Mundos da Arte

Mundos da Arte Howard S. Becker




Resenhas - Mundos da Arte


2 encontrados | exibindo 1 a 2


Jimmy 12/05/2021

Resenha de: BECKER, Howard Saul. Art worlds. Los Angeles: University of California Press, 1982.

Um trabalho de síntese, aquilo que eu chamaria de livro-mapa, “Art worlds” é talvez o principal trabalho do sociólogo, pianista de jazz e fotógrafo, Howard Becker. Nesse livro, o autor propõe o conceito de mundo da arte: rede de pessoas em atividade cooperativa, cada um com seus conhecimentos e funções, para a produção e circulação de obras de arte. Sai, portanto, da análise exclusiva do artista e sua obra, focando nas outras funções necessárias para tornar a obra o que ela é (marchands, críticos, professores, etc.). Para o autor, o trabalho da sociologia não é, primordialmente, produzir julgamentos estéticos (atestanto ou revalorizando obras e artistas), mas, compreender como as pessoas se organizam, como e por que cooperam, quais os mecanismos que permitem chegarem até o público, como mobilizam recursos. Becker se apoia em várias pesquisas, das mais diversas artes, para mostrar como esses mundos funcionam. Trabalho de pesquisa densa, feita pelo próprio Becker com fontes primárias, praticamente não há. Suas fontes primárias servem mais para ilustrar ou exemplificar ideias que foram propostas anteriormente, por ele ou pelo trabalho de terceiros. Como foi dito antes, esse é um trabalho de síntese, usa uma linguagem acessível, está repleto de exemplos e fotos, por isso, é um ótimo trabalho para quem deseja iniciar seus estudos em sociologia da arte.
Para Becker, toda obra de arte revela os rastros da cooperação de que resulta. Uma obra começa por uma ideia do artista, ideia essa que ele extrai de sua realidade. A ideia precisa tomar forma em algum material (sonoro, visual, em tintas, em câmeras, num papel etc.). Depois de se concretizar há a distribuição: concertos, exposições, livrarias, saraus etc. e vem a apreciação: pessoas reagem emocional e intelectualmente à obra, então verbalizam o que sentiram e pensaram, decidem se aquela obra vale a pena de ser salvaguardada. Depois de canonizada, a obra se torna ensinável nas escolas. Professores passam a explicar a obra e argumentar sobre sua importância. Desde a ideia até a canonização da obra, há um treinamento para cada função dessas. Outros professores (formais e informais) participam dessas formações. Becker salienta que apenas uma parte das obras e artistas é que são canonizados pelo mundo da arte. Muita coisa fica de fora.
Nesse sentido, cada mundo tem suas regras de memória e esquecimento, cada mundo tem, grosso modo, seus artistas estabelecidos ou integrados, seus artistas rebeldes/ outsiders e fora dele, aqueles que não são profissionais, os artistas ingênuos e os artistas do povo. Essas quatro classificações propostas pelo autor são relacionais, ou seja, só podem ser entendidas numa pesquisa ao se identificar quem são, em cada mundo da arte, em cada época, os artistas integrados e por aí sucessivamente. Esses tipos-ideais ajudam na análise a entender os processos de canonização, de memória e de esquecimento que cada mundo da arte dispõe. É que todo mundo da arte estabelece suas convenções. As convenções facilitam o entendimento mútuo entre artistas, entre o “pessoal de apoio” e entre o público. Elas aceleram o trabalho. As convenções podem ser especializadas, adquiridas na socialização com outros membros da profissão ou com um mestre; ou podem ser gerais, compartilhadas por vários indivíduos, artistas ou não, de determinada sociedade. As convenções especializadas podem ser um estilo, a história da arte, termos técnicos. As convenções gerais são tomadas da experiência e cultura em comum: uma passagem bíblica, uma referência mitológica, um acontecimento. O uso de convenções facilita o trabalho e o entendimento, mas seu uso excessivo torna a arte insípida ou complicada demais.
Os artistas rebeldes são aqueles que propõem inovações a essas convenções. Porém, há certas inovações que são logo rejeitadas, incompreensíveis naquele momento. Precisam de tempo para ser absorvidas. As inovações conferem originalidade à obra, seu uso é a peça básica da mudança nos mundos da arte. Quando uma mudança é absorvida, é sinal de que obteve seguidores, essa mudança se institucionaliza e vira uma nova escola artística. A partir daí ela é lembrada. Se um artista não consegue mobilizar recursos, se ele não consegue adesão de outros, suas inovações serão um fracasso. Ele permanecerá um artista rebelde, incompreendido, sem relevância. Em outras palavras, a história é dos vencedores. É a história daqueles que encontraram uma base organizacional para fazerem seu nome e suas obras perdurarem. Como coloca Becker, a mudança de um artista isolado não é uma mudança, uma revolução, é um desvio. Só há mudança de paradigma se houver cooperação. Seja entre artistas, seja entre críticos, seja na sociedade civil. Cada mundo da arte premia quem usa as convenções estabelecidas. Quem quer subvertê-las está em guerra contra o mundo da arte, sua estratificação social e suas bases fora desse mundo da arte. Dito de outra forma, não é o valor intrínseco de uma obra que determina a absorção daquela inovação pelo mundo da arte, como pensamos no senso comum. Aliás, esse tipo de pensamento é criado pelo mundo da arte para ocultar suas bases de cooperação e reforçar a ideia de gênio, do artista criador isolado.
Se apenas poucos são canonizados, dignos da memória no mundo da arte, isso mostra o valor da reputação e de seus mecanismos. A reputação artística, nas modernas sociedades ocidentais, distingue o artista da massa de pessoas comuns. Ela tira seu fundamento da ideia de que o artista tem um dom, que foi abençoado com talento, que ele tem algo de especial. Essa mistificação esconde uma imensa quantidade de trabalho em estabelecer contatos profissionais, esconde horas de trabalho, de dedicação, de estudo, de revisão e edição. Esconde o trabalho de divulgação, do “pessoal de apoio” (curadores de museu, professores, técnicos de som, revisores de texto etc.) Em realidade, é o mundo da arte quem ensina e quem produz o valor artístico. É sua rede de cooperações que cria avaliações, que seleciona o que ensinar. É essa rede que cria o contexto das obras do passado e do futuro, isto é, contra ou a favor de quem ou o quê cada nova obra se posicionava ou poderá de posicionar. É o mundo da arte que cria os parâmetros de julgamento das obras. Em suma, estudar as reputações é estudar os motivos pelos quais, tais ou quais obras perduraram na história. É problematizar a ideia de gênio, do poder de uns consagrarem outros, de selecionar o que deve ser lembrado e esquecido.
É esse o papel da sociologia da arte de Becker, entender o funcionamento dos coletivos, da organização e consagração artística. Se o pesquisador se atentar e usar cada capítulo do livro como pontos de partida para a reflexão, estará mais próximo de não cair nas armadilhas e mistificações dos mundos artísticos.


site: https://writingnous.wordpress.com/
comentários(0)comente



Duda Ribeiro 21/11/2019

No final da edição ele e um entrevistador dedicam várias páginas pra debater como Becker não é apenas uma versão simplificada e otimista estadunidense da teoria do campo de Bourdieu. O esforço de fazer isso só me pareceu confirmar a suspeita. Comparando as duas literaturas, tanto a escrita quanto as formulações, a teoria e os insights de Becker parecem bem mais frouxos.
comentários(0)comente



2 encontrados | exibindo 1 a 2


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com a Política de Privacidade. ACEITAR