Um sopro de vida

Um sopro de vida Clarice Lispector




Resenhas - Um Sopro de Vida


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Jéssica 08/01/2011


O livro é todo escrito em fluxo de consciência, o que me fez lê-lo em um ritmo ditado pela autora e imediatamente depois sentir a necessidade/desejo de ler novamente.
Cada frase do livro é um clímax, cada frase do livro é um livro inteiro.
E isso não é um exagero, desafio você a abrir o livro em uma página qualquer e ler uma frase qualquer. Desafio.
Está presente no livro a dualidade Autor x Ângela. Ângela é animal, é corpórea, é descontrolada, é instinto, é não-regras, o Autor tende para o oposto.
Dualidade presente em muitos escritos de Clarice.
Outro ponto frequente em sua escrita e que se encontra no livro é a busca pelo divino (não no sentido cristão), pelo cerne da existência.
Experiência da qual eu me encontro mais perto sempre que a leio.


3.0.3 18/03/2024

Tudo em silêncio absoluto: o sopro da sensação pura
“Eu nada planejo, eu dou um salto no escuro e mastigo trevas, e nessas trevas às vezes vejo o faiscar luminoso e puro de três brilhantes que não são comíveis. Então subo à tona com um brilhante em cada pupila dos olhos para transpassar o opaco do mundo e outro entre os lábios semicerrados para quando eu falar minhas palavras sejam cristalinas, duras e ofuscantes.”

Clarice Lispector iniciou a escrita de Um sopro de vida em 1974, durante um período de grave doença. A autora morreu em 1977, deixando um grande legado literário. Publicado em 1978, Um sopro de vida compreende três anos de trabalho árduo de escrita, empreendidos simultaneamente com a produção de A hora da estrela. Ambas as obras cadenciam qualidade rítmica. Nas páginas de Um sopro de vida, a musicalidade é o canal para explorar os domínios da expressão humana.

Digo que é sempre mais difícil escrever sobre um livro que nos impacta. Os bons livros guardam essa qualidade impenetrável sobre eles, uma sensação de completude que torna difícil desvendar as raízes de sua grandeza e identificar por que nos encantam. Aqui, cada comentário sobre a escrita, a forma ou o estilo soa trivial à sombra de uma grande obra, que, em última instância, sempre busca um outro. O confronto entre a linguagem e o sujeito é o confronto final da grande literatura. No entanto, a pergunta ainda permanece: como posso começar esse confronto quando sei que vou ficar aquém, que as minhas percepções são inadequadas para dar conta de uma obra de multidões?

A premissa de Um sopro de vida é direta. À medida que o narrador-escritor se aprofunda na criação de Ângela Pralini, sua personagem, desenrola-se um encontro de reflexos. Ao longo do livro, ambas mergulham em si, numa prosa impregnada de elementos poéticos. Ângela – ela mesma escritora – revela seus anseios inatingíveis, desencadeando um diálogo sobre a frágil fronteira que separa criador e criação. Esse cenário nos faz pensar sobre a existência e sobre o processo artístico. Em meio ao choque entre ser e viver, um ambiente de melancolia toma conta, suscitando questionamentos para quem busca na vida algo além da vida.

A linguagem da obra se desdobra fervorosamente, pois a escrita de Clarice não se pretende objetiva. Em vez de aderir à narrativa linear, ela concilia matéria e alma, estabelecendo reflexões entre consciências individuais. Nessa toada, navega pela profundeza humana com muita autenticidade, construindo diálogos densos, profundos e inquietantes, que incorporam aspectos de uma filosofia existencial. Essa interação entre criador e criatura dissemina com algumas palavras muita riqueza de significado, pois a voz de Clarice é precisa em seu tom de intimidade prosaica, cujo endereço flutua entre o leitor, o autor e a criação do autor em um triângulo reflexivo. Assim, catalisando a urgência da vida em frases fragmentadas, Um sopro de vida galopa num fluxo de consciência que nos remete à escrita de Virginia Woolf.

