em "Caim, O Primeiro Homicida", criação de M. M. Aragão, onde o clima de rivalidade dos irmãos Caim e Abel entra em tese junto à questionamentos de crenças, fé, sacrifícios e consequências. É louvável a identificação das antigas gerações à obscuridade: "...O sangue do seu irmão está gritando, pedindo vingança. Você será amaldiçoado e não irá contemplar a luz do Sol. Sentirá necessidade por sangue eternamente, em jus do sangue do irmão derramado... Será uma criatura da noite, vagará pelo mundo sempre fugindo e se escondendo".

A bela escrita de João Marciano Neto e as ótimas figuras de linguagens e desfecho de Cristina de Azevedo nos contos "Veneno das Estrelas" e "Inferno Intrínseco", acrescentam de maneira agradável à esfera da antologia e parecem se completar nos intervalos: "O medo tomou seu espírito por um instante, o velho padre da ilha já havia falado algumas vezes dos perigos dos demônios, mas sempre de um modo mais metafórico para a maldade humana... Elas tinham asas, vinham do céu e não possuíam menor pudor com suas desnudes."; "Dentro de mim uma voz me dizia que eu havia cruzado alguma fronteira proibida e que nunca mais teria paz, era como se todos os monstros morassem dentro de mim...".

A verdade é que, do mais simples ao mais bem arquitetado, os contos de terror em Não Leia! com suas facetas múltiplas — característica louvável do gênero que o capacita na gênese de histórias cada vez mais distintas e improváveis —, extraem muito de seus próprios criadores e intensificam marcas escondidas do medo. Claro, vale ressaltar que ainda se observa uma certa desatenção no quesito condução da história e quanto às normas de ortografia. Situações e epílogos mais atraentes poderiam ter sido melhores explorados em algumas composições — mesmo se tratando de contos —, e o uso exagerado de advérbios de modo ainda causam grandes problemas no processo de escrita. Alguns autores se sentiram seguros em não arriscar nada de novo e usaram recursos simples que deram certo. A exemplo das histórias que protagonizam os mortos-vivos e vampiros como alvos principais da narrativa; o brilho ficou por conta da maneira bonita, compassada e aliciante da escrita. Há ainda aqueles que preferem enxergar demônios desconhecidos, criaturas diferentes, personificações bizarras ou até mesmo bons ingredientes clichês jogados num cenário contemporâneo, em situações inusitadas, como no caso das aranhas gigantes encontradas na "Chácara do Terror". A gula por sangue e o desejo pela anormalidade e diferença é o ponto chave de "O Crânio de Rakam", escrito por Leonardo Otaciano, que remete a seu conto um pouquinho da metodologia de um terror trash. Já Deco Farnesi surpreende o leitor com uma mistura muito sinistra com vestígios de folclore e forte presença alienígena. Em sua "Pausa Noturna", a essência juvenil é enlaçada por um enevoamento aterrador, e faz o conto se tornar memorável.

Apesar da possível comparação à escrita de autores mundiais consagrados do mundo da ficção, o melhor mesmo é prestigiar os contistas de Não Leia! Contos de Terror por suas características peculiares e bem apresentadas, os valorizando dessa forma por seus próprios méritos ou mesmo desméritos ocasionais. O caminho é bem esse. O dever de levar ao leitor — boas histórias de terror —, sejam elas revestidas pela psicologia, pelo sobrenatural, pelo suspense ou até mesmo pela fantasia como observado em "Sobre Contos de Fadas" por Wallace William de Sousa, que muda o quadro da beleza dos contos de fada e lança um novo e pavoroso aspecto à história afamada, foi realmente cumprido na obra. O ideal é que se leia a antologia à noite, diante da solidão de uma muda rua, no cômodo esquisito da sua casa ou aos pés de uma árvore sob a luz do luar, como fiz. As sensações de arrepio serão multiplicadas, como ditas no conto "Uma Noite de Terror", da querida organizadora Raquel Pagno: "O frio da noite parecia penetrar em meus ossos, mas eu precisava seguir em frente... Estava muito escuro... Mal cheguei ao acampamento, pensei ter visto um vulto cortando a escuridão... Alguém morto. O odor pútrido o denunciava. Aquilo não podia ser humano...".

Os autores e a Editora Fonzie querem te levar a mundos sombrios e compartilhar estranhas — mas, para muitos, boas — sensações. Quando adquirirem o exemplar, os amantes do terror estarão em casa e se sentirão bem a vontade quando abrirem o livro maldito. Para cada conto uma ilustração perfeita de João Marciano Neto, que merece os méritos pela colaboração quanto à parte artística do livro. A antologia 'Não Leia! Contos de Terror' está um charme. O material está um luxo. A composição, magnífica, que remete o leitor a um universo realmente distante daqui, repleto de personagens marcantes e bestas horrendas. Prepare-se para encarar o seu pior pesadelo.


site: www.marcasliterarias.com.br
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