Arresto

Arresto Bernardo Almeida




Resenhas - Arresto


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Krishnamurti 11/03/2017

Lançamento do livro de poemas ARRESTO de Bernardo Almeida - HOJE (*)
Arresto é uma expressão muito usada no mundo jurídico que consiste na apreensão judicial dos bens de um devedor para garantir a futura cobrança de uma dívida. Como sinônimos entendemos também: penhora, embargo, confiscação e seqüestro.
“Arresto” é também o título do novo livro de poemas do escritor Bernardo Almeida a ser lançado HOJE (vide abaixo). O sentido poético que Bernardo Almeida empresta ao termo é o de perquirir a existência humana dos nossos dias nessa penhora de sentimentos mais puros como o amor que já nem sabemos vivenciar porque o substituímos pela posse e pela sexualidade desenfreada, do embargo de nossas aspirações mais elementares de um existir digno, desse confisco de nossa identidade, do seqüestro de valores éticos e morais. Enfim e em suma, boa parte dos poemas versa sobre os farrapos, os fragmentos dos seres perdidos em que vamos nos transformando neste tão esperado e idealizado século XXI para o qual as previsões do passado nos davam conta de que seriam tempos de plenitudes de toda sorte ... Ledo engano, o que conseguimos até aqui foi endividarmo-nos cada vez mais para com nossa existência, e a “garantia da divida”, o “arresto”, que nos tem sido cobrado é pura e simplesmente o sofrimento. Pagamos todos, e o autor, com rara sensibilidade nos faz refletir sobre.
Almeida apresenta-nos 51 poemas com temáticas e enfoques variados: amor, religião, morte, e também a desesperança. Essa aprendizagem do desgosto tem gerado em nós cada vez mais desencanto com a humanidade e o desespero em relação à própria vida como vemos em: “Do outro lado do lago” e “Sombras sem vontade de existir”, deste último reproduzimos trecho:
“somos sombras sem vontade de existir / esteios do silêncio em pândega / inclinados à redenção / da febril mutilação extemporânea
recolhendo ecos e acolhendo erros / pelo jardim mal ajambrado do outro / vigiamos, aluindo reputações / fabricadas pelo sopro autoritário do consenso
alheios e insossos, destinamo-nos / ao engodo da chantagem ou suborno”
Mas é precisamente então que se faz premente a reflexão detida e madura, pois é quando captamos a essência desse estranhamento via transcendência estética que a poesia oferece, que somos impelidos a buscar o humano que existe em nós e que há de resistir. Daí o valor incomparável da poesia cujo material é a linguagem. Talvez a mais humana e a menos mundana das artes. Aquela, como o disse Hannah Arendt, cujo produto final permanece mais próximo do pensamento que a inspirou.
A escritora Márcia Barbieri aponta em Bernardo Almeida um autor que pensa mais por idéias do que por imagens, embora não descure da emoção. Que faz com que o leitor divise e enxergue as coisas que nos arrastam e desumanizam. E também, completamos nós, mostra-nos o quanto podemos resistir. O que dizer, o que pensar, de uma estrofe como esta:
“... o homem – ele sempre avança
sobre si e para dentro
expandindo-se
revelando a verve muda
imposta pela gravidade do sentido”
ou de um poema como este?
UM HOMEM EM UM BILHÃO
Para Manoel Caetano (In memoriam)
O avô
Que conheci
cheirava à terra, café, mato e cigarro
ele bebia um litro de cachaça
na garrafa da serpente – por dia
ao ouvido, o rádio grunhia
engrenava uma voz rouca, rude e pueril
do sofá da casa humilde
acima da nuvem que sombreava a colina
de seu queixo
ataques de navalha gritavam
diretamente na pele a raspar
o rosto selvagem
barbeado sem loção – dicção a imitar
a locução da estação a informá-lo
a hora certa e o percentual da inflação
que iria corroer o salário mínimo
recebido como aposentadoria
quando cegado pelo glaucoma
ele, mesmo sem enxergar, condenado
permanecera um homem tentacular
abrangente, visionário, íntegro
que não deixou a vida escapar
sem antes nela dar
uma boa surra


