Léia Viana 17/09/2014
"Depois de todas as tempestades e naufrágios, o que fica de mim em mim é cada vez mais essencial e verdadeiro".
"Remexendo, e com alergia a pó, as dezenas de pastas em frangalhos, nunca tive tão clara certeza de que criar é literalmente arrancar com esforço bruto algo informe do Kaos. Confesso que ambos me seduzem, o Kaos e o in ou dis-forme. Afinal, como Rita Lee, sempre dediquei um carinho todo especial pelas mais negras das ovelhas."
É muito difícil não ser passional em relação a Caio. Sim, Caio. Sinto-me intima dele, de suas palavras, de seus contos, é como se Caio me colocasse em alguns de seus textos, como se eu fosse sua amiga, sua confidente, como se trocássemos segredos e não nos revelássemos um ao outro. Como se soubéssemos tudo e não ficássemos com nada um do outro. Caio me entende.
Esta é uma resenha de uma mulher apaixonada, que vibrou em cada linha lida desse livro e que se sente incapaz de escrever algo significativo que honre a beleza desta obra. Ovelhas Negras trás consigo não somente contos, fragmentos, tem um pouquinho do que Caio viveu, muito pouco, mas, como fã que sou, todo pouco é sempre muito bem vindo.
Ovelhas Negras nasceu aos poucos, dos 14 aos 46 anos de Caio, mudou muito de lugar da fronteira com a Argentina à Europa o primeiro capítulo, (ainda não sei se devo chamar a divisão dos textos deste livro assim) começa com um romance, escrito por volta dos 14 anos do escritor, cheios de clichês, quase nada faz lembrar o seu estilo literário. Algumas partes do livro vêm, acompanhada com pequenos trechos de Clarice Lispector, Mario Quintana, Sylvia Plath, Hilda Hilst, Antonio Bivar. Fragmentos que combinam imensamente com toda a obra.
"Estranho, mas é sempre como se houvesse por trás do livre-arbítrio um roteiro fixo, predeterminado, que não pode ser violado. Um roteiro interno que nos diz exatamente o que devemos ou não fazer, e obedecemos sempre, mesmo que nos empurre para aquilo que será aparentemente pior. O pior às vezes é justamente o que deveria ser feito?"
A obra como um todo é especial, mas os contos/textos que mais gostei foram: Lixo e purpurina, que reúne fragmentos do ano de 1974, período em que Caio viveu em Londres, como o próprio escritor esclarece é uma espécie de diário, em partes verdadeiros e em outras ficcional. O príncipe Sapo, tão atual, tão perfeitamente contemporâneo que precisei ler várias vezes o miniprefácio, para convencer a mim mesma que tinha sido escrito e publicado pela primeira vez em 1966; e Anotações sobre um amor urbano, uma narrativa profundamente poética, linda.
"Não temos culpa, tentei. Tentamos."
Leitura recomendada!