Cesinha 13/11/2021
Obra-prima e fundadora da psicanálise, precisa ser constantemente retomada, não por motivos dogmáticos, mas sim de inspiração para os analistas e analisandos interessados. Tem um formato exaustivo pois era uma primeira exposição da hipótese psicanalítica, e para fortalecê-la era necessário mapear tudo quanto possível sobre sonhos e suas explicações disponíveis na época. A edição da Cia das Letras indica as adições feitas por Freud ao longo do tempo. É interessante como na primeira versão, de 1899-1900, praticamente não havia a discussão sobre sexualidade infantil e Édipo, que só foi adicionada ao longo do tempo, mais precisamente até 1931, como indicam as datas dos diferentes prefácios disponíveis nessa edição.
São as bases da hipótese psicanalítica na Interpretação dos Sonhos que para entender os sonhos é necessário "diminuir a superestimação do consciente e admitir o inconsciente para compreender as coisas psíquicas", "os sonhos são a via-régia do inconsciente" e todo "sonho é a realização (disfarçada de um desejo (suprimido, reprimido)" (pg. 195). Realizar desejos por meio da alucinação que é o sonho torná-lo o "guardião do sono", enquanto a alucinação dos sonhos nos engana, conseguimos seguir dormindo.
São apresentados inúmeros sonhos exemplares e suas interpretações exemplares. Destaco uma que é o típico sonho de estarmos nus em público (quem nunca sonhou que foi para a escola sem roupa?), que é um sonho comum quando há o elemento da inibição, no sonho, que impede o sonhador de sair do lugar, de fugir. Esse sonho rodeia a sensação de vergonha com a nudez, e a vergonha é amplificada pelo fato das pessoas que aparecem nesse sonho normalmente não reclamarem nem notarem nossa nudez (pg. 281-2). Veja a contradição natural do sonho: realizo o desejo inconsciente de romper essa forte repressão contra a nudez (dada pela naturalidade com que os figurantes do sonho tratam isso), mas a repressão segue ali gritando que devemos sim sentir vergonha e estranhamos que não nos ajudem a reprimir isso. Ainda nessa época não havia sido construído o conceito psicanalítico de repetição.
Por fim, vale lembrar que quase sempre esquecermos dos nossos sonhos e achamos que não sonhamos. Mesmo em estado de vigília, costumamos esquecer imediatamente inúmeras sensações e percepções, porque eram fracas demais e a excitação mental vinculada a elas não se firmou. Imagens oníricas em geral são esquecidas nessa situação, e ao contrário, as imagens fortemente investidas psiquicamente são lembradas (pg. 69). Esse investimento pode ser traduzido como interesse por lembrar dos sonhos, já que “a maioria das pessoas demonstra pouco interesse por seus sonhos. [Enquanto] o pesquisador que se interessa pelos sonhos costuma se lembrar com maior frequência e facilidade (pg. 71). Além do mais, a lembrança do sonho em si é uma forma de interpretá-lo, já que "nem mesmo a pessoa mais comprometida com a verdade consegue narrar um sonho notável sem algum acréscimo ou retoque" (pg. 70).
Por fim, se pensarmos no sonho como uma realização de desejo, o que seriam os pesadelos? Bem, se há imagens oníricas mais ou menos investidas pelo psíquico, Freud "supõe que o desejo consciente se torna instigador de um sonho apenas quando consegue despertar um desejo inconsciente do mesmo teor, com o qual se fortalece". Assim, há desejos que emergem sem tanta censura no consciente e logo os reconhecemos no sonho, e outros que ficam lá no inconsciente e estranhamos muito quando aparecem no sonho sem censuras. "O processo onírico é permitido inicialmente como realização de um desejo do inconsciente; quando essa tentativa de realização do desejo agita de tal forma o pré-consciente que este não pode manter sua tranquilidade, o sonho rompeu o compromisso" (pg. 633), o guardião do sonho falhou, houve aí um sonho de angústia.
A angústia é que interfere no sonho e não o sonho que causa angústia. “É precisamente nisso que a psicoterapia tem de intervir. Sua tarefa é encontrar resolução e esquecimento para os processos inconscientes" (pg. 631). O processo de análise deve dar novas vias de escoamento para o que cria angústia, com isso os sonhos servem como termômetro psíquico para a psicoterapia, e como a via-régia do inconsciente, nunca devem ser deixados de lado.