Marina 28/04/2022
Umas das resenhas daqui do Skoob dizia que achou o livro problemático, por reforçar estereótipos. Achei essa visão interessante, porque minha interpretação foi completamente oposta.
Pra começar, o autor, Marcelino Freire, é um homem branco. Isso é relevante, porque leva a gente a pensar: "como um homem branco vai escrever sobre pessoas negras? Ele não tem lugar de fala".
No entanto, justamente por ser um homem branco, Freire tem bastante cuidado à hora de falar sobre esses sujeitos marginalizados por trás de cada conto.
A voz dessas pessoas é bastante visível em cada relato. A leitura evoca imagens bem nítidas. Em alguns momentos, eu tive a sensação de estar lendo a transcrição de uma entrevista, ou vendo um documentário. Cada expressão usada, cada modo de fala e cada opinião presentes no texto provocava um efeito de realidade extremamente forte.
Entendo que o skoobista tenha achado estereotipado, já que, no fim das contas, estão sendo retratados aqui sujeitos pobres e "sofridos". A diferença, porém, de retratar essa galera seguindo um estereótipo (ou não) está em que Freire não tenta falar por essas pessoas, desde a sua visão privilegiada e dos seus achismos, mas fazer com que elas falem por si mesmas.
No conto "Solar dos Príncipes", por exemplo, por meio da história de um grupo de amigos, ele critica a naturalidade com a qual cinegrafistas entram no morro, gravam tudo o que rola por lá e voltam pra suas casas, mas não permitem que os jovens do morro saiam de onde moram para filmar um condomínio chique. Os jovens da periferia, pra eles, só servem como objeto de estudo, mas nunca podem ser os estudiosos. Essa crítica é MUITO F*DA!
Para além da representação tradicional do homem negro super viril e agressivo e da mulher negra guerreira e batalhadora, no livro também temos meninos negros e gays, que apenas querem encontrar o amor; pessoas iletradas que, ao contrário do que se poderia esperar, não querem aprender a ler e escrever (pois não enxergam sentido nisso); conhecemos uma criança que quer muito ser a Xuxa; lemos sobre a prostituta que quer arrumar um bom homem...
Mais do que reforço de estereótipos, Freire nos convida a pensar no outro, nas suas vivências, no seu ponto de vista. Até mesmo o ponto de vista doentio de um pedófilo!
Achei uma leitura super enriquecedora, por vezes desconfortável, mas muito importante. Quem não leu ainda, deveria :)