Dhiego Morais 04/05/2017Belas Maldições: o Apocalipse é nesse sábado. Usem a melhor roupa =)A minha primeira experiência com um livro de Neil Gaiman aconteceu há uns anos, com Um Oceano no Fim do Caminho, uma espécie de fábula muito interessante sobre infância e imaginação. Admito que eu desconhecia Belas Maldições, e, ainda mais, a escrita de Terry Pratchett. Quando soube do relançamento do livro pela editora Bertrand Brasil, corri para ler a sinopse e, inesperadamente, me percebi interessado na obra. Acabei por comprar ainda em pré-venda — o que eu raramente faço — e posso dizer: valeu muito a pena esse momento impulsivo.
Belas Maldições é um livro muito curioso; é o livro sobre os nossos dias finais — ou mais ou menos isso. De uma forma extremamente bem humorada, cheia de cinismo, ironias marotas e um sarcasmo dosado nos momentos certos, os leitores são encaminhados por uma estrada antiga e que só leva a um lugar: o Apocalipse!
“Dizem que o Diabo tem as melhores músicas. Isso é em grande parte verdade. Mas o Céu tem os melhores coreógrafos”.
A obra desses dois grandes autores tem como prólogo o próprio Início, quando Anjo e Serpente conversam sobre a repercussão de determinado evento envolvendo uma maçã no mínimo proibida. O que aparentemente parece ser uma conversa sem importância demonstra, na verdade, muita sagacidade na composição de uma alegoria e desconstrução da figura de Bem e Mal. A cena entre criaturas inicialmente opostas abre brecha para questionamentos sobre a nossa real natureza, enquanto faz germinar a empatia por essa breve demonstração de uma inesperada amizade.
O livro pode ser dividido em três partes principais: O Início, Onze Anos Antes e o Presente. A segunda parte é a que dá o propósito de Belas Maldições existir, e isso envolve uma tremenda trapalhada de uma freira... ahn, bem... satanista.
O Anticristo finalmente veio ao mundo, e para que o Grande Plano Divino siga adequadamente, uma troca de bebês deve ser realizada em um convento pouco ortodoxo. O que não estava nos planos era o deslize de uma freira distraída, cujo erro pode ser capaz de ameaçar o próprio Armagedom.
“Era o começo da manhã de sábado, o último dia do mundo, e o céu estava mais vermelho do que sangue”.
Aziraphale é um anjo em meio expediente, dividindo o seu tempo cuidando de sebo na Inglaterra. Crowley é um demônio atuante na mesma região, ex-serpente, cheio de estilo, dono de um Bentley em que quase sempre toca Freddie Mercury. As duas criaturas convivem com os seres humanos desde o início dos tempos (ah, e por sinal, a Terra é libriana!) e enxergam na ameaça ao Apocalipse, uma aliança ímpar capaz de salvar o mundo da Grande Batalha entre Céu e Inferno, afinal, eles se apegaram demais àquele mundinho terreno.
Em sua busca por encontrar o verdadeiro Anticristo, Aziraphale e Crowley encontrarão Anathema, uma jovem ocultista, dona de “As Justas e Precisas Profecias de Agnes Nutter, a Bruxa” — guardem esse nome, sério, Agnes é uma das bruxas mais sagazes e marotas que eu já li —, um livro importantíssimo de profecias escrito no século XVII. Além disso, trombaremos no meio do caminho com um caçador de bruxas fanático por mamilos e seu iniciado, Newt; um Metatron irritado; Belzebu e outros demônios; os próprios Cavaleiros do Apocalipse; uma Médium à procura de um romance; os Eles; um entregador sem muita sorte e o Cão do Inferno que todos gostariam de ter. Tudo isso em uma trama divertida, com carros em chamas, explosões e um ou outro humano sendo devorado por demônios.
No meio do Caos que o maior evento que a Terra já viu sofre, os dias finais carregam reflexões sobre a nossa própria natureza, sofre a fé e sobre a consequência de vários atos, sempre com o toque imaginativo de Gaiman e o humor eloquente de Pratchett.
“O Inferno não era um grande reservatório de maldade, não mais do que o Céu, na opinião de Crowley, era uma fonte de bondade. Eles eram apenas lados do grande jogo de xadrez cósmico. Onde se encontrava a coisa em si, a verdadeira graça e a verdadeira treva da maldade, era bem no interior da mente humana”.
Belas Maldições está repleto de notas de rodapé, com explicações e comentários divertidos, que podem quebrar o ritmo em certos momentos, porém não deixam de ser fantásticos. A única ressalva de verdade fica por conta de uns erros de revisão que persistem mesmo nesta décima quarta impressão.
A jornada de anjo e demônio será um absurdo delicioso cheio de ironias, sarcasmo e momentos capazes de roubar gargalhadas, tudo travestido de diversão e seriedade quase indistinguíveis na medida em que as páginas voam. Hoje é quarta-feira e o mundo vai acabar no SÁBADO! Corram para comprar as melhores “brusinhas", afinal, o tempo promete ficar uma loucura em poucas horas!
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