Okayalaniss 27/02/2023"História das coisas"Esse livro tomou conta da minha cabeça, só conseguia pensar nisso do início ao fim.
Agora deixo aqui alguns destaques da leitura (alguns mesmo por que marquei praticamente o livro todo).
"De repente as coisas não precisam mais fazer sentido. Satisfaço-me em ser. Tu és? Tenho certeza que sim. O não sentido das coisas me faz ter um sorriso de complacência. De certo tudo deve estar sendo o que é." P.11
"Sou feliz na hora errada. Infeliz quando todos dançam." P.12
"Saber desistir. Abandonar ou não abandonar ? esta é muitas vezes a questão para um jogador. A arte de abandonar não é ensinada a ninguém. E está longe de ser rara a situação angustiosa em que devo decidir se há algum sentido em prosseguir jogando. Serei capaz de abandonar nobremente? ou sou daqueles que prosseguem teimosamente esperando que aconteça alguma coisa? como, digamos, o próprio fim do mundo? ou seja lá o que for, como a minha morte súbita, hipótese que tornaria supérflua a minha desistência?" P.13
"Esquecer-se de si mesmo e no entanto viver tão intensamente." P.13
"Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que está oculto e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar. Para escrever tenho que me colocar no vazio. Neste vazio é que existo intuitivamente. Mas é um vazio terrivelmente perigoso: dele arranco sangue. Sou um escritor que tem medo da cilada das palavras: as palavras que digo escondem outras - quais? talvez as diga. Escrever é uma pedra lançada no poço fundo." P.13-14
"Sou uma paisagem cinzenta e azul." P.14
"Há tantos anos me perdi de vista que hesito em procurar me encontrar. Estou com medo de começar. Existir me dá às vezes tal taquicardia. Eu tenho tanto medo de ser eu. Sou tão perigoso. Me deram um nome e me alienaram de mim." P.15
"O instante já é feito de fragmentos" P.19
"Tenho que ter paciência para não me perder dentro de mim: vivo me perdendo de vista. Preciso de paciência porque sou vários caminhos, inclusive o fatal beco sem saída." P.29
"Ei-la que se aproxima um pouco mais. Depois senta-se ao meu lado, debruça o rosto entre as mãos e chora por ter sido criada. Consolo-a fazendo-a entender que também eu tenho a vasta e informe melancolia de ter sido criado." P.29
"Angela não sabe que é personagem. Aliás eu também talvez seja o personagem de mim mesmo. Será que Ângela sente que é um personagem? Porque, quanto a mim, sinto de vez em quando que sou o personagem de alguém. É incômodo ser dois: eu para mim e eu para os outros." P.30
"Estou me sentindo como se já tivesse alcançado secretamente o que eu queria e continuasse a não saber o que eu alcancei. Será que foi essa coisa meio equívoca e esquiva que chamam vagamente de "experiência"?" P.32
"Estou com impressão de que ando me imitando um pouco. O pior plágio é o que se faz de si mesmo." P.35
"Faço o possível para escrever por acaso. Eu quero que a frase aconteça. Não sei expressar-me por palavras. O que sinto não é traduzível. Eu me expressomelhor pelo silêncio. Expressar-me por meio de palavras é um desafio. Mas não correspondo à altura do desafio. Saem pobres palavras!." P.37-38
"Que esforço eu faço para ser eu mesma. Luto contra uma maré em nau onde só cabem meus dois pés em frágil equilíbrio ameaçado." P.40
"Viver é um ato que não premeditei. Brotei das trevas. Eu só sou válida
para mim mesma. Tenho que viver aos poucos, não dá para viver tudo de uma vez." P.40
"Eu tenho que ser minha amiga, senão não aguento a solidão. Quando estou sozinha
tenho medo de de repente procuro pensar porque pensar uma coisa nova demais para mim mesma." P.41
"Eu não tempo nenhuma missão: vivo porque nasci. E morrerei sem que a morte me simbolize." P.43
"De repente eu me vi e vi o mundo. E entendi: o mundo é sempre dos outros. Nunca meu." P.47
"Por medo da loucura, renunciei à verdade. Minhas ideias são inventadas. Eu não me responsabilizo por elas. O mais engraçado é que nunca aprendi a viver. Eu não sei nada. Só sei ir vivendo. Como o meu cachorro. Eu tenho medo do ótimo e do superlativo. Quando começa a ficar muito bom eu ou desconfio ou dou um passo para trás. Se eu desse um passo para a frente eu seria enfocada pelo amarelado de esplendor que quase cega." P.47
"?Ângela é muito parecida com o meu contrá-
rio. Ter dentro de mim o contrário do que sou é em essência imprescindível: não abro mão de minha luta e de minha indecisão e o fracasso - pois sou um grande fracassado - 0 fracasso me serve de base para eu existir. Se eu fosse um vencedor? morreria de tédio. "Conseguir" não é o meu forte. Alimento-me do que sobra de mim e é pouco. Sobra porém um certo secreto silêncio." P.48
"Mais que tudo, me busco no meu grande vadio." P.49
"Como contato praticamente permanente com a lógica surgiu-me um sentimento que nunca antes eu experimentara: o medo de viver, o medo de respirar. Com urgência preciso lutar porque esse medo me amarra mais do que o medo da morte, é um crime contra mim mesmo. Estou com saudade de meu anterior clima de aventura e minha estimulante inquietação. Acho que ainda não caí na monotonia de viver. Dei ultimamente para suspirar de repente, suspiros fundos e prolongados." P.50
