gleicepcouto 11/12/2012Abordagem criativa e cáustica do grande e temível “E se?”http://murmuriospessoais.com/?p=5208
***
O Mundo Pós-Aniversário (Intrínseca), da autora e jornalista norte-americana Lionel Shriver, é o oitavo livro de uma lista de nove já escritos. No Brasil, além deste, já foram lançados Precisamos Falar Sobre Kevin (que foi base para o filme de mesmo nome) e Tempo é Dinheiro (resenha aqui).
Shrive nos apresenta a norte-americana Irina, ilustradora de livros infantis, que mora em Londres com o parceiro, Lawrence. Ele tem um bom emprego (aliás, por conta disso que moram em Londres), é inteligente e disciplinado; ou seja: um bom partido. O casal parece sólido para a maioria das pessoas, e até para eles mesmos.
Um dia, porém, essa estrutura se abala. Quando saem para jantar com um casal de amigos, Irina sente uma louca vontade de beijar o marido de sua colega: o jogador de sinuca mega conhecido, Ramsey.
Todo o desenrolar da história parte daí. Afinal, Irina cede a esse desejo ou não? Que rumo sua vida pode tomar para cada uma dessas duas situações? Podemos controlar as consequências de nossos atos?
Diva, segundo o dicionário Aulete Digital: "sf. 1. Divindade feminina; DEUSA." E é exatamente isso que a Lionel Shriver é. A cada livro que leio dela, mais me surpreendo com sua capacidade de inserir sentimento, ambiguidade e realismo ao caracterizar a sociedade atual. As páginas exalam contemporaneidade, expressada por personagens ambivalentes e crus. Resumindo: dá gosto de ler um livro assim. Instigante e inteligente, que leva o leitor além do básico com um desfecho surpreendente. Na verdade, o final é a grande sacada - mesmo com um possível sentimento de raiva encubado.
A história criada pela autora gira em torna de escolhas. E se você é como eu, que acha toda escolha um parto, sinto (!) dizer que vai ficar tensa com esse livro. A todo o momento, conhecemos a vida da protagonista por dois pontos de vistas diferentes: A e B. Se ela tivesse beijado o cara, sua vida seria A; caso contrário, sua vida seria B. O grande e temível “E se?”. O mais genial é que tanto A quanto B afligem o leitor, mas também faz com que ele torça pela personagem. Há situações boas e ruins em qualquer uma das opções. E não é assim na vida real? Somos responsáveis pelas nossas escolhas e temos que arcar com tudo o que vem com elas.
A capacidade do ser humano de nunca estar satisfeito é tratado de forma cáustica; a efemeridade do momento e das pessoas causa desconforto; as reflexões maduras e oportunas em torno do já citado “E se?” lança dúvidas em nossas próprias escolhas na vida. É um livro que interage com o leitor de maneira agridoce: a mesma realidade que te faz perceber coisas é a que te machuca.
O amor expresso pela Shriver não é aquele idealizado de “Óh-como-te-amo-muito-e-até-seu-peido-é-cheiroso.” Acorda, gente! Ela fala sobre o modo como escolhemos quais pessoas amar e o amor aqui é real. Tem sentimentos, emoções, é carnal. Por outro lado, há conflitos, ciúmes, mesquinharia e até inveja! Vai dizer que não se identifica? Não? Vai pra terapia que você mesmo tá se enganando, fofa(o).
A abordagem psicológica em O Mundo Pós Aniversário vem carregada da marca já característica de Lionel Shriver. Seus personagens querem e não querem. Amam e odeiam. Se importam e não dão a mínima. Ou seja, é um retrato fiel de pessoas comuns, como eu e você. Qualidades? Muitas. Defeitos? O dobro.
Aqui, porém, também conseguimos perceber uma Shriver se aventurando mais, como se quisesse descobrir os limites do seu estilo único. As descrições são um pouco mais arrastadas que os demais livros dela, mas de forma alguma, mal redigidas. Precisando apenas, talvez, de aparar as arestas, ou de alguém que dissesse: “Ok, já entendi. Próximo assunto.”
Em todo caso, a autora ainda continua em larga vantagem em relação aos demais colegas da área literária. Além de saber escrever, seus livros sempre tem premissas interessantes e personagens altamente identificáveis. Quando digo que a mulher é Diva não é à toa.