Um sopro de vida é uma obra exigente, simplesmente por causa da paixão que pulsa na voz narrativa. Durante a leitura, a beleza da intimidade é tamanha que soa como se Clarice estivesse escrevendo só para você. É raro quando a linguagem nos toca completamente e produz conexão avassaladora. Essa ressonância, que beira a tempestuosidade, experimentada quando nos deparamos com uma bela escrita, é praticamente impossível de descrever. As metáforas brilham e voam, alcançando reflexões sobre a existência e a morte antes de recuar às lembranças pessoais da vida em todas as suas belezas. A justaposição entre o universal e o particular não é confusa, pois a obra mistura os temas de seu romance tão perfeitamente que é como se o texto respirasse. Há algo no monólogo que tem intensa vulnerabilidade, expondo partes frágeis da autora em Ângela Pralini. Nessa sensibilidade de escrita, aproxima-se mais do nebuloso núcleo da vida.

“Eu e Ângela somos o meu diálogo interior: converso comigo mesmo. Ângela é do meu interior escuro: ela porém vem à luz. A tenebrosa escuridão de onde emerjo. Escuridão pululante, lava de úmido vulcão em fogo intenso. Escuridão cheia de vermes e borboletas, ratos e estrelas.
Eu penso por intermédio de hieróglifos (meus). E para viver tenho que constantemente me interpretar e cada vez a chave do hieróglifo, estou certo que o sonho – coisa (minha) (nula), não realizado – é a chave do mesmo.
Eu escrevo por intermédio de palavras que ocultam outras – as verdadeiras.”

Imersa no dilema de saber se as palavras podem ou não transmitir pensamentos e sensações com precisão, Um sopro de vida expõe a dicotomia autor-narrador, dividida entre instinto, razão, corporificação e libertação. Enquanto Ângela Pralini mergulha nas profundezas do silêncio, onde são retratadas a paixão e a angústia de escrever, Clarice oscila entre aderir a uma narrativa estruturada e lógica ou trilhar o caminho inquietante do inconsciente. Com sua prosa enigmática e fugaz, pronta para rejeitar qualquer imposição arbitrária de limites, a obra borra as distinções entre ficção e não ficção, eu e outro, humano e divino, provocando o leitor a voltar-se para dentro de si.

Parece-me que a melhor maneira de ler as obras de Clarice é simplesmente seguir a jornada literária a qual ela nos leva, observando e experienciando o poder da linguagem e das imagens que se apresentam, apreciando os seus toques delicados e as suas explosões apaixonadas para perceber que ser humano é carregar consigo infinitas contradições. Aquele que quiser ler Clarice precisa compreender que vai abrir mão completamente de si mesmo, pois, para entrar no universo dela, é preciso se deixar ir – e não há outro caminho.

Compreende-se que Clarice se baseava em profundas indagações para escrever e que essas interrogações alicerçavam todo o seu trabalho, que era desenvolvido à beira do vazio. A escrita de Clarice, nesse sentido, é a manifestação da morte do escritor dentro do próprio texto. A escritora se depara com o vazio, que a impede de permanecer em silêncio. Quando inicia o gesto, navega no reino do indizível e, em vez de escondê-lo, expõe-o, lançando palavras para liberar sensações. Nesse processo, um novo caminho é descoberto, e esse empreendimento nasce como manifestação escrita do vazio. Porém, uma vez escritas, as palavras perdem os seus traços anímicos, aguardando um próximo sopro para erguê-las – leitura.