"A princípio eu não pude me associar a mim mesma. Cadê eu? perguntava-me. E quem respondia era uma estranha que me dizia fria e categoricamente: tu és tu mesma. Aos, à medida que deixei de me procurar fiquei distraída e sem intenção alguma. Eu sou hábil em formar teoria. Eu, que empiricamente vivo. Eu dialogo comigo mesma: exponho e me pergunto sobre o que foi exposto, eu exponho e contesto, faço perguntas a uma audiência invisível e esta me anima com as respostas a prosseguir. Quando eu me olho de fora para dentro eu sou uma casca de árvore e não a árvore. Eu não sentia prazer. Depois que eu recuperei meu contato comigo é que me fecundei e o resultado foi o nascimento alvoroçado de um prazer todo diferente do que chamam prazer." P.51
"Não quero ser somente eu mesma. Quero também ser o que não sou." P.54
"Eu me dou melhor comigo mesma quando
estou infeliz: há um encontro. Quando me sinto feliz, parece-me que sou outra. Embora outra da mesma. Outra estranhamente alegre, esfuziante, levemente infeliz é mais tranquilo." P.54
"Na última vez foi questão de segundo. Caio felizmente na cama e eis o vazio, e logo depois eu dizia a mim mesma: não foi nada, já passou." P.60
"Acordei hoje com tal nostalgia de ser fe-
liz. Eu nunca fui livre na minha vida inteira. Por dentro eu sempre me persegui. Eu me tornei intolerável para mim mesma. Vivo numa dualidade dilacerante. Eu tenho uma aparente liberdade mas estou presa dentro de mim. Eu queria uma liberdade olímpica. Mas essa liberdade só é concedida aos seres imateriais. Enquanto eu tiver corpo submeterá às suas exigências. Vejo a liberdade como uma forma de beleza e essa beleza me falta." P.61
"Fiquei sozinha um domingo inteiro. Não telefonei para ninguém e ninguém me telefonou. Estava totalmente só. Fiquei sentada num sofá com o pensamento livre. Mas no decorrer desse dia até a hora de dormir tive umas três vezes um súbito reconhecimento de mim mesma e do mundo que me assombrou e me fez mergulhar em profundezas obscuras de onde saí para uma luz de ouro. Era o encontro do eu com o eu. A solidão é um luxo." P.71
"Eu escondo de mim o meu fracasso. Desisto. E tristemente coleciono frases de amor. Em português é ?eu te amo". Em francês - "je t'aime". Em inglês - "I love you". Em italiano - "io t'amo". Em espanhol - "yo te quiero". Em alemão - "Ich liebe dich", está certo? Logo eu, a mal-amada. A grande decepcionada, a que cada noite experimenta a doçura da morte." P.73
"Eu vou me acumulando, me acumulando ? até que não caibo mais em mim e estouro em palavras." P.77
"Meu espetacular e contínuo fracasso prova que existe o seu contrário: o sucesso. Mesmo que a mim não seja dado o sucesso, satisfaço-me em saber de sua existência." P.79
"Também não suporto a felicidade aguda e solitária de me sentir feliz. Falta-me serenidade para receber as boas-novas. Quando fico feliz, me torno nervosa e agitada. A luz faísca brilhante demais para os meus pobres olhos." P.85
"Apesar de sagaz, não compreendo realmente o que está me acontecendo. E o mundo a me exigir decisões para as quais não estou preparada. Decisões não só a respeito de provocar o nascimento de fatos mas também decisões sobre a melhor forma de ser." P.95
"Gosto de palavras. Às vezes me ocorre uma frase solta e faruscante, sem nada a ver com o resto de mim. [...] Dizer palavras sem sentido é minha grande liberdade. Pouco me importa ser entendida, quero o impacto das sílabas ofuscantes, quero o nocivo de uma palavra má. Na palavra está tudo. Quem me dera, porém, que eu não tivesse esse desejo errado de escrever. Sinto que sou impulsionada." P.101
"Às vezes só pra me sentir vivendo, penso na morte. A morte me justifica." P.138
"Ah, melancolia de ter sido criado. Antes tivesse eu permanecido na imanescência da natureza. Ah, sabedoria divina que me faz mover-me sem que eu saiba para que servem as pernas." P.141
"Viver me deixa tão nervosa, tão à beira de. Tomo calmantes só pelo fato de estar viva: o calmante me mata parcialmente e embota um pouco o aço demasiado agudo da minha lâmina de vida. Eu deixo de fremir um pouco. E passo a um estágio mais contemplativo." P.149
"O esquecimento das coisas é minha válvula de escape. Esqueço muito por necessidade. Inclusive estou tentando e conseguindo esquecer-me de mim mesmo, de mim minutos antes, de mim esqueço o meu futuro. Sou nu." P.156
"Ser feliz é uma responsabilidade muito grande. Pouca gente tem coragem. Tenho coragem mas com um pouco de medo. Pessoa feliz é quem aceitou a morte. Quando estou feliz demais, sinto uma angústia amordaçante: assusto-me." P.161
"Estou cheio de recordações e tudo o que já é passado tem um toque de melancolia dolorida." P.164
"Minha ausência de mim me é dolorosa. Não há um ato em que eu me lance todo. E a grandiosidade da vida é lançar-se - lançar-se até mesmo na morte." P.172