Retalhos e Prefácios 30/05/2017
Por quanto ultrapassaríamos os limites dos "bons costumes e da decência moral"?
O livro é realmente tudo aquilo que sua sinopse promete. Suas questões são - de fato - polêmicas e nos levam a refletir. Os contos são curtinhos, achei que eu o leria em uma sentada só, mas isso não aconteceu. Alguns contos eu cheguei a reler umas duas ou três vezes.
Antes que você pense que a linguagem é difícil e por isso as releituras, já explico: não. A narrativa de Felipe é super fluída, a gente se envolve nos contos com bastante facilidade, nos transportamos para o cenário que ele descreve e conseguimos ter raiva e empatia dos personagens na dose certa. Acontece que, realmente, tudo o que ali é narrado, me levou a várias reflexões sobre a vida, o mundo, o cenário político atual, o papel da mulher na sociedade, machismo (sempre), prostituição e muitas outras coisas e, por isso, fiz as releituras, pois, cada vez que relia, novas reflexões surgiam.
Como um bom livro de Contos, "Grana Torpe" com certeza impactará cada leitor de uma maneira diferente. Vai depender de suas vivências, de sua maneira de ver e sentir o mundo. Eu falo muito isso aqui quando trago livros desse gênero, mas levem como uma constatação seguida de elogio, pois é, justamente assim, que eu penso que deve ser este tipo de leitura. E, quando o autor alcança essa característica, agrada-me muito como leitora e indico com prazer!
No entanto, a narrativa que o autor nos proporciona não é das mais tradicionais - o que não deixa a desejar em nenhum aspecto, pelo contrário, é um ingrediente rico na leitura.
Dito isto, vamos ao que nos interessa!
torpe
ô/
adjetivo de dois gêneros
1.
que contraria ou fere os bons costumes, a decência, a moral; que revela caráter vil; ignóbil, indecoroso, infame.
2.
que causa repulsa; asqueroso, nojento.
O que somos capazes de fazer por dinheiro? Até aonde somos capazes de ir por grana? Qual o limite entre o necessário e o exagero? Por quanto ultrapassaríamos os limites dos "bons costumes e da decência moral"?
Perguntas como essa rondaram a minha cabeça a partir do momento que abri a primeira página do livro e vesti a "capinha" dos personagens. E, a partir desses questionamentos, que levei o restante da leitura.
"Há duas tragédias na vida: uma, a de não satisfazermos os nossos desejos; a outra, a de os satisfazermos." - Oscar Wilde
É com essa frase incrível de Wilde, que Felipe nos apresenta sua obra. Já no prefácio, podemos ter uma ideia da qualidade de escrita que podemos esperar do autor. Muito claro e objetivo, ele nos ambienta ao universo capitalista no qual estamos inseridos mas, muitas vezes, fechamos os olhos e seguimos, e nos dá um choque de realidade, trazendo-nos para bem perto do que vem a seguir!
"A sociedade global atual, consumista e capitalista de livre mercado, filha das revoluções industrial, científica e tecnológica, é conduzida por uma economia internacional que se lança diariamente numa corrida inesgotável pelo crescimento. E por esse crescimento desenfreado e perigoso, é que bilhões de pessoas têm suas vidas afetadas diretamente por conta do consumo desmedido, acreditando na necessidade forjada por grandes conglomerados globais de que a felicidade e o bem estar residem apenas acepção de bens materiais, trazendo inúmeros problemas relacionados a este estilo de vida." - pág. 7
Os Contos de Felipe mostram de maneira bem extrema, como o poder monetário influencia na vida das pessoas, e os crimes e absurdos que podem levá-las a cometerem.
Alguns contos me tocaram de forma mais profunda, como foi o caso de "Liberdade", onde temos um pai que vive da exploração sexual da própria filha de 14 anos. E, o final é simplesmente incrível. Vale muito a leitura e não vou me estender porque qualquer coisa que eu diga estragaria muitas sensações que vocês podem ter com ele.
O único conto que me despertou um certo incômodo foi "Carros". Foi o único que não rolou qualquer empatia pelos personagens envolvidos e, embora esteja no desfecho a maior reflexão, o todo não me convenceu! Os demais contos são todos bastante fortes, bem amarrados, com o desenrolar bem construído, ficando isto em falta no conto referido, em minha opinião.
Quando chegamos ao final do livro, qualquer incômodo é posto de lado. Felipe me surpreendeu verdadeiramente com a maneira que encerrou a trama. Sabe aqueles livros que deixam a gente boquiaberta? Entããããão...
Mas para saber o motivo, só lendo. Esse tempero é essencial e você precisa, realmente, ler esse livro livre do máximo de spoiler possível!!!
Cada detalhe é importante e enriquece nossas reflexões. Aprecie "Grana Torpe" e permita-se degustar de cada conto que, muitas vezes, vai descer amargo. De forma alguma sendo isto um fator negativo mas, sim, porque lidamos, em cada parágrafo, com a alienação em que estamos sujeitos a nos envolver quando não detemos o controle de todo nosso entorno, dos males do capitalismo e suas consequências.
Seria a desigualdade social um fator único a levar as pessoas aos seus extremos em busca por dinheiro "a todo custo"? Hum.... Será?
Essa trama, que nutre um mistério bastante surpreendente, vai te fazer sentar e pensar muito em nossa sociedade, sim. Mas, com certeza, vai fazê-lo pensar em si mesmo. Creio nisso! Um mínimo de sensibilidade será suficiente para que você encarne os personagens e compreenda as dificuldades de cada um: concordando, ou enojando-se.
E no final... Que vontade de abraçar o livro e dar um abracinho! (hahaha sou dessas quando o saldo é bem positivo pra vida!!!)
Estaríamos chegando próximo da extinção dos valores humanos, decorrente da busca incessante por mais e mais dinheiro?
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