Uma sensação estranha

Uma sensação estranha Orhan Pamuk




Resenhas - Uma Sensação Estranha


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Higor 20/07/2020

"Lendo Nobel": sobre uma carta de amor à Istambul
Depois de me aventurar nas incríveis páginas de “Neve” e nas enfadonhas de “O livro negro”, era com receio que eu encarava o próximo livro de Orhan Pamuk, um autor que, antes de conhecer, tinha a sensação (sem trocadilhos) de que ia adorar logo de cara – o que acabou não acontecendo. Em dúvida entre o magnum opus “Meu nome é vermelho” e o recente, porém não pouco aclamado “Uma sensação estranha”, optei pela segunda, assim a frustração poderia ser menor.

A grandiosidade desta obra, no entanto, era algo que eu, sinceramente, não esperava encontrar, tudo porque o livro fala muito mais que a vida de um personagem ao longo das décadas, com todos os dilemas morais, éticos e religiosos com que foi confrontando no decorrer da vida. Sim, temos como fio condutor Mevlut Karataş, um vendedor ambulante de iogurte e boza (bebida típica turca) que vive em uma aldeia no interior da Turquia. Logo no início tomamos conhecimento que o mesmo está fugindo para Istambul com uma moça, a quem ele vira apenas uma vez em uma festa de casamento, mas que, no momento da fuga, Mevlut percebe não se tratar de quem ele imaginava, mas sim a irmã de sua amada.

Tal plot já seria o suficiente para encarar o desfecho dessa história de amor às avessas, e por que não dizer impossível?, mas Pamuk vai muito mais além, dando ao leitor muito mais motivos a se agarrar à história e não largar mais. É através de Mevlut, essa pessoa tão simples, tentando sobreviver em uma metrópole, que conhecemos a imponente Istambul, esta cidade, hoje a quinta mais popular do mundo, a antiga Bizâncio e Constantinopla, local da divisão dos continentes europeu e asiático; um país em constante choque entre moderno e tradicional, ocidental e oriental.

É através de Mevlut que acompanhamos todos as transformações, inclusive físicas, mas culturais, religiosas e políticas que assolam Istambul entre os anos de 1969 e 2012, um bom tempo para entender a cidade. Eu, como futuro arquiteto, fiquei vislumbrado com os acontecimentos, já que a história de uma cidade é do meu interesse, logo, ver reformas sanitárias, nascimentos e mortes de bairros, centros comerciais e periféricos, assim como reorganização de muçulmanos, turistas, ricos, pobres, classes em ascensão e declínio. No entanto, quem não tem interesse ou não se envolve, direta ou indiretamente no ramo e/ou assunto, certamente vai passar as páginas sem enfado, afinal, tais painéis são ditos não com didatismo, e sim com amor.

Uma carta de amor à Istambul, como dito na quarta capa, “Uma sensação estranha” sana qualquer dúvida que o leitor possa ter depois de encarar “Neve” e “O livro negro” e eventualmente não ter gostado. Com um enredo básico, sem floreios, que é a vida de um cidadão comum tentando ser alguém bem sucedido na vida, Orhan Pamuk suscitou bem mais alegria e aconchego que livros com quebra-cabeças elaborados.

Através da bela história de um vendedor ambulante comum e sua trajetória ao longo das décadas, “Uma sensação estranha” apresenta toda a imponência e graciosidade de Istambul, além de todo o amor do autor por ela. Esta sim, o leitor reconhecerá, é a verdadeira protagonista.

Este livro faz parte do projeto "Lendo Nobel". Mais em:

site: leiturasedesafios.blogspot.com
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Alexandre Kovacs / Mundo de K 11/08/2017

Orhan Pamuk - Uma Sensação Estranha
Editora Companhia das Letras - 592 Páginas - Tradução indireta de Luciano Vieira Machado com base nas edições inglesa e espanhola (Lançamento no Brasil: 30/03/2017).

Novamente a cidade de Istambul é a grande personagem do romancista Orhan Pamuk, prêmio Nobel de Literatura 2006. Localizada entre a Europa e a Ásia e conhecida no passado como Bizâncio e Constantinopla, durante séculos assimilou diferentes culturas, tendo feito parte dos impérios Romano, Bizantino e Otomano até ser incorporada à República da Turquia em 1923, como parte das reformas políticas implementadas por Mustafa Kemal Atatürk (1881-1938), quando perdeu o status de capital para Ancara. Istambul é recriada pelos olhos de Orhan Pamuk em alguns romances anteriores como O Livro Negro, O Museu da Inocência e, principalmente, na sua autobiografia Istambul onde a história de sua vida se confunde com a da cidade e é destacada a melancolia do eterno conflito entre modernização e tradição.

