Tamara 10/09/2017
*Resenha postada originalmente e na íntegra em: http://www.rillismo.com/2017/09/semana-nacional-resenha-em-nome-dos.html
Sabem aqueles livros que assim que nos deparamos com a sinopse, temos uma certeza interna de que ele nos tocaria de alguma forma? Foi o que aconteceu com essa obra. Assim que descobri a divulgação da editora intrínseca em torno dele, logo me interessei, e por dois motivos principais. O primeiro porque eu amo livros que abordam reportagens jornalísticas. Gosto do modo como eles são escritos, do que eles nos ensinam e também me interesso profundamente pelo tema ditadura militar, o que prometia na sinopse. O segundo motivo é um pouco mais pessoal, pois eu já li um livro de ficção escrito pela mãe de Matheus, a jornalista Miriam leitão, a protagonista de que se fala nessa reportagem, e como sou apaixonada pelo livro que Miriam lançou, envolvendo a ditadura, chamado tempos extremos (Aliás, Matheus, se estiver lendo isso algum dia, pede para a sua mãe escrever mais ficções, pois ela é maravilhosa), eu imaginei que o filho teria muita coisa interessante a nos apresentar também, e eu estava totalmente correta.
Aqui, Matheus nos relata sua adolescência, dos trechos de conversas meio interrompidos nos quais ouvia seus pais falando do período da ditadura, e de seu desejo de entender um pouco mais sobre tudo o que eles passaram. Nesse ponto, me identifiquei muito com o autor, pois sou da área do direito, mas sou uma apaixonada por história, e também quero sempre entender melhor o passado das pessoas e o que levou-as até ali. E foi essa curiosidade que fez com que o autor a princípio aos poucos, e depois de uma maneira intensa, fosse em busca de materiais sobre o período de 1972, quando seus pais foram presos pela primeira vez. Como é jornalista, Matheus se envolveu em reportagens sobre a temática, e também conseguiu ter acesso aos processos que envolviam seus pais. Esse início somente deixou-o ainda mais intrigado, e envolvendo-se em uma busca que durou mais de dez anos, Matheus reconstituiu aquele período, através de entrevistas, documentos, e tudo a que teve acesso, para fazer uma reportagem completa, dando voz às vítimas e algozes, torturados e torturadores.
Essa obra é cheia de pontos positivos, mas o maior deles, para mim, é o modo como o autor nos insere em sua busca, pois ele não se limita a nos narrar o que descobriu, e sim nos leva até essa busca. Para exemplificar melhor, quando Matheus contava-nos a sua conversa com um dos entrevistados, ele não simplesmente dizia como foi tal conversa, e sim nos dizia como procurou essa pessoa, das burocracias pelas quais passou, da recusa ou aceitação da pessoa em atendê-lo, e por aí vai, e nos conta até de como eram suas viagens até os locais, envolvendo até mesmo músicas que ele ouvia nos momentos, o que achei fascinante e só serviu para nos colocar mais dentro dessa busca juntamente com ele. Ainda, gostei muito do fato de que além de dar as informações sobre a ditadura, o autor faz algumas reflexões sobre deus, coisas destinadas a acontecer, dentre outras crenças, visto que ele acredita que muitas de suas descobertas foram guiadas por essa força maior, e confesso que tudo isso me deixou com um nó na garganta em vários momentos da escrita. Além disso, somos inseridos no ano de 1972, a partir dos relatos, e do modo que ele constrói, conseguimos até mesmo ouvir a jovem míriam conversando, sofrendo e lutando em busca de seus objetivos, em busca de conseguir tirar seu marido da prisão e em busca de esquecer e depois de relembrar toda essa história.
Eu não encontro pontos negativos a serem destacados, mas sei que para os leitores que não gostam de histórias reais, de reportagens e de ditadura militar, esse pode ser um livro desinteressante, visto que não é algo tão bonito quanto a perfeição da ficção e há somente pessoas que convivem com suas histórias, e lutam contra as lembranças cada um à sua maneira.
É difícil se falar em personagens aqui, uma vez que se trata de pessoas de carne e osso. Mas posso dizer que aqui vemos as diferentes facetas do ser humano, passando por aqueles que preferem lembrar, e aqueles que preferem esquecer, aqueles que querem fingir que nada aconteceu, bem como aqueles que se arrependem das formas como contribuíram nesse período. Com certeza dentre tudo o que foi narrado, o que mais teve o poder de me tocar foi a história da gravidez de Miriam, e todas as probabilidades negativas que apontavam para esse bebê desde os primeiros dias dele, mas probabilidades que se modificaram e permitiram que Vladimir nascesse perfeitamente saudável.
O livro é dividido em 61 capítulos de um tamanho razoável, e a narração é feita em primeira pessoa, por mateus, que sempre nos informa de seus sentimentos, impressões e revoltas, sem perder também o tom jornalístico, além disso, realizei a leitura em ebook e não encontrei erros.
Acredito que essa deveria ser uma história lida por todos, entre jovens e pessoas mais velhas. Deveria ser leitura obrigatória nas escolas, nas universidades e em todos os lugares, pois mais importante do que conhecermos também nosso presente e nosso futuro, é importante conhecer o nosso passado, que está ali, há apenas trinta anos de distância de nós; é importante conhecermos de quem somos filhos, do que somos feitos, conhecermos sobre quem lutou por nós, e acima de tudo, é importante conhecermos a história, na tentativa de que os mesmos erros jamais sejam repetidos e que nossa nação sempre obedeça a seus princípios maiores, respeitando a dignidade da pessoa humana, a cidadania e a liberdade.
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