Um sopro de vida é a jornada de um autor que se aprofunda na vida e na morte. A capacidade que Clarice tem de focar na natureza complexa e mutável da humanidade é notável. Seu foco é alcançar a existência em seu estado mais puro, reunindo o que em nós é universal. Para isso, ela submerge no núcleo do ser, lançando sua linguagem no concreto instável da existência, tornando o livro um processo contínuo de criação artística, uma exploração da escrita que foi previamente criada, manifestação de uma paisagem externa que realça a expressão léxico-sintática. Nesse processo, a obra atinge uma abstração onde reúne pensamentos e sensações capazes de serem partilhados intelectualmente por aqueles que têm a sensibilidade de sentir as emoções alheias. A palavra é a base que nos sustenta e nos conecta. O contexto se entrelaça incorporando todos os traços da vida e da humanidade, extraindo a metafísica que nele habita. A presença daquela que nos observou ao longo da vida pulsa agora na superfície do papel e nos liberta.

Ninguém melhor para expressar a urgência da vida do que alguém que está morrendo e sabe que está morrendo. De seu leito de morte, Clarice escreve, não para a sua sobrevivência, mas para conciliar ou alcançar o que buscou ao longo da vida com a sua escrita: esse impacto com a realidade, livre de restrições culturais, familiares, religiosas, filosóficas – crenças agarradas às fragilidades da existência. Um sopro de vida é a linguagem sem fôlego de uma voz consciente de sua partida – narradora e autora –, de uma voz que busca existir no presente da experiência. Esse feito torna a obra uma conquista literária significativa. Ângela sente o tempo fugindo, como sentiu Clarice, que morreu antes de concluir o livro.

A escrita de Clarice desafia o pensamento convencional, onde cada palavra escrita nasce das sombras e do silêncio que nos envolvem, do espírito que habita dentro de nós. Fonte enigmática, linguagem do risco rompendo os limites da familiaridade, questiona tudo de maneira implacável, submergindo o leitor num abismo vertiginoso de reflexões. Nesse sentido, desafiando o status quo para declinar na complexidade labiríntica da experiência humana, a linguagem de Clarice é atemporal, e as suas obras devem ser relidas constantemente, pois cada embate supõe nova iluminação.

“Eu, alquimista de mim mesmo. Sou um homem que se devora? Não, é que vivo em eterna mutação, com novas adaptações a meu renovado viver e nunca chego ao fim de cada um dos modos de existir. Vivo de esboços não acabados e vacilantes. Mas equilibro-me como posso entre mim e eu, entre mim e os homens, entre mim e o Deus.
Vivo em escuridão da alma, e o coração pulsando, sôfrego pelas futuras batidas que não podem parar.”
Isabeleleu 24/03/2024minha estante
Que resenha incrível. ?




Dyllan.Johnny 19/03/2024

Sinto necessidade de arriscar minha vida
?A sorte é as vezes não ter fé. Pois assim um dia você poderá ter A Grande Surpresa dos que não esperam milagres. Nada mais quero.?

Posso afirmar que este se tornou meu novo livro preferido da autora. Nada neste livro é óbvio; a cada parágrafo, somos levados a uma reflexão profunda, talvez até em cada frase. Especialmente para quem conhece um pouco da história de Clarice e sua propensão a brincar com palavras, a experiência se torna ainda mais íntima.

O famoso processo criativo de Clarice, onde ela busca tomar notas de seus pensamentos para só depois unificá-los em um livro, torna-se claramente evidente nesta obra. Aqui, ela escreve sobre tudo: a morte, a vida, o divino, a solidão, e até mesmo assuntos mais cotidianos, como quadros, animais e desejos.

Clarice tece uma trama onde as fronteiras entre ela e sua personagem se confundem, fazendo-nos questionar quem realmente é quem. A vertigem que sua obra provoca, ao envolver-nos nessa atmosfera questionadora e indagadora de tudo, é quase como um banho de vida para o leitor. Certamente releria este livro mil vezes mais.
marbook 19/03/2024minha estante
sensacional e poético, jhonny. ??


Samanta 19/03/2024minha estante
Sempre fico com vontade de ler Clarice após suas resenhas ?


