Bia Kollenz 11/06/2018Aqui EstouAqui Estou marca a volta de Jonathan Safran Foer à literatura depois de um jejum de onze anos. Publicado no Brasil em 2017, Aqui Estou conta a vida de uma família judia em Washington. Considerado um dos melhores livros de 2016 pela crítica americana, o livro é um retrato dos tempos modernos e uma crítica a forma como nós vivemos.
“Todas as manhãs felizes se parecem, assim como todas as manhãs infelizes, e no fundo é isso que as torna tão profundamente infelizes: a sensação de que essa infelicidade já aconteceu antes, de que qualquer esforço para evitá-la só vai, na melhor das hipóteses, reforçá-la, e provavelmente até exacerbá-la, que o universo está, por uma razão inconcebível, desnecessária e injusta qualquer, conspirando contra a seqüência inocente formada por roupas, café da manhã, dentes e tufos de cabelo rebeldes, mochilas, sapatos, casacos, tchau.”
A história de Aqui Estou se inicia quando Sam, o filho mais novo de Jacob e Julia, é pego escrevendo palavras de cunho racista na escola hebraica. Tal acontecimento, às vésperas do bar-mitzvá, acaba trazendo à tona vários dos problemas do casal. Jacob e Julia estão em crise, só que ao contrário do censo comum, escolhem mentir e fingir que tudo vai muito bem, obrigado. Após o incidente com Sam, Julia encontra um celular de Jacob escondido atrás do vaso sanitário. O casamente que se esforçava em parecer perfeito começa a ruir.
Os três filhos do casal também têm seus problemas. Sam enfrenta as crises típicas dos jovens de treze anos e prefere passar seu dia jogando Other Life. Max é o único preocupado com o cachorro Argos que, apesar da negação de Jacob, está próximo da morte. Benjy é jovem demais e cheio de questionamentos. Se não bastasse toda esse caos, o avô de Jacob enfrenta uma forte depressão. Com a proximidade do bar-mitzvá de Sam, Jacob tem que lidar com mais membros complicados da família: seu pai extremamente preconceituoso e seu primo Israelense egocêntrico.
“Qual o problema de querer e precisar? Nenhum. E a distância escancarada entre onde você está e aquilo que sempre imaginou não precisar ser uma sugestão de fracasso. Uma decepção não precisa ser decepcionante. O querer, o precisar, a distância, a decepção: crescer, saber, se comprometer, envelhecer ao lado de alguém. Podemos viver sozinhos perfeitamente. Mas não será uma vida.”
Se não bastasse todos os problemas que a família enfrenta, um acontecimento extraordinário vem questionar o que é ser judeu e o que significa o estado de Israel. Um terremoto de proporções astronômicas destrói toda a terra santa e coloca a região em estado de guerra. Tal acontecimento não é impossível visto que, segundo estudos israelenses, cerca de doze grandes terremotos causaram enormes danos em cidades da região nos últimos mil anos. Israel está em guerra contra os países árabes desde de sua fundação. Os países de origem muçulmana consideram a existência de Israel e a presença de judeus em sua terra santa uma afronta que deve ser combatida até o extermínio.
O que o terremoto de Jonathan faz é apenas colocar uma centelha no barril de pólvora que é o oriente médio. O povo judeu foi perseguido em toda história, fosse por egípcios, romanos, católicos ou nazistas. A diáspora espalhou todo os judeus ao redor do mundo e, quando a guerra se inicia, o primeiro ministro de Israel clama ao povo que volte para sua terra natal a fim de defender sua existência. O grande problema é que muitos judeus não possuem ligação com Israel, muito menos consideram o estado sua pátria. O sionismo também é controverso, as atitudes de Israel ao longo da história causam questionamento em muitos dos judeus jovens espalhados pelo globo.
“Meu avô ouvia os gritos dos seus irmãos mortos. Era o som do tempo dele.
Meu pai ouvia ataques.
Julia ouvia as vozes dos meninos.
Eu ouvia silêncios.
Sam ouvia traições e sons de produtos da Apple sendo ligados.
Max ouvia os choros do Argos.
Benjy era o único ainda jovem o suficiente para ouvir o lar.”
O título do livro é uma referência bíblica. Deus chama Abraão, ao que ele responde ‘Aqui estou’. Mesmo quando Deus pede a Abraão que sacrifique seu primogênito sua resposta é a mesma. O livro também conta com referências modernas, um exemplo disso é que Jacob é roteirista de uma série de TV da HBO super premiada que possuiu dragões. A narrativa de Jonathan Foer é de uma maestria imprescindível. Ele não só tem domínio total sobre os personagens como também constrói diálogos tão verossímeis que você sabe quem está falando o quê, quase como se eles existissem e estivessem na sua frente. Isso torna o livro muito dinâmico, apesar de suas mais de quinhentas páginas, Aqui Estou flui muito rápido.
Jonathan consegue conduzir do humor para uma angústia profunda em poucos parágrafos, algumas piadas de humor negro colorem ainda mais a narrativa. A única razão de não dar cinco estrelas para o livro, é o fato de acreditar que ele poderia ser mais conciso. Entendo perfeitamente a intenção do autor e todos os seus experimentalismos, contudo alguns cortes deixariam a obra ainda mais dinâmica. Entre os fãs do autor Aqui Estou é controverso, não posso opinar já que essa é a minha primeira experiência com Foer. Saí de Aqui Estou louca para começar a ler Extremamente Alto e Incrivelmente Perto e recomendando sua leitura para todo mundo.
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