Ana 30/11/2020Meu Deus do céu, que livro horrorosoOlhe. Não tenho absolutamente nenhum problema com histórias leves, gostosinhas e fáceis de ler. Na verdade, sou fã desse tipo de coisa. Para mim, a leitura é meu momento de entretenimento, de diversão; vocês dificilmente me verão procurando um livro para ficar triste ou para ficar mega reflexiva; tenho momentos bem específicos para isso. Então não, meu problema não é com a história desse livro. A trama tem tudo para dar certo: romance, sexo e uma proposta de ser engraçadinho.
Mas, meu Deus, o que foi isso?
A trama delineia a história de Spencer e Charlotte, dois melhores amigos que são “obrigados” a ficarem noivos por conta da vida festeira do nosso queridão ali, que poderia atrapalhar uma negociação muito importante do pai. Como eu disse, história bobinha e gostosinha, eles vão se apaixonar e blá blá blá. Nice. Ok. Mas, repetindo: meu Deus, o que foi isso? A história é rasa – mas ok, eu não estou esperando lições de vida de um livro chamado Big Rock (Pedra Grande, o que não deixa muito espaço para a imaginação) com um homem suado na capa parcamente coberto por um diáfano lençol. Como eu disse, livros levinhos e gostosinhos para passar o tempo e ler em algumas horas. Mas nossa, é muito ruim. 1. Os personagens parecem ter 15 anos de idade. Sério. O playboyzão gostosão de piupiu imenso parece um aluno do 8º ano do Ensino Fundamental. Quase tudo que ele fala me traz vergonha alheia, suas interações são “cringey” ao invés de sexy. Deus amado, que protagonista LIXOSO. Poderia não ser o problema se o livro não fosse integralmente em 1ª pessoa, do ponto de vista dele. Mas como sou obrigada a ler os pensamentos do nosso queridão todas as páginas, se torna um problema que me deixa arrepiada de vergonha alheia. VERGONHA ALHEIA. 2. A “grande amizade” de Spencer e Charlotte – que, de acordo com ele, nunca foi pensada para o desejo, ele nunca havia sequer cogitado se relacionar romanticamente com a “melhor amiga” – em menos de 2 capítulos (ok, talvez um pouco mais, mas tô indignada aqui. Foi muito rápido, ok?) já dá lugar a uma paixão irrefreável e inacreditável, coberta de muito tesão que – veja só! – em quase uma década nunca havia sequer aparecido. É, no mínimo, fraco. Não é porque o livro é bobinho e gostosinho que não precisa me convencer. As melhores obras desse gênero o fazem, nos deixam suspirando e pensando: “Nossa, que incrível esse casal! Faz tanto sentido!”. E 3. Meu Jesus, quantos pontos de exclamação. Ao invés de denotar o que deveria – exclamações – são usados pra frases de efeito esquisitas e que infantilizam o livro num nível preocupante. Esse último ponto pode ter acontecido por conta da tradução, mas são perigosamente frequentes para esse ser o caso.
Se querem livros legais e nessa mesma temática, existe uma gama que posso recomendar: a série O Acordo, da Elle Kennedy, é excelente. Carina Rissi e Bianca Briones também são excelentes nomes – e brasileiras! – para se juntar a essas recomendações. E é nessa linha o debate que venho trazer. Por que estamos trazendo esses livros – que, diga-se de passagem, são RUINS – para o Brasil, ao invés de dar chances para autoras brasileiras que sem dúvida faria um trabalho infinitamente melhor? Uma brincadeira que eu fiz para minhas amigas quando terminei o livro foi que “uma menina de 16 anos consegue fazer uma curadoria melhor procurando no Wattpad por 2 horas”. E digo isso sem deboche. Temos autoras boas, autoras MUITO mais competentes do que essa obra. Não sei se a tradução foi ruim – e honestamente não tenho a força de vontade para reler esse livro no idioma original – mas o fato é: esse livro é péssimo. E não deveria ter sido publicado em detrimento de mulheres brasileiras que ralam todos os dias para divulgar suas histórias pelo mundo, porque editoras nacionais preferem pegar obras medíocres dos Estados Unidos. Eu sei que a tradução torna a literatura estrangeira mais acessível, e isso não é um problema. E sei também que nós culturalmente olhamos para os EUA e procuramos consumir a cultura de lá. É um trabalho conjunto, também, de nós como leitoras procurarmos obras brasileiras assim como as editoras publicarem livros assim. Mas acho que o ponto aqui é que esse livro é ruim, entendem? Como se as obras estadunidenses de qualidade tivessem escasseado, ou tivessem direitos muito caros, então ao invés de procurar brasileiras para publicar, foi preferido pegar um livro tenebroso para publicar. Porque trazemos livros RUINS de fora, ao invés de dar a chance para livros BONS de dentro? E não existe também uma certa carga de responsabilidade nas editoras, que afinal trazem e divulgam livros estrangeiros aqui?
