Outrora

Outrora Jayme Mathias Netto




Resenhas - Outrora


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JaymeMathias 28/03/2017

Texto sobre Outrora
Outrora: Crônica de uns dias Perdidos é uma obra difusa e expressiva. Nela há de tudo, de devaneios a esboços filosóficos. O livro conta a estória de Marcel Leônidas Padilha (narrador da obra), um simples vendedor, e de seu mestre Assis de Sá Carneiro. A obra resulta do encontro desses dois personagens. A temática que domina suas reflexões é definitivamente o problema da linguagem. O mestre Assis de Sá representa aquele que, deslocado aos poucos das relações humanas, fia-se exclusivamente à escrita como única forma possível de expressão. Leônidas Padilha, tocado pelo mestre, também desaprende da fala apenas para exagerar na poesia. O pacto proposto pelo mestre ao discípulo revela o caráter anacrônico de um ritual praticamente excluído da sociedade contemporânea: o ritual da iniciação ao conhecimento interior.

Como já dito, a questão pertinente na obra remonta à linguagem. Mais especificamente ao problema da incomunicabilidade entre os seres humanos. Afinal, será que todos nós nos debatemos em vão para nos tornarmos compreendidos? Será que realmente há verdadeira comunicação? Sob tal desconfiança, emerge um ar de isolamento em toda a escrita, e sua própria razão de ser se deve à solidão.

Solidão e incomunicabilidade são aqui as condições que forçam a escrita a se multiplicar de vários modos. Por um lado, a impossibilidade de estar na mente de um outro, e por outro, a de expressar a própria consciência, geram a necessidade das variedades expressivas contidas na obra. Nela há prosa, poesia, narrativas insólitas, diálogos, aforismos, enfim, formas múltiplas oriundas da imprecisão inerente em toda expressão. O sentimento compartilhado por mestre e discípulo é o de que, já que há desentendimento em toda fala, resta assim, pelo menos, a válvula de escape da escrita.

Por fim, a marca do livro parece ser sempre bidimensional. Seu conteúdo aparente é literatura, mas sua forma essencial é filosofia. Por trás das construções poéticas há sempre a sombra de um conceito. É como se os pensamentos fossem dramatizados, ou seja, as imagens poéticas carregam ideias, concepções, alusões a teorias e questões metafísicas, e, como diz o próprio autor: “Na filosofia me conheço, na arte me expresso”. Os pensamentos aparecem na obra como um pano de fundo no palco onde as figuras da imaginação fazem sua atuação. Essa dupla camada, filosofia e arte, compõem a substância da obra e contribuem para o seu conteúdo expressivo e reflexivo.

Ronney Cesar F. Praciano

Mestre pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Como interesse acadêmico, tem se voltado para a área de estudos sobre a mente, mais especificamente a partir do Empirismo Inglês, com ênfase no pensamento de David Hume. Atualmente, pretende estudar os Estados Alterados da Consciência e sua possível relação com a Filosofia.

site: Outrora.net
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