Josi 13/01/2021
Um amor que nem o tempo nem as circunstâncias esmorece
Aos 45 anos, o pacífico e introvertido Ephram Jennings decide enfrentar a reprovação e o julgamento da pacata e religiosa cidade de Liberty, habitada só por negros e onde viveu a vida inteira, para ir em auxílio de Ruby Bell, uma mulher desprezada e considerada louca por toda a comunidade, mas por quem Ephram nutre uma paixão desde a infância.
Enquanto narra os percalços que ele encontra no caminho e as consequências de sua decisão, a autora insere, em flashbacks, acontecimentos do passado dos dois personagens que ajudaram a moldá-los e explicam como suas vidas chegaram ao ponto em que estão.
Ephram foi criado pela irmã, Celia, seis anos mais velha, depois que a mãe foi internada em um sanatório e o pai encontrado morto na floresta. Religiosa, superprotetora e muito preocupada com as opiniões da congregação, ela o trata como um filho mesmo depois da maturidade, ambos tendo dedicado a vida toda apenas um ao outro.
Ruby vem de uma família marcada pelo infortúnio, ela própria sendo fruto da violência brutal que os assolou e destruiu. Trabalhando desde pequena para uma mulher branca e conhecendo todo tipo de crueldade, aos 18 anos se muda para Nova York, onde faz tudo o que é preciso para se erguer. Mas, após mais de uma década, a morte de uma amiga a faz voltar para a pequena cidade, e antes mesmo de terminar a viagem, ela se vê atormentada pelos fantasmas, figurativos e literais, do passado.
A realidade do racismo também a atinge em cheio quando percebe que, mesmo sendo educada e bem vestida, nada disso faz diferença para os brancos, especialmente no sul, que a vêem como inferior, assim como todos da sua cor. Sua altivez e sofisticação também a fazem ser mal vista pelos habitantes da cidadezinha, e aos poucos, a solidão, os abusos, as humilhações e a hipocrisia religiosa que a cercam a fazem ir perdendo a sanidade.
Ao longo do livro, são narrados atos bárbaros, cruéis e desumanos contra negros, as mulheres sendo as maiores vítimas. Algumas injustiças podem parecer um tanto inimagináveis, especialmente para nós, brancos. É difícil acreditar que tamanha violência de fato existiu (ou existe), mas basta uma rápida pesquisa para enconstrarmos registros de incontáveis precedentes na vida real, todo tipo de brutalidade contra negros por motivos fúteis e que acabaram impunes, muitos deles tendo ocorrido justamente na época retratada pelo livro, entre as décadas de 1930 e 1970.
Apesar de carregada de sofrimento, a história é contada de forma muito sensível e poética. Um toque de realismo fantástico e misticismo também acrescentam uma aura de mistério ao livro. O amor terno e paciente de Ephram, além de o motivar a tentar salvar Ruby e tirá-la da escuridão, também trazem um pouco de luz e vida para sua própria existência, até então vazia e sem propósito. Depois de conhecermos o pior do ser humano, é seu amor desinteressado e a constância de seus sentimentos que aquecem nosso coração e nos fazem ter um pouco de esperança na humanidade.