Natália Tomazeli 26/01/2021Os animais são os únicos dignos de serem chamados de "humanos". O homo sapiens já perdeu sua humanidade faz tempo"Eles - os humanos, quero dizer - parecem acreditar que o que os separa dos outros animais é sua habilidade de amar, sofrer, sentir culpa, pensar abstratamente et cetera. Estão enganados. O que os separa é seu talento para o masoquismo. É aí que reside seu poder. Ter prazer na dor, tirar forças da privação, isso é ser humano."
Estava aqui pensando como escrever essa resenha e me fazer entender, porque a grande maioria das pessoas que vão ler ela são pessoas carnistas (ou não veganas, como queiram nomear) e que não tem a mesma visão de mundo que eu tenho, visão essa que é completamente difícil de transmitir pros outros. Porque honestamente, esse livro foi enxergado e interpretado por mim completamente através dessa visão vegana, que é a minha visão de mundo. E as pessoas não entendem o impacto que um livro como esse pode ter em pessoas veganas, e o impacto é: absoluta raiva dos rumos que a raça humana tomou para com os animais e a natureza. E olha que eu não esperava sentir isso porque eu já sei essas coisas, eu já passei por esse período de "despertar", sei lá.
Eu não sei se o intuito da autora era chocar o público ou pegar as pessoas pelo sentimento mas é claro que esse livro não se trata de um simples livro fofinho sobre animais. Não tem nada romântico aqui, nenhum final feliz, nenhuma história de superação. Uma cópia perfeita da vida real onde os animais são completamente explorados e esgotados a míngua, direta e indiretamente, tudo pra suprir o ego e capricho humano. Seres completamente inocentes, puros, sem defeitos. Vi muita gente que não conseguiu acabar o livro pq ele é pesado, indigesto. Mas quem antes disso deu vozes aos animais dessa maneira? Eu nunca tinha lido um livro assim. Claro que já li as partes técnicas sobre diversos tipos de sofrimento animal. Presenciei e testemunhei muitas. Mas aqui, a autora personifica esses bichinhos com o intuito de talvez aproximar mais eles do leitor e faze-los entenderem suas dores, suas vidas, seus sofrimentos. Pq o ser humano é tão egoísta ao ponto de só compreender o sofrimento de seres que ele considera "superior". Animais são considerados seres inferiores, menos válidos, menos dignos e às vezes até sem capacidade de sentir dor, sede, fome e todas coisas básicas que faz parte de ser um ser senciente. Essa sacada pode parecer até enfadonha mas funciona pro tipo de mensagem que a autora quer passar. Além disso, quase todos os bichinhos apresentados estão inseridos em contexto de guerras criadas por caras por meras brigas políticas e interesses individuais. São vítimas de guerra que ninguém nem tem conhecimento. E me impressionou descobrir que até uns anos atrás, muitos animais ainda passavam pelos mesmos processos e viviam as mesmas vidas que as relatadas em alguns dos contos. Ninguém tem conhecimento disso, nem eu que sou engajada na causa animal tinha esse conhecimento. Eu não tinha refletido que ser anti-guerras também combinava com ser a favor dos animais, sempre pensei que fosse sobre ser a favor da vida das pessoas "apenas". Fui ingênua.
Vocês podem falar o que quiserem e acharem o que quiserem desse livro, mas não há como negar que foi um livro completamente bem feito e bem pensado. Em cada conto tem uma referência homenageando algum autor clássico que tenha ligação com algum animal em suas obras ou em sua vida geral. Mas é um fato que nem todo mundo tá preparado para ler um livro tão verdadeiro quanto esse. E a verdade dói, enfurece, machuca, revolta. Mas também liberta. E se você nem sequer se comover ou se questionar sobre a existência humana quando ler esse livro, bem... Isso diz muito mais sobre você do que sobre o livro.
"As mulheres humanas não precisam lembrar que são animais. Então porque seus homens continuam gritando isso aos quatro ventos, como se tivessem descoberto como transformar chumbo em ouro? Imagine um golfinho macho precisando de epifanias para se lembrar que é um animal! Mas nós somos especiais, seus homens afirmam, somos um caso especial entre os animais, e parte do que nos faz especiais é perguntarmos a mesma coisa: sou humano ou animal?Então eu pergunto de volta: vocês podem usar ecolocalização para saber exatamente onde o solo do oceano faz curvas, em todas as direções concebíveis? São capazes de atordoar a criatura que querem comer, apenas com o som? Podem sondar os corpos de suas extensas famílias e dizer imediatamente quem está grávida, quem está doente, quem foi ferido, quem almoçou o quê? O formigamento que muitos humanos sentem quando nos encontram não é por causa da endorfina, mas sim porque os escaneamos para conhece-los em todas as dimensões. Vemos através de vocês, literalmente. Um caso especial de fato. Talvez vocês devessem estar se fazendo outras perguntas. Por que às vezes tratam outras pessoas como humanos, às vezes como animais? E por que às vezes tratam criaturas como animais, e outras vezes como humanos?"