Julia1894 19/03/2024minha estante
Agora fiquei com vontade de ler algo da Clarice só pela resenha kkkk


Thaisyy 19/03/2024minha estante
Um dos melhores dela !!! Clarice é espetacular


cowboylike.me 19/03/2024minha estante
espere até ler uma aprendizagem ou o livro dos prazeres!


_ijaqline 21/03/2024minha estante
esse vai na alma. meu favorito de clarice! ????


Isa_04 23/03/2024minha estante
Estou quase terminando ele, meu primeiro de Clarice ?. Comecei porque o ?senhor? estava falando demais dele rs Mas ler ele está sendo um encontro em meio aos meus desencontros?




Okayalaniss 27/02/2023

"História das coisas"
Esse livro tomou conta da minha cabeça, só conseguia pensar nisso do início ao fim.
Agora deixo aqui alguns destaques da leitura (alguns mesmo por que marquei praticamente o livro todo).

"De repente as coisas não precisam mais fazer sentido. Satisfaço-me em ser. Tu és? Tenho certeza que sim. O não sentido das coisas me faz ter um sorriso de complacência. De certo tudo deve estar sendo o que é." P.11

"Sou feliz na hora errada. Infeliz quando todos dançam." P.12

"Saber desistir. Abandonar ou não abandonar ? esta é muitas vezes a questão para um jogador. A arte de abandonar não é ensinada a ninguém. E está longe de ser rara a situação angustiosa em que devo decidir se há algum sentido em prosseguir jogando. Serei capaz de abandonar nobremente? ou sou daqueles que prosseguem teimosamente esperando que aconteça alguma coisa? como, digamos, o próprio fim do mundo? ou seja lá o que for, como a minha morte súbita, hipótese que tornaria supérflua a minha desistência?" P.13

"Esquecer-se de si mesmo e no entanto viver tão intensamente." P.13

"Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que está oculto e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar. Para escrever tenho que me colocar no vazio. Neste vazio é que existo intuitivamente. Mas é um vazio terrivelmente perigoso: dele arranco sangue. Sou um escritor que tem medo da cilada das palavras: as palavras que digo escondem outras - quais? talvez as diga. Escrever é uma pedra lançada no poço fundo." P.13-14

"Sou uma paisagem cinzenta e azul." P.14

"Há tantos anos me perdi de vista que hesito em procurar me encontrar. Estou com medo de começar. Existir me dá às vezes tal taquicardia. Eu tenho tanto medo de ser eu. Sou tão perigoso. Me deram um nome e me alienaram de mim." P.15

"O instante já é feito de fragmentos" P.19

"Tenho que ter paciência para não me perder dentro de mim: vivo me perdendo de vista. Preciso de paciência porque sou vários caminhos, inclusive o fatal beco sem saída." P.29

"Ei-la que se aproxima um pouco mais. Depois senta-se ao meu lado, debruça o rosto entre as mãos e chora por ter sido criada. Consolo-a fazendo-a entender que também eu tenho a vasta e informe melancolia de ter sido criado." P.29

"Angela não sabe que é personagem. Aliás eu também talvez seja o personagem de mim mesmo. Será que Ângela sente que é um personagem? Porque, quanto a mim, sinto de vez em quando que sou o personagem de alguém. É incômodo ser dois: eu para mim e eu para os outros." P.30

"Estou me sentindo como se já tivesse alcançado secretamente o que eu queria e continuasse a não saber o que eu alcancei. Será que foi essa coisa meio equívoca e esquiva que chamam vagamente de "experiência"?" P.32

"Estou com impressão de que ando me imitando um pouco. O pior plágio é o que se faz de si mesmo." P.35

"Faço o possível para escrever por acaso. Eu quero que a frase aconteça. Não sei expressar-me por palavras. O que sinto não é traduzível. Eu me expressomelhor pelo silêncio. Expressar-me por meio de palavras é um desafio. Mas não correspondo à altura do desafio. Saem pobres palavras!." P.37-38

"Que esforço eu faço para ser eu mesma. Luto contra uma maré em nau onde só cabem meus dois pés em frágil equilíbrio ameaçado." P.40

