Persona

Persona Hermano Almeida (Mano)




Resenhas - PERSONA


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Krishnamurti 13/03/2017

PERSONAS & INTERTEXTUALIDADES
PERSONAS & INTERTEXTUALIDADES
Por Krishnamurti Góes dos Anjos

Ao iniciarmos a leitura do livro de poemas “Persona” de Hermano José Falcone de Almeida, deparamo-nos com dois poemas sucessivos: “Policarpos” e “Tempo sombrio”, que fazem referencias às obras de dois grandes nomes da literatura brasileira. Lima Barreto e Machado de Assis. Impossível não lembrar dos enredos e desdobramentos de obras como Triste fim de Policarpo Quaresma (escrito em 1911), e admirar a intertextualidade que Hermano consegue atualizando a problemática brasileira para o século XXI. Resumidamente esta obra de Lima Barreto nos conta a história do protagonista Quaresma que empenha sua vida a estudar e entender e tentar melhorar esse nosso país. Vejamos o poema de Hermano:
policarpos
Alguns Policarpos / no prato servidos / Sobra: / loucura, fome e hospício. / Temer o fora. / No dentro, a penar / estamos. Perecemos. / Policarpos, o desejo / é um trago amargo!

Hermano Almeida não parece preocupar-se em fazer literatura como projeto estético, ou diletantismo. Sua obra é a tradução do grito de revolta e desespero que anda preso em nossas gargantas ante o retrocesso brutal que esse país está a viver. Dessa realidade de “um homicídio a cada nove minutos e corrupção generalizada”, como ele escreve na orelha do livro. E afirma ainda: ...”São muitos os temas. Podiam ser outros, mas tenho que focar a máscara. Espero que amplifique e reverbere em cada leitura. Não é menu digestivo. Precisamos de urgência. O Brasil ainda não foi descoberto!” No texto que abre o livro - uma por assim dizer, prosa poética, ou “fluxo” mental – “indefinível”. O autor anuncia a que veio:

“Ustra , máquina mortífera, tortura-me. Nasci com osteogenese imperfeita. Das formas, digamos, uma intermediária. Nem tão grave, nem suave. Primeira fratura: 7 meses. Ustra esgalha meu pé quando estou sendo ninado. Não pensava. Só berrava. Diziam os especialistas: - abram a cabeça deste menino!”.... e de sofrimento em sofrimento devido a doença de Ekman-Lobstein (enfermidade dos ossos de origem genética, caracterizada por fragilidade da estrutura óssea), o autor passou por inúmeras fraturas até que “Fui ficando como o Brasil: uma promessa que vira suco. Suco de carne e osso, senhor da morte, Ustra. Só invocando Gabriel”.... “O real me vê como surto. Ustra fica no limbo. O anjo Gabriel me ajuda a mover um dedo do pé. More than words”.

“Mas tenho que focar a máscara”, escreveu o autor. A PERSONA, palavra latina que significa máscara, personagem, e que Carl Jung ampliou o significado para “a personalidade que o indivíduo apresenta aos outros, mas que geralmente esconde os verdadeiros pensamentos e sentimentos”. Vejamos trechos do poema “a farsa”.
“...o bicho-homem se diz feito à imagem de Deus / e age como o diabo. Que coisa feia, viver escondendo o rabo. Acabo logo com esse besteirol que cansa o leitor que ainda está de ressaca, da via sacra de ter que fingir o face e rasurar o book de um look Sem nexo. Começo de ciclo, sucesso! Peço menos excesso.
O bicho quer tudo / e fica vazio a cada desejo / que leva a mais desejos, deixando vazio, / o corpo esfacelado no cio. Arrepio.
E também o poema que dá título ao livro:
persona
Aos algozes bons que se acham fera, / quebro, aço, acho. / Perco-me na sombra, / desejos obscuros, falar e desfalar.
Agir e desfazer. / No silêncio o grito. / Na bondade, mato. / Na gratidão, inveja. / No beijo escarro. / Sombra faz não ser o que penso / ou que outro pensa quem sou. / Teatro, Persona, Cortina, / Fausto ato, despeço farto. / Poder, da lama ao caos, / seduzo, abuso. Algemo aos meus pés.
Nu, ofereço a face do outro / outro que não eu, nas artimanhas / das tramas, dança, ancas esquadras, / vampiresca submissão, gozo, razão. / Prezo o poder. Você a rastejar, irmãos.
Sou a compaixão falida, a falta de empatia, / a triste derrocada que não dá em nada. / Fausto me cobra, cobre minha alma / arrastando vazio este ser de estio. Calafrio!
Rosto? Qual? / Desejo de tudo, / minha sombra agradece. / Numa esquina esquece / o que soçobrou, quimera. / Me engoliu essa fera!

