O Exercício da Distração

O Exercício da Distração Kátia Borges




Resenhas - O Exercício da Distração


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Adriana Scarpin 31/05/2020

Caixa Preta
"Como quem rasga o peito e não discute
suturas para o peito aberto.

Pouco importa andar com o coração à mostra
os seios nus repartidos pelo esterno

fissura entre as costelas – a dor das tais fissuras
– que se tem quando se rasga o peito."
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Krishnamurti 27/03/2017

O EXERCÍCIO DA DISTRAÇÃO
O EXERCÍCIO DA DISTRAÇÃO
Por Krishnamurti Góes dos Anjos
"O exercício da distração" da jornalista e escritora Kátia Borges nos apresenta a reunião de quase 50 poemas divididos em três capítulos intitulados: "Como se fosse o orgão vivo", "Fugas extraordinárias" e "As pequenas vilanias da cidade". Tal distribuição denota o sentido poético que a autora imprime ao volume: o da apreensão da realidade que subjaz em nosso cotidiano corrido, vertiginoso no movimento fora de nós, e interiormente disperso, porque como autômatos, existimos sem destinar maiores atenções a tantos e tão belos aspectos da vida estuante que nos cerca. Faz das "coisas fracas um poema" como o diria Fernando Namora porque nas coisas simples da vida, sabendo olhar, está o sublime. Uma verdadeira aula de sensibilidade. Duas estrofes do poema "Entre suas mãos" o atestam:
... “sou especialista em inutilidades / como no registro do som do aplauso / ao pôr do sol, o verso sobre a aurora, / o rabisco da face desconhecida / no guardanapo, e em tudo que não seja / capaz de prover o sustento".
Sou especialista no insustentável / nas asas da ave que queda, / na aerodinâmica dos insetos, no lusco-fusco / da noite deserta, e em conserto / de pisca-pisca para simular discoteca.
A última estrofe desse mesmo poema revela certa ligação entre temas. No inverso da dispersão que é a introspecção, o ser se encontra, se confronta, e mira os olhos das dores da vida:
"Sou especialista em naufrágios, / em imaginar modelos de escafandros, / em achar belezas onde só veem / destroços, em mergulhar / sem tanque de oxigênio".
Mais a frente e mais fundo. Não é a revelação do real físico que interessa à autora, mas aquilo que pertence à esfera do humano, a começar pela imaginação criadora, aquela faculdade da alma presente igualmente na sensibilidade e no entendimento, aquilo que se abriga em nosso universo interior onde estão armazenados os produtos da percepção sensível e emotiva da realidade. Que dizer de um poema como “Nas copas verdes das árvores”?
É preciso dizer, ainda que nada / reste, e a palavra seja apenas / espaço branco entre vírgulas.
Dizer da noite, este assombro / a cada dia renovado enquanto / as estações se sucedem.
Dizer do amor, este espanto / que se espalha e se recolhe / nas copas verdes das árvores.
Dizer do mundo, estas dores / e as cores que elas escondem
nas dobras de seu casaco.
Dizer do medo a coragem / com a qual dançamos a vida / sem descalçar os sapatos.
A poeta Hilda Hilst escreveu: “Se pelo menos um amante da poesia foi atingido e levantou de cara limpa depois de ler minhas esbraseadas evidências líricas, escreva, apenas isso: fui atingido". Como não se sentir tocado profundamente por esses poemas de Kátia Borges?
Anotações para o um poema
Este poema não é o poeta / que o escreve à noite / após ralar oito horas / por um salário de merda / e, no entanto, acerta / como uma flecha sem norte / o pequeno coração / de quem o lê.
Este poema não é o poeta, / tem compaixão se por acaso / o desejar conhecer. / Não há constelações / entre as contas a pagar / e, no entanto, inventa / pequena luz / que ilumina de súbito / as tuas mãos.
Este poema não é o poeta,/ vê, enquanto este verso te aperta / o peito, a poesia já / o abandonou, e ele pensa agora / em como será viver, o inferno, / o dia de amanhã.
Perfeição
Ouve, um dia vou criar / um livro perfeito / em que poema / nenhum / fira o ouvido
e nele não haverá / o teu nome / por mais que o sacuda / que o busque
ouve, um dia vou criar / um livro tão perfeito / que se possa brincar / de bem-me-quer / e malmequer / com suas folhas
e mesmo assim / arrancando-as / todas / nada há de faltar / e será de tal modo / perfeito / que pondo-o de pé / aberto o seu colofão / sinta-se bater ali meu coração
Quando a autora verseja sobre o amor, o faz com uma técnica que alia expressão correta, equilíbrio, comunicação e rara maturidade.
Ritual
Há tempos não te digo / desta ternura / meu braço envolvendo / a tua cintura / o quarto escuro / só nossas vozes / costurando frases no silêncio
Há tempos não te escrevo / um poema que diga / das árvores que plantamos / como cresceram / e nos abrigamos, sob / estas copas, da chuva e do vento
Há tempos não te lembro / que te amo com gestos / um bilhete sob o prato
Uma frase de surpresa / um olhar que se desfaz / em cores e em flores / que surgem do traçado / de outras flores / como num palimpsesto
Há tempos não te trago / uma palavra doce / e no entanto tua presença / ao meu lado / ainda abre esses portais / no espaço (e arrasta os astros pros lugares certos).
É assim que Kátia nos atinge em cheio! Sugerindo cargas emocionais emanadas da fixação de sentimentos. Presenteia-nos com estados líricos que nos tomam e enriquecem porque produzem novas perspectivas de vida possível e diferente da nossa de todos os dias. Faz vibrar um paralelo com a vida dita ‘normal’, insinua novos e prazerosos caminhos da existência. Um brinde pois à autora, ao sabor de dois de seus deliciosos poemas:
Cais
Enquanto me afasto de mim / miragem de coisa alguma / um anjo ri dos milagres / inúteis que prometera
E certa angústia selvagem / que, lenta, invade esta tarde / instaura no sol que ainda arde / um lírico rastro de trevas
Sou eu que assim bem distante / me encaro, barco que parte / rumo a outro continente
Meu peito intui naufrágios / e amores que já nem sente.