"Viver é um ato que não premeditei. Brotei das trevas. Eu só sou válida
para mim mesma. Tenho que viver aos poucos, não dá para viver tudo de uma vez." P.40

"Eu tenho que ser minha amiga, senão não aguento a solidão. Quando estou sozinha
tenho medo de de repente procuro pensar porque pensar uma coisa nova demais para mim mesma." P.41

"Eu não tempo nenhuma missão: vivo porque nasci. E morrerei sem que a morte me simbolize." P.43

"De repente eu me vi e vi o mundo. E entendi: o mundo é sempre dos outros. Nunca meu." P.47

"Por medo da loucura, renunciei à verdade. Minhas ideias são inventadas. Eu não me responsabilizo por elas. O mais engraçado é que nunca aprendi a viver. Eu não sei nada. Só sei ir vivendo. Como o meu cachorro. Eu tenho medo do ótimo e do superlativo. Quando começa a ficar muito bom eu ou desconfio ou dou um passo para trás. Se eu desse um passo para a frente eu seria enfocada pelo amarelado de esplendor que quase cega." P.47

"?Ângela é muito parecida com o meu contrá-
rio. Ter dentro de mim o contrário do que sou é em essência imprescindível: não abro mão de minha luta e de minha indecisão e o fracasso - pois sou um grande fracassado - 0 fracasso me serve de base para eu existir. Se eu fosse um vencedor? morreria de tédio. "Conseguir" não é o meu forte. Alimento-me do que sobra de mim e é pouco. Sobra porém um certo secreto silêncio." P.48

"Mais que tudo, me busco no meu grande vadio." P.49

"Como contato praticamente permanente com a lógica surgiu-me um sentimento que nunca antes eu experimentara: o medo de viver, o medo de respirar. Com urgência preciso lutar porque esse medo me amarra mais do que o medo da morte, é um crime contra mim mesmo. Estou com saudade de meu anterior clima de aventura e minha estimulante inquietação. Acho que ainda não caí na monotonia de viver. Dei ultimamente para suspirar de repente, suspiros fundos e prolongados." P.50

"A princípio eu não pude me associar a mim mesma. Cadê eu? perguntava-me. E quem respondia era uma estranha que me dizia fria e categoricamente: tu és tu mesma. Aos, à medida que deixei de me procurar fiquei distraída e sem intenção alguma. Eu sou hábil em formar teoria. Eu, que empiricamente vivo. Eu dialogo comigo mesma: exponho e me pergunto sobre o que foi exposto, eu exponho e contesto, faço perguntas a uma audiência invisível e esta me anima com as respostas a prosseguir. Quando eu me olho de fora para dentro eu sou uma casca de árvore e não a árvore. Eu não sentia prazer. Depois que eu recuperei meu contato comigo é que me fecundei e o resultado foi o nascimento alvoroçado de um prazer todo diferente do que chamam prazer." P.51

"Não quero ser somente eu mesma. Quero também ser o que não sou." P.54

"Eu me dou melhor comigo mesma quando
estou infeliz: há um encontro. Quando me sinto feliz, parece-me que sou outra. Embora outra da mesma. Outra estranhamente alegre, esfuziante, levemente infeliz é mais tranquilo." P.54

"Na última vez foi questão de segundo. Caio felizmente na cama e eis o vazio, e logo depois eu dizia a mim mesma: não foi nada, já passou." P.60

"Acordei hoje com tal nostalgia de ser fe-
liz. Eu nunca fui livre na minha vida inteira. Por dentro eu sempre me persegui. Eu me tornei intolerável para mim mesma. Vivo numa dualidade dilacerante. Eu tenho uma aparente liberdade mas estou presa dentro de mim. Eu queria uma liberdade olímpica. Mas essa liberdade só é concedida aos seres imateriais. Enquanto eu tiver corpo submeterá às suas exigências. Vejo a liberdade como uma forma de beleza e essa beleza me falta." P.61

