Sarah587 28/01/2024
Naufrágio Intelectual
Achei os comentários engrandecendo a obra um tanto dissimulados por parte de quem os fez. Me parece muito improvável que a galera, gostando da história, tenha absolvido-a factualmente como suas resenhas (as que li) me deram a entender. Eu tentarei evocar os pensamentos trazidos conforme a minha leitura do quadrinho, e adianto que não são nada encantadores para o autor e a editora. De imediato, se eu recomendaria pra alguém? Não. E se a história me fosse recomendada, creio que o responsável sofreria, ainda que modo indireto, com a transmissão dos meus pensamentos de ódio direcionados. Porque me traria muita revolta, de certo maneira, a ideia de gastar dinheiro com uma recomendação inadequada. Mas, feliz ou infelizmente, a decisão foi apenas minha. Sem influências. Na livraria olhei a capa, fui tomada pelo deslumbre de cores, e o resultado é esse grande saboroso nada. Eu li a história duas vezes. A segunda vez é a última, sendo hoje, às 14:00 horas, por aí. Tudo porque, da primeira vez, eu não tinha gostado e sobretudo, a leitura não tinha feito sentido nenhum. Aí, revirando meus livros, vi mais uma vez Paciência de Daniel Clowes entre eles e decidi voltar atrás. Dar uma nova chance, outro olhar à leitura. Considerando que eu tivesse deixado escapar alguma coisa, né, já que uma amiga me disse ter gostado e eu, pelo contrário, tô aqui. Escrevendo. Não muito da minha opinião foi mudada desde que terminei. Eu acredito que, me sendo dado o direito de acusar as falhas, a maior delas, sem dúvida, é a tradução. E segundo a ficha técnica, o livro foi revisado por duas pessoas. Ou seja, não é propriamente uma negligência. Mais parece uma falta de tato, desconexão com o que poderia ser o público em potencial do autor. Alguém sai perdendo. O que eu quero dizer, é, que pessoa (me referindo ao português brasileiro coloquial) insere "quem diabos" ou "que diabos" enquanto fala? Sabe, não é tosco?! Pra mim, é demais! E não é só o que me incomoda na estrutura do quadrinho, porém, a mais destoante, tendo em base seu uso constante em determinadas adaptações, como foi em paciência. Com muita dificuldade, leia-se atraso, entendi que os retângulos de frases na cor branca simulam os pensamentos do personagem Jack, e os retângulos de frases na cor de um amarelo bem clarinho, os pensamentos de Paciência. E eles são muitos. Me imaginem tendo que voltar algumas páginas pra ter certeza de que eu li o que eu li e qual seria o esclarecimento. Assim interpretado, chego nas páginas 154 e 155 e o meu raciocínio anterior desaparece. Eu sou uma burra? Outro maior problema aqui, além da tradução, é o jeito como os quadros foram compostos. Tudo muito espremido, estreito, sufocante. O estilo idiossincrático de desenho teria relevância, não fosse a narrativa inculta e a disposição dos quadros, que mais faz aborrecer. Quando os três elementos se misturam, formam ao que eu gentilmente atribuo como entediante. Nada mais, mas quem sabe menos, de igual padrão tedioso. O quadrinho é repleto de textos, na maioria incoerentes, e os desenhos, e as cores não tornam a experiência menos intragável, e sim o inverso, com sua lastimosa narrativa e as inúmeras formas da ilustração que parecem induzir o leitor ao mesmo movimento de languidez. E quanto a movimento, não preciso me prolongar sobre como o ritmo da história é demasiado lento. Incomoda, sem que seja necessário elucidar, que de alguma forma o texto se encaminhe para um ponto de vista exclusivo, o que ninguém dos comentários me convence saber. Eu não tenho o conhecimento que o autor tem, não o conheço cara a cara, como poderia adivinhar a motivação e consumação de uma história que dele saiu? Se ela, por si, é incompreensível, não poderia o autor proporcionar os meios para que, ao menos, uma dedução equivalente à sua seja dada ao leitor? O texto adaptado para o português brasileiro por uma editora que é suposta ser especialista, me lembra a tradução informal de um fã para o seu mangá favorito em sites de pirataria, devido aos vícios de linguagem e falsos cognatos. Os personagens secundários são tantos que, volta e meia, eu me perguntava "quem é Adam?" quando a menção havia acabado de acontecer não muitas páginas atrás. Eles têm a mesma expressão desorientada, de bocó, e em certa tendência obtusa todas as mulheres com quem o protagonista é emocionalmente envolvido tem idêntica aparência à sua amada, incluindo a mãe. O que isso significaria? Mal imagino. Não me parece que a narrativa ofereceu uma satisfação e tampouco me dá a vontade de preencher os vácuos com devaneios que não me indicam início, meio e fim. "E quanto mais eu via [...] Mais tudo parecia importar; cada momento, cada escolha [...] Tudo afirmando eternamente a única verdade incontestável", sério, eu não sei o que o autor gostaria que eu pensasse a respeito da última caixa de texto.