Butakun 28/10/2017
Como um bom barco no mar
"Os marinheiros de guerra só são marinheiros de guerra no mar, e o mar é o lugar onde aprendemos o que eles são. Vimos que um navio de guerra não é nada mais que esse nosso mundo antiquado, só que flutuante, cheio de todos os tipos de personalidades, cheio de estranhas contradições; e ainda que se vanglorie de ter aqui e ali alguns sujeitos excelentes, no geral está repleto, até a beirada das escotilha, do espírito de Belial e toda a sua maldade."
Não, eu não sou um entusiasta da náutica do século XIX. Também não sou marinheiro. Na verdade, sequer sei pescar. Portanto, vocês não leram de mim coisas como "excelente!", "maravilhoso!", e blá-blá-blás afins. O que me tocou nesse livro, o que me cativou deveras, foi o tom emocional e ao mesmo tempo um tanto indiferente do narrador/protagonista ao contar os "causos" de sua viagem a bordo do Nuncafunda/Neversink. Cabe dizer que, o que poderia ser digno de mérito - as descrições tão precisas e próprias - torna a obra um tanto cansativa, meio maçante até, o que não é de se surpreender já que a proposta do livro (o mundo em um navio de guerra), no contexto em que de impõe, de nos mostrar o peculiar mundo que há/havia em um navio de guerra de meados dos anos 1800, carrega consigo todo esse caráter descritivo quanto aos temos marítimos, coisa que pesa demais, algumas vezes positivamente, outras nem tanto, na fluidez do texto. Melville, ao contrário de Hugo em "Os Trabalhadores do Mar", a meu ver, não conseguiu envolver o leitor naquele mundo de tantas particularidades. Entendam, me refiro aos termos técnicos, ao cotidiano prático do mar (já disse, não sou um entusiasta náutico). O que me levou a seguir e até gostar bastante do livro foi, como já disse, as tantas histórias que o envolvem. E, nesse sentido, Melville foi muito bem-sucedido, inclusive com uma belíssima descrição do Rio de Janeiro dos tempos do Imperador, em um dos únicos momentos da obra em que ele não consegue se desprender completamente do lugar onde o Neversink aporta, dedicando ao Rio até mais de um capítulo. Quanto a edição, o que dizer? A Carambaia é maravilhosa. Tanto na escolha da cor da fonte e do papel, quanto à diagramação (o texto sempre começa alinhado a parte inferior das páginas, lembrando claramente o mar). O trabalho de capa também ficou lindo, mas aqui cabe uma ressalva: a escolha do papel da capa, do revestimento, que conta com um toque meio aveludado, foi, eu acho, um tanto infeliz, porque se desgasta muito facilmente. Há, porém, um ponto positivo nisso, pois tal "problema" acaba gerando um efeito curioso no livro, que parece estar envelhecido. Enfim, é isso. Vale os tantos dinheiros que a editora cobra em seu esquema de vendas diretas? Vale, sim. Não duvidem disso.