"Fiquei sozinha um domingo inteiro. Não telefonei para ninguém e ninguém me telefonou. Estava totalmente só. Fiquei sentada num sofá com o pensamento livre. Mas no decorrer desse dia até a hora de dormir tive umas três vezes um súbito reconhecimento de mim mesma e do mundo que me assombrou e me fez mergulhar em profundezas obscuras de onde saí para uma luz de ouro. Era o encontro do eu com o eu. A solidão é um luxo." P.71

"Eu escondo de mim o meu fracasso. Desisto. E tristemente coleciono frases de amor. Em português é ?eu te amo". Em francês - "je t'aime". Em inglês - "I love you". Em italiano - "io t'amo". Em espanhol - "yo te quiero". Em alemão - "Ich liebe dich", está certo? Logo eu, a mal-amada. A grande decepcionada, a que cada noite experimenta a doçura da morte." P.73

"Eu vou me acumulando, me acumulando ? até que não caibo mais em mim e estouro em palavras." P.77

"Meu espetacular e contínuo fracasso prova que existe o seu contrário: o sucesso. Mesmo que a mim não seja dado o sucesso, satisfaço-me em saber de sua existência." P.79

"Também não suporto a felicidade aguda e solitária de me sentir feliz. Falta-me serenidade para receber as boas-novas. Quando fico feliz, me torno nervosa e agitada. A luz faísca brilhante demais para os meus pobres olhos." P.85

"Apesar de sagaz, não compreendo realmente o que está me acontecendo. E o mundo a me exigir decisões para as quais não estou preparada. Decisões não só a respeito de provocar o nascimento de fatos mas também decisões sobre a melhor forma de ser." P.95

"Gosto de palavras. Às vezes me ocorre uma frase solta e faruscante, sem nada a ver com o resto de mim. [...] Dizer palavras sem sentido é minha grande liberdade. Pouco me importa ser entendida, quero o impacto das sílabas ofuscantes, quero o nocivo de uma palavra má. Na palavra está tudo. Quem me dera, porém, que eu não tivesse esse desejo errado de escrever. Sinto que sou impulsionada." P.101

"Às vezes só pra me sentir vivendo, penso na morte. A morte me justifica." P.138

"Ah, melancolia de ter sido criado. Antes tivesse eu permanecido na imanescência da natureza. Ah, sabedoria divina que me faz mover-me sem que eu saiba para que servem as pernas." P.141

"Viver me deixa tão nervosa, tão à beira de. Tomo calmantes só pelo fato de estar viva: o calmante me mata parcialmente e embota um pouco o aço demasiado agudo da minha lâmina de vida. Eu deixo de fremir um pouco. E passo a um estágio mais contemplativo." P.149

"O esquecimento das coisas é minha válvula de escape. Esqueço muito por necessidade. Inclusive estou tentando e conseguindo esquecer-me de mim mesmo, de mim minutos antes, de mim esqueço o meu futuro. Sou nu." P.156

"Ser feliz é uma responsabilidade muito grande. Pouca gente tem coragem. Tenho coragem mas com um pouco de medo. Pessoa feliz é quem aceitou a morte. Quando estou feliz demais, sinto uma angústia amordaçante: assusto-me." P.161

"Estou cheio de recordações e tudo o que já é passado tem um toque de melancolia dolorida." P.164

"Minha ausência de mim me é dolorosa. Não há um ato em que eu me lance todo. E a grandiosidade da vida é lançar-se - lançar-se até mesmo na morte." P.172
Grazielle92 27/02/2023minha estante
Nunca li nada da Clarice, mas agora me deixou querendo saber mais!




