Krishnamurti 15/02/2017
Domingo é dia de morrer
Domingo é dia de morrer...
Por Krishnamurti Góes dos Anjos
“... Num engarrafamento mental.” Eis o problema, o nó górdio (expressão comumente usada como metáfora de um problema insolúvel - desatar um nó impossível) que acomete a maioria das criaturas do escritor alagoano José Valdemar de Oliveira em seu quinto e oportuno livro de contos “Domingo é dia de morrer”. Nesse volume o autor reúne 9 contos muito bem escritos e urdidos que retratam a nossa vidinha contemporânea eivada de desequilíbrios. Mais adiante faremos referência à palavra “oportuno” que utilizamos acima. Muito bem. Adiante: No primeiro conto “Na liquidez do ser e do nada”, deparamo-nos com um diálogo que prestando bem atenção, se afigura como um monólogo interior, a velha questão existencial. “Quem sou? Quem somos nós? O que fazemos de nós, juntos, uns com os outros? A certa altura o diálogo assim se clareia:
– “Travisto minha lucidez de loucura pra escapar dos teus estereótipos de bestialidade”.
E um interlocutor responde:
– “Embalo minha felicidade em cápsulas de caixa brilhante sem bula pra te pegar de supetão e combater essa tua doença chamada existencialismo”.
No segundo conto, “O mensageiro”, um sujeito acorda e se dá conta de que tivera pesadelos com alguma entidade sobrenatural, um “sonho estranho do caralho!” – em casos assim a nossa consciência via de regra, culpada, joga as responsabilidades no tal do diabo – e segue incólume aprontando todas as sacanagens que bem entende, até que: como é o caso do personagem, foge da realidade via religiãozinha de encomenda e termina seus remorsos correndo e “aceitando Jesus, irmãos!” Outro perturbado nos apresenta o autor nesse conto.
E lá vai a balada. Terceiro caso de loucura “simbólica” ou verdadeiríssima? É o conto-título “Domingo é dia de morrer”. Este conto – fantástico pelo grau de condensação existencial que consegue, foi premiado no Concurso Barueri de Literatura de 2015 – é o supra-sumo do que se pode pensar e sentir num dia morto como um domingo, em que se está solitário, sozinho com pensamentos e lembranças negativas. Um verdadeiro convite ao suicídio. Trecho:
“A caminho dos quarenta anos, já, e – solteiro, nem bonito nem feio (dá para o gasto), uma certa inteligência, alguma cultura, dá um tapa na pantera de vez em quando, bebe além do socialmente, não reza, não crê em deuses-germinadores-do-mundo. Está catalogado como sendo da Geração X. Já criaram essa fan Page ou esse grupo no facebook? Se sim, ele não curtiu ainda. Geração X. Confuso e indecifrável. Trata-se do x de uma equação que até agora ninguém sequer soube armar, quanto mais solucionar. O cara é um problema sem solução? Uma coisa indefinida, diria. E aí? Como vai ser denominado na História da Psicologia Universal?”
Quantos de nós somos exatamente assim? “Problema sem solução”? Umas idiotias ambulantes? Antes de seguirmos adiante, impossível não lembrar de um trecho de velho livro de cabeceira que anda cá, todo avariado pelo uso. Ali a certa altura seu autor escreveu:
“Cada alma traz dentro de si uma secreta sombra para a qual não ousa olhar, mas que nunca poderá ocultar a si mesma; uma sombra sempre pronta a ressurgir logo que um momento de paz diminua a tensão da corrida louca com que pretendeis vos distrair. Não se sacia a alma embalando o corpo em comodidades supérfluas e custosas ou acariciando o olhar com o oferecer-lhe uma fulguração toda exterior. Na satisfação dos sentidos, alguma coisa igualmente sofre na intimidade e agoniza numa angústia profunda. Um vácuo permanece dentro de vós, onde uma voz, abandonada, perdida e desconsolada, se eleva inquieta, a inquirir: e depois?
Em “Profana inocência”, o sentimento de culpa e isolamento se instaura em uma criança que somente queria divertir-se. Em pauta as ideologias religiosas a estragar os seres humanos logo em tenra idade. “Minha menininha” é a tragédia de uma morte anunciada onde estão entrelaçadas práticas religiosas medievais, com traições amorosas. “Modus operandi” o depoimento de psicopata assassino. Os demais contos seguem a linha do enfoque no desvario humano.
O nó górdio a que nos referimos no início da resenha, tem solução. Como não? O homem o solucionará quando se resolver a "pensar fora da caixa", enfrentando a grandeza de seus destino, que é se modificar para melhor. Preferimos o suicídio às mudanças, vejam o grau do negócio! Até lá morreremos não só aos domingos, mas todos os dias de desilusão, ódios, rancores, desamor, traições e todos os achaques que acometem a nossa espécie histriônica (transtorno de personalidade caracterizado por um padrão de emocionalidade excessiva e necessidade de chamar atenção para si mesmo, incluindo a procura de aprovação e comportamento inapropriadamente sedutor). Ou para ser curto e direto como o autor, cansarmos verdadeiramente de tiros, porradas, bombas e coisas tais. Ainda, não esquecendo do que mencionamos lá no início de todo esse desequilíbrio concentrado que o escritor Valdemar nos apresenta, é a questão do “oportuno” do livro. Simples como desatar um nó. Mais um convite veemente para que nos emendemos.
EM TEMPO: O livro será lançado dia 18/02 – Sábado próximo – às 20 horas no Restaurante Frutos do Mar – AL 101 Norte – Maragogi – Alagoas.