Neste romance, lançado originalmente em 2014, o ponto de vista do autor é o da população mais pobre, forçada a emigrar das distantes aldeias no interior da Turquia em busca de melhores condições de vida, representada por Mevlut Karataş, vendedor ambulante, sua família e amigos, no período entre 1969 e 2012. A escolha de um vendedor ambulante, que circula por todos os bairros da cidade com potes de iogurte, arroz, ervilha e boza, típica bebida turca, feita de trigo fermentado e baixo teor alcoólico, foi uma decisão acertada porque o protagonista mantém contato com pessoas de todos os tipos de credos políticos e religiosos, permitindo ao autor mostrar o cotidiano de diferentes classes sociais, minorias étnicas e o impacto do desenvolvimento na urbanização forçada, assim como os eventos históricos locais e mundiais, ao longo dos últimos cinquenta anos, em cada região de Istambul.

"Esta é a história da vida e dos sonhos de Mevlut Karataş, vendedor de boza e de iogurte. Nascido em 1957 na fronteira ocidental da Ásia, numa aldeia pobre que dava para um lago enevoado da Anatólia Central, aos doze anos foi para Istambul, a capital do mundo, onde passou o resto da vida. Quando tinha vinte e cinco anos, voltou para a província natal e de lá fugiu com uma jovem, num estranho episódio que determinou o curso de seus dias. Voltou para Istambul, casou-se, teve duas filhas e se pôs a trabalhar sem descanso — vendeu iogurte, sorvete e arroz como ambulante, e exerceu o ofício de garçom. Mas à noite nunca deixou de perambular pelas ruas de Istambul, vendendo boza e sonhando sonhos estranhos." (Pág. 19)

Outra estratégia acertada de Orhan Pamuk, para integrar o leitor ao universo de seus personagens, foi a utilização de uma narrativa tradicional em terceira pessoa, por meio de um narrador impessoal e onisciente, intercalada com trechos em primeira pessoa de cada personagem, oferecendo um maior dinamismo e vozes com diferentes pontos de vista, algumas vezes conflitantes, para um mesmo evento. As mulheres, por exemplo, apesar de dominadas por uma sociedade extremamente patriarcal, com costumes antigos como os casamentos arranjados entre famílias e o uso do véu, acabam exercendo o poder de decisão de forma indireta, devido à sua inteligência e criatividade, isso fica evidente em várias partes do romance, evidenciando ainda mais o conflito entre islamismo e secularismo. O trecho abaixo, uma reflexão em primeira pessoa da esposa de Mevlut, Rayiha, ao tentar influenciar na escolha do nome para o segundo filho (após a frustração do primeiro ter sido uma menina, Fatma) e, antes de saber se seria menino ou menina, é bem representativo deste domínio masculino.

"RAYIHA. "Da última vez, você procurou nomes de meninos e tivemos uma menina", disse a meu marido, e lhe passei o livro de nomes islâmicos. "Se tentar ler todos os nomes de meninas, talvez dessa vez tenhamos um menino. Você pode verificar se existem nomes de meninas que contenham o nome 'Alá'!" "Os nomes de menina não podem conter o de 'Alá'!", disse Mevlut. Segundo o Alcorão, o máximo que as meninas podem almejar é receber o nome de uma das esposas do profeta Maomé. "Se comermos arroz todos os dias, talvez nos tornemos chineses", brinquei. Mevlut riu, pegou o bebê e cobriu-o de beijos. Só percebeu que seu bigode eriçado estava fazendo Fatma chorar quando eu o adverti." (Pág. 269)

A riqueza das vozes narrativas e o próprio "estranhamento" provocado no leitor ocidental ao se deparar com culturas, lugares e uma língua tão peculiar, fazem do romance uma descoberta a cada página. O fio condutor de toda a história é a paixão de Mevlut por uma das três irmãs (Vediha, Rayiha e Samiha) que ele apenas vislumbra rapidamente em uma festa de casamento. Apaixonado por esta jovem, Samiha, ele escreve cartas de amor por três anos e consegue convencê-la a fugir com ele, mas quando consegue concretizar o seu plano, durante a viagem para Istambul, descobre que a moça não é a mesma que ele conheceu e sim a sua irmã mas velha, Rayiha. Em uma confusa mistura de vergonha e generosidade, ele decide ficar com ela. No decorrer do livro, o leitor fica conhecendo aos poucos como foi arranjada esta situação e o verdadeiro papel de cada personagem.