@aprendilendo_ 13/12/2022

Resenha de Um Sopro de Vida
“Isto não é um lamento, é um grito de ave de rapina.” Assim começa Um Sopro de Vida, livro escrito por Clarice Lispector entre 1974 e 1977, o qual demonstra, com vivacidade, toda a melancolia filosófica dos últimos anos da grande autora brasileira. Publicada em 1978, um ano após a morte de Clarice, a obra tem cerca de 190 páginas e conta a história de um autor anônimo que, ao passar por uma crise existencial, decide criar uma personagem e por meio dela expor todas as suas questões sobre a vida.

Apesar de apenas ter sido diagnosticada com câncer no ovário alguns meses antes de sua morte, Clarice já demonstrava vários sinais de depressão desde um incêndio em 1967, o qual deixou a mão direita dela praticamente inutilizável. Nesse sentido, apesar de a obra ser composta pelos monólogos de dois personagens, a todo momento fica claro que, na verdade, trata-se de um desabafo da autora não só consigo e com os outros, mas também com Deus e o destino. Como consequência disso, a obra acaba por trazer uma intensa sensação de intimidade entre o leitor e a escritora, que, em cada palavra, apresenta seus pensamentos com uma sinceridade constrangedora, a qual varia entre a apatia e o sentimentalismo.

Dessa forma, caracterizado pela escrita simples e profunda de Lispector, o livro tem suas primeiras páginas com o Autor abordando sua necessidade de escrever como uma maneira de aliviar suas aflições. A partir disso, com a intercalação de pensamentos do Autor e de Ângela, tem-se o início de uma extraordinária reflexão existencialista envolvendo os questionamentos sobre o “ser”, a vida, o destino e Deus. Tal linha narrativa acaba por gerar uma ótima antítese ao leitor, o qual, conforme a leitura, experiencia a esperança e a depressão, o ódio e o amor, o desespero e a calma dos dois personagens de Clarice que, no fim, não passam de facetas de uma mesma personalidade genial.

Um Sopro de Vida é um livro intenso em cada palavra, o qual é capaz de demonstrar com plena vivacidade boa parte dos dramas emocionais e racionais de Clarice Lispector em seus últimos anos de vida. Vale a pena a leitura.

Nota: 9,8
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Marine 28/01/2024

Primeiramente, devo dizer que esse é o primeiro livro que leio da autora, provavelmente deveria ter começado com outro.

"Um sopro de vida" é um livro muito bonito, em vários momentos eu entrei na cabeça de Ângela Pralini e ela na minha, em vários momentos me identifiquei com a personagem, em outros, nem tanto.

Mas apesar de frases incríveis que nos fazem refletir, a leitura simplesmente não me pegou. Não que seja um livro ruim, mas pelo menos não foi o certo pra mim nesse momento.

Quem sabe daqui a uns anos eu não releio e minha opinião muda?
zxsaturno 28/01/2024minha estante
Meu Deus, uma estrela e meia...? Eu amo esse livro demais.


Favodemel00 28/01/2024minha estante
Realmente não devia ter começado por esse. Recomendo que tente os contos.


x_lauram 28/01/2024minha estante
a hora da estrela é um ótimo livro pra começar a ler clarice, esse até hj não tenho coragem pra ler KKKK


chamadebel 28/01/2024minha estante
meu primeiro de clarice foi "perto do coração selvagem" e para mim valeu muito a pena, recomendo ?




Luciano 17/07/2021

Muito bom.
"Tem sentido correr tanto atrás da felicidade, será que basta ser feliz? Será que ser feliz é um estado de tolerância?"
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spoiler visualizar
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Amy 17/06/2021

Uma transe, uma conversa de si para si.
Amei e recomendo.
"Depois que vivo é que sei que vivi. Na hora o viver me escapa. Sou uma lembrança de mim mesma."
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_ijaqline 27/08/2023

Mais que tudo, me busco no meu grande vazio.
"eu escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém. provavelmente a minha própria vida.
estou viva ainda embora quase à morte."

me faltam palavras, isso aqui é CLARICE em sua forma mais linda, sensível e humana.
Isa_04 23/03/2024minha estante
De um livro que está me ?cobrindo???




layla160 27/09/2023

Vivo me perdendo de vista
Sobre o livro que tem minha alma;
meu coração;
minha mente;
minha vida e a morte.