Não estou aqui dizendo “Parem de trazer livros de fora. Traduzir obras é horrível, um absurdo!!!”. De modo algum. Tradução, como eu já disse, torna literatura estrangeira acessível e nos deixa em contato com inúmeras culturas e histórias diferentes, que não poderiam ser produzidas no contexto brasileiro. Mas aqui, falo especificamente desse gênero bobinho e romântico, que entra nas nossas estantes sem grandes propósitos, apenas para diversão. E esse gênero é dominado por autoras estrangeiras. Isso é inegável. Mesmo que exista livros de autoras brasileiras publicados por editoras grandes, o fato é que o que chega para nós geralmente é de autoras estadunidenses. Tanto que sou uma leitora assídua desse gênero, e não consigo nomear mais do que duas ou três autoras brasileiras que já li. Enquanto que estadunidenses, creio que chego a 20 sem grande esforço. O contexto que gera obras desse gênero não é, por exemplo, como dos livros de época (aqueles de banca mesmo), que é praticamente exclusivo do eixo EUA-Grã Bretanha. Claro que autores que não são estadunidenses ou britânicos podem escrever obras assim, mas é compreensível que se tenha um número reduzido de nomes não-anglo-saxões nessa mistura – afinal, o contexto “época vitoriana no Brasil (ou em qualquer lugar)” não é exatamente fértil. Enquanto que livros bobinhos, passados na contemporaneidade, podem ser facilmente se situar nos EUA, no Brasil, na Nigéria, em Singapura, sem grandes mudanças – se desejado for, claro – na história levinha que gostamos.
“Mas Ana, que exagero!” Talvez você tenha lido e até gostado. E tudo bem; como eu mesma disse, a história está longe de ser desinteressante. Mas a construção da trama, dos personagens e dos acontecimentos é medíocre. E por que estamos trazendo um trabalho medíocre DE FORA, quando produzimos tantas coisas incríveis aqui no Brasil, nesse exato gênero literário com obras que são deixadas de lado para promover autoras estrangeiras que nem ao menos fazem um trabalho razoável? E essa reflexão que quero deixar aqui hoje. Ok, Big Rock é péssimo, me trouxe vergonha alheia em praticamente todas as páginas e, se não falasse sobre casamento e noivado, poderia ser facilmente transferido para personagens de um livro de “high school” mediano. Ok. Mas não é só sobre Big Rock. É sobre toda essa indústria de editoras que trazem obras de fora ao invés de valorizarem brasileiras competentes. E é sobre toda esse público de leitoras – e eu me incluo nisso – que prioriza a literatura estrangeira ao invés da nacional. Ao invés de incentivar a produção do Brasil, de dar chance e inspirar milhares de mulheres a escrever – e não só livros gostosinhos e bobinhos, mas livros mais profundos e intensos – autoras e autores brasileiros são renegados, e aqueles que tentam sabem que não terão oportunidade, ou que será muito difícil. E assim, autores nacionais infinitamente mais talentosos são deixadas de lado, e acabam precisando fazer publicação independente, se virar nos 30 para fazer dos livros – que são BONS! – um sucesso.
É isso que tinha pra falar hoje. Leia Big Rock por sua conta e risco, mas não deixe de pensar: Por que estou lendo esse livro? E quem é Lauren Blakely?