paristexas 29/08/2023
You took my sadness out of context.
Eu sinto Clarice. Entender, não sei se entendo. Aliás, não sei se entender é a chave que abre a fechadura de Clarice. Acho que é sentir. Entender com o coração.
Sempre ouvi falar de como ela é uma mulher melancólica, angustiada, deprimida. Esses dias li a frase "algumas pessoas morrem em vida", se referindo à ela. Que bobagem. Lendo Clarice, percebo que ela é bem sensível. Essa sensibilidade é mal interpretada, incompreendida. Acredito que ela era apaixonada pela vida, ou, pelo menos, muito interessada, mesmo com suas dificuldades. Li frases do tipo "pois juro que a vida é bonita" "não suponho mais, digo apenas 'sim' ao mundo" "mas juro que há em meu rosto sério uma alegria até mesmo divina para dar" "repito por pura alegria de viver: a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não vale a pena" "ser mãe do mundo era meu amor apenas livre" e várias outras nessa coletânea de textos dela. Li descrições apuradas do mar, de árvores, de bichos, de outras pessoas, de situações corriqueiras e de sentimentos nas obras que foram selecionadas para fazer parte do Aprendendo A Viver. Textos sobre acordar de madrugada, sobre um desconhecido sorrir para ela na rua, sobre pegar um táxi. Só consegue prestar tanta atenção a cada detalhe de tudo a rodeia quem é fascinada pela vida e pelo mundo. Quem se deixa ser tocada pela experiência de estar viva. E ser assim é consequência de uma sensibilidade extrema. Mas, como nem tudo na vida é bom, se abrir para cada coisinha que ela nos dá pode causar muito sofrimento também. Acho que o segredo de Clarice era olhar para esse sofrimento como parte de algo muito maior que a interessava como um todo, e não com recortes: viver. A vida não seria o que é sem o sofrimento. A raiva, a tristeza, a dor e etc são tão naturais quanto a alegria, o alívio. É tudo parte de um milagre. Só uma pessoa com o coração aberto, como era o dela, consegue perceber tudo isso. Não é fraqueza. Não é triste. É delicado. Eu sinto ela quando a leio, e sinto muito.