é um livro puro que aborda reflexões de liberdade, vida, morte, imediatismo e, sobretudo, sobre dualidade.


"eu mal entrei em mim e assustada já quero sair"
O que clarice escreve dói porque é tudo muito nu. Por isso fere.
senti uma turbulência a todo momento.
a todo momento um sopro, fragmentos sobre a vida (e morte) sobre o eu, o outro ?

ângela, não precisei te desvendar, te achei em mim e me encontrei em você.
ângela é não-regras, é animal, corpórea, é crua e desnuda o inconsciente.

"Fiquei sozinha um domingo inteiro. Não telefonei para ninguém e ninguém me telefonou. Estava totalmente só. Fiquei sentada num sofá com o pensamento livre. Mas no decorrer desse dia até a hora de dormir tive umas três vezes um súbito reconhecimento de mim mesma e do mundo que me assombrou e me fez mergulhar em profundezas obscuras de onde saí para uma luz de ouro. Era o encontro do eu com o eu. A solidão é um luxo."

um livro que nunca recomendarei pois sinto que estarei entregando demais de mim.
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ana 02/08/2023

Código e enigma
Não preciso te desvendar, Ângela, pois te achei em mim e me encontrei em você. O espírito selvagem e desenfreado que não teme ser julgado. tenho que aprender com a Angêla e pensar que não temo a morte pois ela é inevitável, mas sim temo a vida porque ela é imprevisível. Quanto mais eu leio de Clarice mais eu me encanto e, eu não pretendo parar. Que narrativa genial. concluí que assim como notei em mim, Angela também é o espírito selvagem do autor, quando ele declara o ódio, ele a odeia porque ela é mais livre do que ele, mais pura, mais leve. O autor sou eu, nos bastidores das vivências insanas. O final me deixou estática, eu leria continuações, leria fragmentos e folhetins de ?um sopro de vida?. Este livro tem meu coração, minha alma, minha mente, minha vida e a minha morte.
Bia 03/08/2023minha estante
Tô doida pra ler esse aaaaa


ana 03/08/2023minha estante
@Bia simplesmente o meu favorito dela até agora, por favor leia




Erika.Santos 19/06/2023

Confesso que demorei a ler e não por ser uma leitura ruim mas por me sentir reflexiva a cada pág com estalos de consciência e o ritmo por ser tão fluido e rápido fez com que eu voltasse várias e várias vezes em algum trecho que me prendeu de corpo inteiro ler clarice me faz sentir compreendida em palavras.
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Carla Macedo 30/10/2010

Ah... "É uma questão de fôlego de sopro vital" (p140)
Acabo de ler. Por enquanto, ainda estou no calor da emoção e deixo esse registro para que depois, à luz da razão, quando vier, colocar minhas impressões sobre este livro.

Me despedi de Clarice, com bastante emoção, na página 157.

"Pensar é tão imaterial que nem palavras tem. Nunca se esquecer, quando se tem uma dor, que a dor passará: nunca se esquecer que, quando se morre, a morte passará. Não se morre eternamente. É só uma vez, e dura um instante."

Clarice, até breve!

Recomendo a leitura. Entenderão este registro após lê-lo. Fascinante.

Alexandre Kovacs / Mundo de K 29/10/2010minha estante
Ótima resenha, emocionante!




Lilies_. 21/05/2023

Todo mundo tem uma Ângela na cabeça
Nunca me sentir tão conectada com um livro como esse, há tantos pensamentos que são meus que me sentir sendo pega no flagra. Essa é grandiosidade da Clarice: por em palavras sentimentos que ninguém já pôs. Adoro que ele livro fala sobre a morte, não de uma maneira melancólica, mas da forma que ela é: uma fase das nossas vidas
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