Mayara 09/12/2019
"Estamos todos juntos em lugar nenhum e isso é esplêndido"
Há livros em que é possível desvincular autor e obra, em que não faz diferença conhecer um pouco sobre o escritor para apreciar o seu trabalho. Há outros em que o exato oposto acontece: não é possível ler um poema, um conto ou um romance de Charles Bukowski sem ler o próprio Charles Bukowski. A personalidade do homem por trás da máquina de escrever está impregnada em cada palavra de uma forma tão íntima que é possível imaginá-lo datilografando, cinzas de cigarro caindo entre as teclas, uma taça de vinho ao lado da máquina e um gato enroscado aos seus pés.
"Sobre gatos" é, de fato, sobre gatos. Mas também não é. É sobre Bukowski, é sobre as mazelas da vida, é sobre a escrita, é sobre o amor e é sobre a condição absolutamente ridícula de ser humano. E tudo isso tem a ver com os felinos, porque eles entendem a natureza da existência de forma muito mais clara do que nós. Com sua simplicidade inata, mal eles sabem "quão nervosa e incompletamente nós humanos dormimos e vivemos". Não temos lugar aqui nesse mundo; somos todos vagabundos da rua.
Mas entre os papos furados, a estupidez e as nulidades do dia a dia, encontramos beleza às vezes. "A mágica persiste sem a nossa presença, não importa o que façamos contra". Bukowski diz que as coisas perdem seu valor natural quando se aproximam do humano, e precisamos dos gatos para trazer de volta esse valor, para nos lembrar da essência da vida que tanto gostamos de ofuscar com banalidades. Precisamos dos gatos. Da arte. Da escrita. Da poesia.
Precisamos do "velho safado", que com suas ressacas, putarias e tudo o mais que apressadamente julgamos como imoral, nos resgata da monotonia e do torpor do cotidiano, nos devolvendo um pouco de vitalidade para continuar vivendo em meio ao caos.
"Isso é tudo".