Fizemos acima alusão também á obra de Machado de Assis que Hermano cita em seu poema “Tempo sombrio” e a intertextualidade de sentidos que tal poema pode nos provocar. Muito bem; é de lembrar-nos em todo esse contexto que o autor evoca, certa passagem do “Memória póstumas de Brás Cubas, precisamente o capítulo VII – O delírio. Nele Brás Cubas confessa ter tido um delírio. Trechos: “Primeiramente, tomei a figura de um barbeiro chinês, bojudo, destro, escanhoando um mandarim, que me pagava o trabalho com beliscões e confeitos: caprichos de mandarim”... e ... “vi chegar um hipopótamo, que me arrebatou. Deixei-me ir, calado, não sei se por medo ou confiança; mas, dentro em pouco, a carreira de tal modo se tornou vertiginosa, que me atrevi a interrogá-lo, e com alguma arte lhe disse que a viagem me parecia sem destino. - Engana-se, replicou o animal, nós vamos à origem dos séculos”.
E é então que a viagem vertiginosa que ele fazia no lombo do hipopótamo o forçou-o a um encontro: ...“Caiu do ar? destacou-se da terra? não sei; sei que um vulto imenso, uma figura de mulher me apareceu então, fitando-me uns olhos rutilantes como o sol. Tudo nessa figura tinha a vastidão das formas selváticas, e tudo escapava à compreensão do olhar humano, porque os contornos perdiam-se no ambiente, e o que parecia espesso era muita vez diáfano. Estupefacto, não disse nada, não cheguei sequer a soltar um grito; mas, ao cabo de algum tempo, que foi breve, perguntei quem era e como se chamava: curiosidade de delírio.
- Chama-me Natureza ou Pandora; sou tua mãe e tua inimiga.
- Não te assustes, disse ela, minha inimizade não mata; é sobretudo pela vida que se afirma. Vives: não quero outro flagelo”. Mas adiante a visagem lhe diz ainda:
- “Sim, verme, tu vives. Não receies perder esse andrajo que é teu orgulho; provarás ainda, por algumas horas, o pão da dor e o vinho da miséria. Vives: agora mesmo que ensandeceste, vives; e se a tua consciência reouver um instante de sagacidade, tu dirás que queres viver”.
Vivemos e queremos viver nesse país selvático que vamos transformando o Brasil? Ainda lembramos de outro trecho do Policarpo Quaresma de Lima Barreto: “Não havia mais piedade, não havia mais simpatia, nem respeito pela vida humana; o que era necessário era dar o exemplo de um massacre à turca, porém clandestino, para que jamais o poder constituído fosse atacado ou mesmo discutido. Era a filosofia social da época, (1911) com forças de religião, com os seus fanáticos, com os seus sacerdotes e pregadores, e ela agia com a maldade de uma crença forte, sobre a qual fizéssemos repousar a felicidade de muitos”.
E ainda ao final do livro. Quando Olga, afilhada de Quaresma tenta em vão livrá-lo da prisão em que estava encarcerado: “Olhou o céu, os ares, as árvores de Santa Teresa, e se lembrou que, por estas terras, já tinham errado tribos selvagens, das quais um dos chefes se orgulhava de ter no sangue o sangue de dez mil inimigos. Fora há quatro séculos (grifo nosso). Olhou de novo o céu, os ares, as árvores de Santa Teresa, as casas, as igrejas: viu os bondes passarem; uma locomotiva apitou; um carro, puxado por uma linda parelha, atravessou-lhe na frente, quando já a entrar do campo... Tinha havido grande e inúmeras modificações. Que fora aquele parque? Talvez um charco. Tinha havido grandes modificações nos aspectos, na fisionomia da terra, talvez no clima... Esperemos mais, pensou ela”.
Machado de Assis (1880) Lima Barreto (1911) e Hermano Almeida (2016), três escritores dentre tantos outros que neste país analisaram a realidade do mal em si e os limites da ação humana dentro da ordem social, (guardadas as proporções evidentemente). Esta nossa condição humana. Esperemos mais quatro séculos? Ou sairmos da inércia de deitados eternamente em berço esplêndido? Que rumos tomaremos?
Não nos furtamos de datar este texto. 13/03/2017.
Livro: Persona – Poesias, de Hermano José Falcone de Almeida. Editora Penalux. Guaratinguetá – SP, 2017, 88 p.
ISBN 978-85-5833-150-0
Um esclarecimento. Carlos Alberto Brilhante Ustra. Foi chefe do Destacamento de Operações Internas (DOI-Codi) de São Paulo no período de 1970 a 1974, em plena vigência do Ato Institucional nº 5. Uma das épocas mais sombrias da ditadura militar brasileira (1964-1985), que deu poder de exceção aos governantes para punir arbitrariamente os que fossem inimigos do regime ou como tal considerados. Primeiro militar reconhecido pela Justiça como torturador e comandante de uma delegacia de polícia acusada de ser palco de mais de 40 assassinatos e de, pelo menos, 500 casos de torturas.
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