Ricardo 22/09/2022
O LEOPARDO
O LEOPARDO
(Giuseppe Tomasi di Lampedusa)
Giuseppe, o último príncipe de Lampedusa (1896 ? 1957), nasceu em Palermo, Itália. Era, tal qual seu protagonista Dom Fabrizio, o Príncipe, um nobre siciliano. Seu livro, inicialmente rejeitado por diversas editoras, acabou finalmente publicado postumamente em 1958, um ano após sua morte. Não chegou a ver o sucesso de sua maior obra.
O romance se desenrola entre 1860 e 1910, época da unificação da Itália promovida por Garibaldi e seus seguidores. A Sicília, tão distante geográfica e culturalmente do norte da Itália, reage às inevitáveis e inexoráveis mudanças dos tempos. Nesse contexto, as observações críticas e reflexivas de Dom Fabrizio, um nobre de título e de alma, a respeito dos novos costumes, do surgimento de uma burguesia abastada e perdulária em contraponto aos valores históricos da arquitetura, mobiliário e obras de arte, podem constituir uma crônica social.
Mas o livro vai muito além.
Leitores não versados em fatos históricos como o da unificação da Itália em épocas remotas não devem se sentir desencorajados a ler O Leopardo. Giuseppe entrega muito mais para os amantes das letras.
Uma narrativa crítica, sensual, engraçada, poética e melancólica produz o deleite que a boa literatura causa em leitores sedentos e atentos. A passagem do tempo (personagem inexorável), as lembranças que se vão, o valor das coisas, o efêmero versus o eterno, a aceitação da morte (vista como uma bela e elegante mulher) emocionam e iluminam o entendimento da vida.
?Dom Fabrizio conhecia desde sempre aquela sensação. Havia décadas sentia como se a seiva vital, a faculdade de existir, enfim, a vida e talvez até a vontade de continuar vivendo saíssem dele lenta mas continuamente, como os grãozinhos que se juntam e caem em fila um a um, sem pressa e sem trégua, pelo estreito orifício de uma ampulheta. Em alguns momentos de atividade intensa e grande concentração, esse sentimento de contínuo abandono desaparecia para reapresentar-se, impassível, à mais breve ocasião de silêncio ou introspecção, como um rumor ininterrupto no ouvido, como as batidas de um pêndulo se impõem quando todo o resto se cala ? e assim nos dão a certeza de que sempre estiveram ali, vigilantes, mesmo quando não as ouvíamos.?
Personagens bem construídos estruturam a obra em nossa mente. Temos Dom Fabrizio, o protagonista, que tantas vezes nos apresenta sua visão do mundo, da sociedade, da religião, que declara sem culpa amar mais seu sobrinho Tancredi do que Concetta, sua própria filha. Em oposição a Dom Fabrizio, Tancredi é impulsivo, falador e engraçado. O grande amor entre ambos é recíproco. E a união de Tancredi com Angelica (burguesa rica) resolve dois problemas ? a fortuna de Tancredi e o lustro da nobreza na riqueza de Angelica. Concetta , por outro lado, sempre amou Tancredi, mas nunca foi correspondida; Pirroni, o padre da família, proporciona vários momentos cômicos.
Se ao término do livro as questões históricas ainda ficarem atrapalhadas, o leitor sairá enriquecido com tantos personagens, além de uma maior e mais bonita compreensão do tempo, da vida e dos homens.