Queria Estar Lendo 28/04/2017
Resenha: A Química que Há entre Nós
Diferente de todos os livros desse gênero literário, A Química que Há Entre Nós surpreende por falar com sensibilidade e bom humor sobre corações partidos e perdas significantes.
Recebido em cortesia da editora Globo Alt, com uma narrativa irreverente, a autora nos apresenta o dia a dia do protagonista e narrador, Henry. Ele conseguiu a vaga de editor do jornal da escola, mas vai ter que dividi-la com uma garota recém transferida para o seu colégio - Grace é tudo de bizarra e pouco sociável, com sua bengala e o andar manco e a aparência de quem dormiu na rua, mas parece ter um talento com palavras, tal como Henry. Ela aceita ajudá-lo com o jornal com o acordo de que não vai escrever nada, e os mistérios do comportamento da garota são o que guiam a aproximação entre eles.
Esse não é um livro sobre uma história de amor. Também não é um livro sobre doenças ou tragédias. Ele fala sobre perdas, sobre morte e sobre o difícil caminhar da superação. Fala sobre as coisas súbitas da vida, aquelas que nunca são esperadas. Fala sobre redenções e sobre corações partidos. Fala, principalmente, sobre a tentativa de consertar coisas quebradas. Quão fácil é fazer isso? Quão necessário?
"Havia algo profundamente confuso a respeito de olhar para Grace."
Henry se apaixona por Grace. Perdidamente. Ele a quer e quer que ela o queira também, por isso aceita todo e qualquer contato que tem com a garota quase como se fosse um viciado e ela fosse sua droga. Ele sabe o quanto isso é ruim para si mesmo, seus amigos destrincham comentários sobre como essa relação desigual vai partir seu coração, e Henry aceita os riscos. Ele se apaixonou pela Grace, e espera conseguir entender o que é o espectro bizarro da garota que veste roupas largas, caminha com essa bengala e tem essa presença mórbida e macabra.
O legal desse livro é o desenvolvimento das emoções do Henry. Ele é um garoto carismático, com melhores amigos loucos e peculiares e uma expectativa de vida normal. Para Henry, tudo bem não ter se apaixonado durante o Ensino Médio, ele tinha mais coisas com que se preocupar. O destino, no entanto, resolveu colocá-lo no caminho de Grace, e a partir do momento em que entende seus sentimentos por toda a bagunça que é essa garota, Henry Page quer compreendê-la.
"- O espaço sideral é a melhor cura para tristeza que conheço."
O caminho é árduo e complicado, no entanto, e cheio de verdades que, quando confrontadas, não são o que ele esperava. Essa foi a maior surpresa para mim. Como a Krystal Sutherland conseguiu usar um tema simples e inesperado para desenvolver um drama tão bom; a gente sempre espera que histórias assim falem sobre doenças terminais ou distúrbios sérios como depressão e suicídio, mas há tanta tragédia nas coisas simples e inesperadas quanto nisso. E há tanto espaço para superação e empatia quanto em qualquer outra história.
E gente, o Henry. Que figura! Eu ri tanto nesse livro, o humor é tão bom! É o tipo de tirada genial, com muito sarcasmo bem desenvolvido. Henry ganhou meu coração logo no primeiro capítulo, se tornou um personagem que eu gostaria de conhecer só pra poder dialogar por um tempo.
"- É nesse momento que você diz algo sedutor para me conquistar.
- Se você fosse uma cenoura, seria uma boa cenoura?"
O fato de a trama não vender o relacionamento da Grace e do Henry como algo saudável, de o rapaz estar o tempo todo ciente de que se envolveu com alguém quebrada demais para retribuir seus sentimentos tão facilmente, isso foi ótimo. Henry idealiza o amor e o que ele pode oferecer para ele com o tempo, quem a Grace pode se tornar, mas a verdade é mais realista e perturbadora.
"Talvez nós dois estivéssemos apaixonados por ideias."
Grace, num primeiro momento, parecia um pouco o esteriótipo de manic pixie dream girl, e outra surpresa foi ver que o livro bate de frente com isso. A melhor amiga de Henry, Lola, chega a mencionar o termo, mas desmente a probabilidade de Grace se encaixar ali. Ela é o total oposto de garota dos sonhos, totalmente arrasada, física e emocionalmente, e não está ali para guiar Henry em altas aventuras de descobrimento e aceitação e das maravilhosas esquisitices da vida. Ela acaba jogando Henry na realidade, mas a realidade nua e crua, uma que não tem muita felicidade. A química entre eles existia, isso se tornou inegável, mas era quase um veneno.
"- Grace Town é uma charada embrulhada em um mistério dentro de um enigma."
Meus personagens favoritos foram os coadjuvantes. Apesar de Henry ter um humor latente e eu ter me identificado horrores com ele, do tipo que eu lia uma fala ou um pensamento sabendo que seria o meu argumento em uma mesma situação, sua família e seus melhores amigos roubaram meu coração. Seus pais, figuras carismáticas, de quem ele certamente herdou os comentários sarcásticos e as referências geek e toda a incrível habilidade de rebater qualquer situação com humor, são hilários.
"- Eu vejo esses jeans justo e o cabelo comprido - entreouvi vovó dizer aos meus pais. - Ele foi doutrinado para dentro de um círculo emo, esse é o problema.
- Ah, não - disse mamãe - Ele na verdade está praticando satanismo."
Eu gargalhei alto em diversos momentos do livro por causa dos dois. É um humor difícil de conseguir com tanta naturalidade, mas que salta do livro e te faz chorar de rir. A irmã mais velha, que saiu de um relacionamento estável para as rebeldias da vida de mãe solteira pouco convencional, é outra figura muito divertida e presente no desenvolvimento da trama; e, por fim, Murray e Lola, seus companheiros de aventura na escola e fora dela, sempre dispostos a ser o apoio moral e o soco na cara quando Henry precisa deles.
"Eu de alguma forma soube, naquele momento, que Grace Town era um pedaço de vidro com reentrâncias com o qual eu me cortaria de novo e de novo se me deixasse envolver."
Puxo um parágrafo a mais para falar o quanto amei Lola e Murray. A garota, que saiu do armário recentemente (em um episódio que envolveu beijar o Henry e perceber que não gostava mesmo de garotos, o que acabou dando uma fama de mau beijoqueiro para o rapaz) e um rapaz australiano cheio de personalidade que está lidando com um término da pior maneira possível (ainda apaixonado pela garota que terminou com ele) são as melhores pessoas para os melhores e piores momentos da vida. Os três formavam aquele tipo de amizade que te imerge na leitura e te faz querer fazer parte do grupinho. Eu leria um livro sobre esses dois facilmente, porque eles têm muito a contar.
A Química que Há Entre Nós é um livro simples, e por isso tão apaixonante. Ele não promete finais felizes e nem meios felizes, mas equilibra as partes tristes com um humor único e com personagens cativantes. A história te prende do início ao fim, e te mostra jornadas distintas a respeito de diferentes tipos de dores, todas convergindo em corações partidos e a ideia de que coisas quebradas podem ser consertadas.