Complementam o romance uma cronologia de 1954 até 2012 para relembrar a história recente da Turquia, um índice remissivo que se mostra muito útil devido aos difíceis nomes dos personagens, assim como uma árvore genealógica das famílias dos irmãos Hasan Aktas e Mustafa Karataş. Enfim, um livro importante para entender melhor a situação política turca atual e sua influência no Oriente Médio. Mais um trabalho de grande sensibilidade de Orhan Pamuk que consegue mostrar, por meio da mágica da literatura, esta "sensação estranha" e humana que nos faz amar uma cidade e descobrir como podemos ser iguais, vivendo em culturas tão diferentes.
Paulo Sousa 05/11/2017minha estante
ganhei este livro de uma amiga carioca, a Jordana. quero mto lê-lo juntamente com o ?istambul?...


Alexandre Kovacs / Mundo de K 05/11/2017minha estante
Grande autor Paulo, certamente você vai gostar!


Paulo Sousa 07/11/2017minha estante
espero! ??




V_______ 17/09/2021

Uma vida, várias Istambul
Uma Sensação Estranha é uma maravilhosa obra de Orhan Pamuk, Nobel de literatura, que conta a trajetória de Mevlut Karatas, seus familiares e da cidade de Istambul, indo desde a década 60 aos dias atuais.
Mevlut chegou a Istambul aos 12 anos de idade levado pelo seu pai de uma pequena aldeia turca para trabalhar e concluir seus estudos na grande cidade, mas acaba largando os estudos e passa a se dedicar ao trabalho de ambulante vendendo desde iogurte, sorvete, arroz a boza, uma bebida típica turca. Passa a conviver com a família Atkas, que são seus tios e primos, que também vieram da aldeia e começaram como vendedores ambulantes, mas foram investindo em outros ramos com o passar dos anos. Devido ao seu trabalho percorre boa parte da cidade e conhece as mais variadas pessoas, de diferentes classes, credos e visões políticas. Na festa de casamento de seu primo, Mevlut se apaixona por uma moça da sua aldeia natal, através de seu primo passa a se corresponder com ela por cartas, até que resolvem fugir para se casarem, só após a fuga é que Mevlut percebe que recebeu o nome errado da moça e que fugira com Rayiha, a irmã mais velha da moça que havia visto na festa, assim acaba-se casando com Rayiha sem nunca revelar o engano.
O livro tem uma formação interessantíssima, temos o narrador onisciente e a ajuda de narradores personagens que vão contando e comentando a narração principal, curiosamente Mevlut, o protagonista não narra em momento algum, há também como pano de fundo a questão de moradia da classe de baixa renda que conta a história de Istambul durante o decorrer dessas cinco décadas. A própria Istambul se torna uma personagem mostrando sua construção mista de modernidade e tradições enraizadas.
O livro é maravilhoso do início ao fim, mesmo com suas quase 600 páginas flui de forma rápida e envolvente. Recomendo a leitura, garanto que serão momentos muito bem empregados.
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Carol Frizzera 30/01/2022

Muito boa leitura, que fala sobre o lado de Istambul que não é mostrado nas propagandas do país e nas ?dizis? turcas. Envolvente e surpreendente!!!
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GIPA_RJ 24/06/2018

Brilhante , como sempre!!!
Pamuk cada vez mais se consolida como meu escritor favorito. Descreve com maestria a sociedade turca e o oriente em si , alem de personagens tao intensos e reais.
Acompanhar a saga daquela familia do interior para a cidade grande , permite tracar um bom paralelo com a realidade brasileira e ver como a historia e tao identica configuracao atual traz uma atrativo a mais na leitura. Mais uma vez a cidade e protagonista.
Resumindo , vale muito a pena ler , e recomendo,
Rebecca.Valenca 25/06/2018minha estante
Concordo. Pamuk foi uma grata e feliz surpresa em 2018. Outro Autor que recomendo é o V. S. Naipaul e seu excelente : Índia milhões de Motivos afins.




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