(*) Em tempo: Os Livros: “Arresto” de Bernardo de Almeida, e “Saramboke” de Elizeu Moreira Paranaguá – Ambos publicados pela Editora paulista Penalux, serão lançados hoje, Sábado (11 de março) Na Cantina da Lua no Pelourinho –Terreiro de Jesus em Salvador/Ba. A partir das 15:30 horas. Para quem quiser saber um pouquinho mais da obra de Elizeu Moreira Paranaguá, dê uma espiadinha na resenha respectiva que está em: http://www.cronopios.com.br/rede_cronopios/content.php?artigo=12933&categoriaid=4
E quem desejar receber via entrega postal, a Editora envia prontamente: https://www.editorapenalux.com.br/
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Penalux 07/03/2017

A arena mental de Bernardo Almeida: “Arresto” apresenta preocupações estéticas para um mundo sem respostas
Em A Palavra Muda, o filósofo francês Jacques Rancière crava a arte como uma pensamento fora de si: “É a manifestação de um pensamento todavia exterior, todavia escuro para si mesmo”, enigma do artista. Arresto, do escritor, jornalista e roteirista baiano Bernardo Almeida, ratifica a condição do poeta, no ínterim do conflito entre o verbo e a existência, como a manifestação de uma consciência a partir de uma ótica singular. Jogo de códigos.
Ao redor de 51 poemas, Arresto – de embargo, de medida preventiva que consiste na apreensão judicial dos bens do devedor, para garantir a futura cobrança da dívida – apresenta poéticas para um mundo distendido em performances midiáticas: “foder-te até enlouquecer / foder-te até esquecer o meu caralho / enterrado na sua boceta / para sempre.”
O corpo, o desejo e o gozo surgem aqui como campo de batalha, “seios são sinos / a fremir, badalar / na compressão da minha língua”, onde o monodrama se faz compartilhado, mas sob desconforto: “virilhas que se chocam e choram salivas gêmeas”. [A ansiedade do tempo contra as substâncias primárias.]
Sob conflito, Arresto – obra aberta – não é plenamente pessimista e convoca o leitor a uma elaboração da realidade em direção à fantasia. A poesia é o reconhecido território emancipado, com um certo compromisso com o chão primeiro, a matéria essencial do que é humano.
Há, portanto e de fato, uma tragédia surda por detrás de cada verso de Bernardo Almeida. Entre o luto particular pela morte do demônio e o açoite a deus, constrói-se um percurso de excessos e economias, num jogo dicotômico de viés contemporâneo, como no poema abaixo. (A ideia natimorta de ser contemporâneo, aliás.)

Fomos deixados à própria sorte...
Somos paixão em queda livre
fresta que nos revela
em dissimulação
entristecida,
fazes parte de uma era
reprimida;
representas o passado,
que também é de outro;
memória envernizada,
compartilhada,
batalhando o esquecimento
de uma história superada,
encolhida no subsolo
de nossa jornada
envelhecida
pelo reflexo contundente
de almas irmãs
em busca de
diferenciação

Os símbolos que determinam os fins e as saídas são importantes no processo poético de Almeida. O calvário, o coveiro, o cadáver e o canibalismo se somam à brevidade, ao silêncio como avesso do tumulto, à mutilação agônica.
Mesmo consciente da instabilidade da poesia para tempos de velocidade, o poeta irrompe e se enlaça com a exatidão do tempo não para se dobrar, mas ressignificar-se. São usuais os conceitos matemáticos, as normativas econômicas ou até mesmo construções delirantes ao plano da física: “teus olhos em fusão / com o infinito”.
No interstício de substâncias da natureza e da interpretação de dias apressados, o tempo, por fim, se coloca como elemento responsivo. Para o escritor francês Joseph de Maistre, o tempo é algo tão antinatural que não deseja outra coisa senão terminar. Ou seja, somos por ele determinados na pleura da vida atual: “O tempo corre acossado / pela buzina / de um caminhão / sem freio /na contramão”.
O poeta, saturado, não pode, acredita Almeida, perder o juízo. Precisa buscar o sentido, girar em delírio no labirinto cotidiano. Assim, Arresto apresenta um microcosmo reflexivo (na velha arena mental do poeta como tradutor).


Resenha por: Daniel Zanella
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