Andréa Bistafa 09/06/2017http://www.fundofalso.comPoético, forte, impactante. Repleto de reflexões.
"Minha lembrança mais antiga na vida é a de querer matar."
Nossas Horas Felizes trás a história de Yujiong, uma garota linda e rica, que aos trinta anos, aparentemente tem tudo para ser feliz. Mas pouca gente sabe que ela não se sente assim. Nem um pouco feliz. Yujiong já tentou suicídio três vezes e carrega dentro de si um vazio imensurável, que nada e ninguém nunca preencheram.
Do outro lado da história temos Jeong que está preso aos vinte e sete anos, acusado de matar brutalmente três mulheres e estuprar a mais jovem, de apenas dezessete anos. Ele está, mais precisamente, no corredor da morte aguardando a sentença final.
Mas o que pessoas de mundos tão opostos teriam em comum?
Simplesmente a vontade de morrer.
A tia de Yujiong, Mônica, é a única pessoa com quem a garota melhor se identifica na família, e após a terceira tentativa de suicídio, ela resolve oferecer a sobrinha uma nova percepção da vida, levando-a para um presidio em Seul. Mônica é uma freira de setenta anos que visita os presos no corredor da morte com o propósito de salvar suas almas, ou ao menos levar algumas palavras de conforto. Relutante Yujiong acaba aceitando a proposta, já que nutre um carinho especial pela tia.
O prisioneiro com qual a moça terá contato é Jeong, que logo podemos notar que não possui vontade alguma de viver, e espera ansioso pela sentença de morte enquanto confinado a pequena cela algemado dia e noite.
"... saber não significa nada. Algumas vezes, saber é pior do que não saber. O mais importante é perceber. Há uma diferença entre saber e perceber, e a percepção só vem com o sofrimento"
Essa obra tem tantas reflexões que fica até difícil enumerá-las. Vou levantar alguma delas:
A vontade de morrer que Yujiong nutre é devida a criação da mãe e um estupro que sofreu na adolescência. Dona de uma personalidade egoísta, nunca conseguiu transmitir a filha amor e afeto, sempre exigente e egocêntrica moldou a personalidade da filha com base na sua, e após a morte do marido, pai de Yujiong, o relacionamento das duas perdeu completamente o sentido. Ela nunca deu a atenção devida a algo tão importante. Essa é uma das questões mais importantes da trama: o que transmitimos aos nossos filhos? Aquele velho ditado "faça o que eu mando, não faça o que eu faço" caminhando junto ao machismo e a culpabilização da vítima.
"Não importa quais sejam os seus pecados, eles não são tudo o que você é!"
Partindo ainda dessa questão de criação, temos o mesmo problema em Jeong. Durante a narrativa da protagonista, que é feita em primeira pessoa, aparecerem alguns capítulos com as anotações do assassino em seu diário. Essas anotações me levaram as lágrimas e a indignação a cada capítulo que apareciam. Acompanhamos a infância de uma criança arruinada pelos pais, alcoólatras. Uma criança com a responsabilidade de cuidar do irmão mais novos nas ruas, sozinho e ao relento. Esse livro tem uma cena de abuso/estupro com os irmãos ainda crianças no reformatório, que está entre as mais pesadas psicologicamente que eu já li. Então caímos novamente no problema citado a cima, e vemos que Yujiong e Jeong tem mais em comum do que imaginamos de início.
Outro problema grave: Os sistemas de reabilitação e carceres da Coreia do Sul, que é onde a trama é ambientada, mas que obviamente pode estender-se a praticamente todos os países do mundo. Um debate importantíssimo está nas entrelinhas: Você é a favor da pena de morte? E quando o sistema não é eficiente o bastante para julgar e condenar? Inocentes pagarão por essa falha?
Todo ato gera uma consequência. Muitas das vezes o seu ato é compreensível mas não justificável. E todo semana, encontro após encontro entre os dois personagens, onde de primeira gera-se a revolta da protagonista em saber dos crimes pelo qual Jeong é acusado, com o passar do tempo ela percebe que existe sim arrependimento, e pior, por fim nem tudo é como parece ser.
Por último, ainda posso citar a hipocrisia cristã. Apensar do Coreia não ser um país Cristão, a autora cita por inúmeras vezes ensinamentos de Jesus. A personagem da tia, que é freira, nos transmite lindas mensagens de compaixão e caridade ao próximo, sem julgamentos. E ainda trás o ponto de vista da família da vítima, e principalmente, o perdão.
"O que levara aquela mulher que, em suas próprias palavras, não tinha educação, nenhuma fé e nenhum conhecimento a tentar perdoar aquele homem? Que tipo de temeridade a fizera se apegar a algo que os seres humanos nunca superaram, mesmo que um milhão de teólogos gritassem até que as veias saltassem de seus pescoços e um milhão de livros fossem publicados conclamando as pessoas a perdoar, perdoar?
Poderia falar desse livro o dia todo, selecionei trinta quotes impactante, mas não teria como trazer todos aqui! Então para finalizar, vou dizer que esse livro é muito, mas muito mais profundo do que eu consegui transmitir nessa resenha. Que eu chorei e fiquei com enxaqueca pensando nas injustiças desse mundo. Que eu quero poder abraças e secar cada lágrima do meu filho e ficar sempre ao lado dele.
"Digamos que alguém tente matar um homem a facadas, mas acidentalmente corte a corda que está enrolada em volta do seu pescoço e ele sobreviva. E agora digamos que alguém tente cortar a corda que está em volta do seu pescoço, mas, em vez disso, a faca escorrega e essa pessoa mata o homem. A primeira pessoa seria uma heroína, mas a segunda seria executada. O mundo só julga nossas ações."
Esse livro precisa ser lido!