Anna Laitano 08/01/2015Um clássico caso de beleza trágicaEste foi um dos raros casos em que fiz o processo inverso: vi o filme para depois ler o livro. Na verdade, não tive muita escolha; vi o filme no primeiro ano de faculdade, durante uma aula, para uma atividade. Depois, como amei o filme, acabei lendo o livro também, no mesmo ano.
O livro é dividido em três partes: a primeira acompanha as memórias da adolescência de Michael e seu romance com Hanna. A segunda, sete anos mais tarde, narra o julgamento no qual eles se re-encontram. Por fim, a terceira parte traz os acontecimentos que sucederam o veredicto.
Narrado em primeira pessoa, acompanhamos um Micahel maduro lembrando de sua vida. Em geral, a narrativa é linear, mas por vezes ele faz interferências com comparações entre passado e futuro, como o que aconteceu com determinado prédio que costumava ficar em tal lugar, ou o que ele não sabia em determinada época e agora sabe, etc.
Acredito que são, justamente, algumas das observações e pensamentos do narrador que enriquecem a história e a elevam a outro nível. As perguntas que ele vai levantando em sua mente deixam de incomodar apenas o protagonista para fazer morada também na mente do leitor, que é colocado de frente com situações complexas e delicadas da história mundial
Michael começa como um garoto comum, relativamente ingênuo, que acredita se apaixonar por Hanna. A verdade é que na primeira parte ele está fascinado com a descoberta do mundo sexual, e se deixa levar por isso, acreditando que seja amor. Mais tarde, ele já começa a se tornar um homem mais centrado, conforme estudava e crescia. Ainda assim, ele muda novamente após o julgamento, preso a um relacionamento que por um motivo ou por outro (por ter sido seu primeiro "amor" ou por ter resultado em algo tão trágico) acaba o arrastando de volta e interferindo em seu presente e continuando a marcar e determinar sua vida.
Hanna, por sua vez, se mantém a mesma durante a maior parte da história. E ela é uma personagem complicada. Complicada, porque não importa o que seja dito, ela sempre será a mulher que trabalhou para a SS. Porém, ela é uma pessoa alienada, que não consegue entender o certo e o errado por si só. Ela acredita que o certo é cumprir ordens, então é isso o que faz. Sua visão humilde e simplista não consegue entender a calamidade de tudo aquilo. Afinal, para ela, um trabalho é um trabalho — que outra opção ela tinha senão fazer o que lhe era ordenado?
'O leitor' é um livro incrivelmente intenso. Há emoção e complexidade, em níveis éticos, psicológicos e emocionais. Com seus personagens, ele consegue abordar questões da Segunda Guerra e fazer críticas e questionamentos oportunos e diretos, de forma que é impossível o leitor não sentir uma conexão profunda com a história.
O romance entre Michael e Hanna é absurdo, a diferença de idade me incomodou bastante, especialmente na primeira parte, mas nunca foi exatamente um romance. Há diversos níveis no relacionamento de ambos, razões para estarem juntos nas três partes, e em cada uma delas, são um emaranhado de diferentes coisas que os prendem um ao outro.
A terceira parte, especialmente no final é impactante. Não posso discorrer plenamente a respeito sem dar spoilers, mas peço que prestem atenção e tentem analisar todos os ângulos das situações quando chegarem lá (ou que repensem, caso já tenham lido). Há questões de liberdade, culpa, medos, e muito mais que merecem todo o destaque e são, de fato, motivos que tornam o livro tão importante e aclamado mundialmente.
A edição é simples, de páginas amareladas e fonte confortável. A com imagens do filme é preta e abre um padrão para todas as outras obras do autor, o que me agrada bastante.
A tradução é boa, sem erros que eu possa me recordar. Porém – e aqui devo ressaltar que não sei quanto tem a ver com o fato de o idioma original do livro ser o alemão –, a construção de frases às vezes parecia curta e um pouco truncada. Ainda assim, são em raros momentos e, novamente, enfatizo que não sei se é uma característica própria das construções de frases no idioma original. De qualquer forma, o resultado final é totalmente compreensivo e bastante satisfatório.
Você precisa ler este livro. O filme, de fato, é maravilhoso. Mas você ainda precisa ler este livro. Há algo bastante diferente no tom do livro, e algumas pequenas divergências que também acabam por apoiar os motivos para dar uma chance aos dois. Perfeito para quem gosta de dramas intensos, complexidade ética e psicológica, história mundial, e leituras que geram questionamentos e tópicos para debate. Totalmente recomendado!
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