&
Este afeto me queima a fronte
Deus me ama tanto que me constrange. / Não o mereço, que bem lhe fiz?
Pousa em meu rosto seu rosto imenso, / enquanto ensina lições do longe / (onde esconde minha mãe).
O faz aos poucos, a sua voz quase não ouço / ao telefone, inventa nomes que desconheço,
sua velhice, país distante, planeta estranho que / não alcanço, sem sóis, satélites.
Deus me ama tanto que me constrange. / Não o mereço, que bem lhe fiz?
Pousa em minha / mão sua mão de bronze, pesada e leve, tudo é tão breve,
a minha mãe não me pertence, este afeto / me queima a fronte. Não há remédio, / ah, Deus, bem sei trouxe-me o verso.

EM TEMPO: O LIVRO SERÁ LANÇADO NESTA QUARTA, DIA 29, ÀS 19H. NO ESPAÇO CULURAL TROPOS - RUA ILHÉUS, N. 214 - RIO VERMELHO - SALVADOR/BA.
Livro: “O exercício da distração” – Poesias, de Kátia Borges. Editora Penalux, Guaratinguetá – SP, 2017, 102p. ISBN 978-85-5833-145-6
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Penalux 17/10/2017

Metáforas para sentimentos

A poesia encanta pelo seu ritmo, mais intensamente por aquilo que consegue dizer, não dizendo. O alcance de cada palavra é onde reside toda a glória da poesia, a qual consegue representar no papel em branco a ortografia dos sentimentos humanos.
Neste sentido é que a poesia de Kátia Bordes dialoga com o leitor. A poeta utiliza da ambiguidade e da potencialidade guardada nas palavras para se comunicar enquanto artista, não jogando demasiadamente com o raciocínio, mas brincando com o lado oculto de cada palavra, que se descortina na interpretação dada por cada leitor.
Seu livro é divido em três partes, com poesias nomeadas. No poema “Delta” a metáfora para o mar é a própria emoção da poeta, cujo cada onda tem a amplitude de assombrar ou de queimar o peito “volta do naufrágio o peito em chamas... mergulho sem mentira é esta praia’. Mas é no “Delta” - título do poema – local no qual a poeta encontra descanso “ Onde te abraça o mar, meus pés descansam...onde te abraça o mar minha alma cala”, o destinatário que responde por “Delta”, não é referenciado abrindo à interpretação para a possibilidade de ser a expressão das emoções, o próprio meio do qual a poeta retira conforto.
A temática do amor também é explorada por Kátia, como no poema “Pequena Flor”, versos nos quais a poeta assemelha a duração do amor a existência dos verdes da natureza “ a vida é este verde entre nós”, neste trecho em questão, a poeta revela que a felicidade tida como “vida”, é a emoção que não foi danificada pelo o tempo.
As metáforas são amplamente utilizadas por Kátia, dando sensibilidades as percepções da artista, que liga emoções à objetos e situações, de modo que ao mesmo tempo em que intensifica suas representações, as enriquecem permitindo a interpretação particular de cada leitor.
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