Caligari!

Caligari! Alexandre Teles




Resenhas -


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Tauami 12/04/2017

O terror de uma expressão
Em 1920 foi lançado o filme que muito provavelmente foi o fundador dos alicerces do gênero do horror. O Gabinete do Doutor Caligari figurava no princípio do Expressionismo Alemão, movimento artístico de vanguarda pós-primeira guerra caracterizado pela deformação da realidade em prol da perspectiva do indivíduo que a retrata. Esse movimento teve em suas primeiras expressões a pintura. Isso é determinante para que possamos compreender o que subjaz essa obra cinematográfica e a sua filha mais nova, recentemente lançada pela Editora Veneta: Caligari!

Na produção do filme, estava decidido que era preciso trabalhar o cenário de modo que retratasse perfeitamente o terror que os responsáveis desejavam transmitir. A escolha e a criação dos planos que compuseram todas as cenas foram feitas com o intuito de transmitir desconforto. Ruelas tortas continham uma profundidade falseada e perspectivas oblíquas desestabilizariam o público diante dos atores, que se posicionariam em frente as mesmas. A deformação dos objetos, que caracterizavam de forma latente as pequenas vilas medievais, causou, segundo relatos, desmaios e gritos que acompanharam a primeira exibição do filme.

É possível observar nas obras pictóricas dessa vanguarda um movimento de desespero interno que se ligava diretamente as condições históricas da época e do local. Esse terror imagético capturado pelo cenário foi, sem dúvida, a chave que permitiu a película alcançar a imortalidade artística. Herman Warn, um dos cenógrafos do filme declarou: “A imagem cinematográfica deve se transformar em uma gravura”. Quase 100 anos se passaram até que esse procedimento de tornar estático os movimentos da obra se realizasse. Pois Alexandre Teles cunhou o desejo de Warn e criou Caligari!, uma HQ que captou cena por cena do filme e as enquadrou com primazia dentro de seus mais terríveis momentos.

O enredo da HQ repete o de sua obra mãe. Um circo itinerante chega até uma pequena aldeia no interior da Alemanha. Lá, um estranho de intenso olhar vai até a prefeitura do vilarejo buscar autorização para poder efetuar as suas apresentações circenses. Caligari, como é chamado o homem, irá apresentar Cesare, um sonâmbulo capaz de predizer o futuro. Durante o processo de aprovação para a apresentação da feira, Caligari é muito mal tratado por um outro homem. Durante a noite desse dia, esse mesmo homem é morto a punhaladas e o seu assassino permanece misterioso. Uma série de homicídios começa juntamente com a perseguição pelo responsável.

O que me chamou mais atenção na obra foi o modo como personagens e cenário se fundiram. Como havia dito anteriormente, o cenário foi essencial para que a obra original tenha alcançado a êxito que atingiu. Na HQ os planos dimensionais se tornam nebulosos, sendo unicamente sugeridos pelo contraste das sombras, indicados pelas cores branco e preto. O estranhamento causado pelas distorcidas torres e vielas são encarnados nas facetas humanas. A humanidade das personagens é apenas sugerida, uma vez que a mesmas se perde dentro da desolação do negrume dos quadros e das contorções das cenas retratadas.

Mas também há aqueles quadros onde uma espécie de realismo macabro impera. Em uma ação específica, Caligari exige que Cesare acorde ao comando de seu mestre. Nesse momento observamos o súbito abrir de olhos do sonâmbulo, a tomada de consciência do mesmo e o entrar do personagem no transe de seu comandante. Em seis quadros, a palavra que talvez melhor descreve a sensação que é passada é pânico. Eu, enquanto leitor, me deparei com o salto chocante de antes estar lidando com imagens contorcidas e subitamente ser posto em frente a uma retração precisa, quase realista, de uma face humana doentia. Esse mesmo choque prossegue ao voltarmos para a normalidade tétrica da obra. Uma vez perturbados por essa passagem, seguimos a leitura com uma atenção ligeiramente transtornada, que nos acompanha pelo resto da história.

As sombras das personagens também são uma questão que deve ser ressaltada. Ao perdemos o plano da profundidade, as sombras surgem como uma extensão dos corpos dos participantes da trama e também como peça dos cenários. Tive a impressão de que elas fornecem uma ligação entre esses dois pontos, tornando ainda mais intensa a união entre eles. Essas mesmas sombras são utilizadas como recurso para a passagem de cenas. Em um movimento que nos suga para dentro de um vórtice negro, ela engole não somente tudo aquilo que compõe o quadro onde está inserida como também o leitor que mergulha dentro da profundidade perturbadora que encerra toda a obra.

Talvez essa perturbação seja a fonte do fascínio que senti pela HQ. Tudo parece ter sido pensando a forçar a pausa do olhar sobre cada uma das imagens que compõe a obra. Passar rapidamente por qualquer página é abdicar da apreciação de detalhes que estruturaram as sofisticadas relações entre todos os elementos da narrativa. Com isso em mente, parar e se atentar para o que se está olhando também implica em assimilar todo o terror que está ali. Ler Caligari! é um mergulho dentro de um abismo de pesadelos planos nada simplistas.

Alexandre Teles deu à luz a um rebuscado trabalho capaz de capturar a essência da desesperação que acompanha o expressionismo. Levando mais de três anos, ele recriou frame por frame do filme utilizando a técnica da monotipia – reprodução de um desenho ou mancha de cor em uma prova única. Para criá-las, Teles utilizou uma chapa de cobre em cuja superfície foi aplicada uma camada de tinta preta. Depois, para formar o desenho, parte dessa tinta foi removida, criando pontos de luz e formas. E então a chapa foi para uma prensa, que imprimiu o material em papel de algodão.

Nesta laboriosa obra é possível observar o desejo de uma retração sem igual do fruto cinematográfico que abriu as portas do gênero do terror. A HQ Caligari! não é de leitura fácil ou rápida. Ela deve ser lida com cuidado e atenção, recompensando seu público com sensações unicamente equiparáveis a aquelas causadas pelo próprio filme.

Ficha Técnica:
Alexandre Teles
Caligari!
2017
Editora Veneta

site: http://101horrormovies.com/
Priscila 30/07/2017minha estante
Gostei da resenha !!!




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