spoiler visualizarCarlos.Lyra 11/04/2020
Os sonhos e o aparelho psíquico
Em 1900 [1899], Freud publica a obra inaugural da psicanálise, A
Interpretação de Sonhos (Freud, 1900/2001). Entre outras coisas, Freud afirma, a
partir de seu estudo sobre os sonhos, a existência de um determinismo psíquico, ou seja, a idéia de que nada que se passa na mente humana pode ser arbitrário
(Freud, 1900/2001).
O modelo de aparelho psíquico construído por Freud em A Interpretação
de Sonhos difere dos anteriores na medida em que se trata de um modelo
puramente psicológico, sem a preocupação de localizar as instâncias psíquicas em
regiões anatômicas do sistema nervoso. Essas instâncias, ou sistemas psíquicos, se
relacionam entre si de forma dinâmica e podem ser entendidos como o sistema psi
que Freud desenvolve no Projeto para uma psicologia científica (Freud,
1950[1895]/1990).
O aparelho anímico criado por Freud pode ser descrito como dotado de um
sentido ou direção (Freud, 1900/2001), que vai do pólo sensitivo ao pólo motor.
Freud chama o pólo sensitivo de sistema Pcpt., o qual não possui memória. Os
diversos níveis de memória (processos psíquicos) - que já haviam sido
mencionados na 'Carta 52' ? situam-se, por sua vez, entre o pólo sensitivo e o pólo
motor. Portanto, assim como o modelo apresentado na 'Carta 52', o novo modelo é
baseado na existência de traços mnêmicos, os quais possuem a função de memória
e são responsáveis pelas associações. Ademais, o modelo proposto por Freud no
capítulo VII de A Interpretação de Sonhos é muito semelhante àquele apresentado
no Projeto (Freud, 1950[1895]/1990).
Não obstante, a partir deste momento, Freud passa a introduzir novos
sistemas psíquicos em seu novo modelo de aparelho anímico. Situado na
proximidade do pólo motor ? portanto, responsável pelo movimento voluntário -
está o sistema pré-consciente (Pcs.), cujos processos excitatórios podem ter acesso
à consciência "sem maiores empecilhos, desde que certas condições sejam satisfeitas: por
exemplo, que eles atinjam certo grau de intensidade, que a função que só se pode
descrever como ?atenção? esteja distribuída de uma dada maneira, etc" (Freud,
1900/2001, p. 521).
Continuando no sentido regressivo do aparelho anímico, encontraremos o sistema
inconsciente (Ics.), ou simplesmente ?o inconsciente?, que só pode ter acesso à
consciência através do pré-consciente e mediante uma série de modificações no
curso de seu processo excitatório. Segundo Freud, o impulso (desejo) responsável
pela formação dos sonhos se encontra originariamente no sistema inconsciente
(Ics.). Já ?no caso das crianças, onde ainda não há divisão ou censura entre o Pcs.
e o Ics., ou onde essa divisão se está apenas instituindo gradualmente, trata-se de
um desejo não realizado e não recalcado da vida de vigília? (Freud, 1900/2001, p.
532). De acordo com Freud, ainda, ?a censura entre o Ics. e o Pcs., cuja existência
os sonhos nos obrigaram a supor, merece ser reconhecida e respeitada como a
guardiã de nossa saúde mental? (Freud, 1900/2001, p. 545).
Em A Interpretação de Sonhos, Freud faz algumas considerações acerca
dos afetos. Segundo o psicanalista, a geração de um afeto deve ser atribuída a
?uma função motora ou secretória, a chave de cuja inervação reside nas
representações do Ics? (Freud, 1900/2001, p. 558). Assim, para Freud, a origem
dos afetos se dá a partir das representações inconscientes. É o processo de
recalcamento que transforma um afeto originalmente de natureza prazerosa num
afeto desprazeroso, que é vivenciado como angústia no Pcs (Freud, 1900/2001).
A respeito da consciência (Cs.), Freud a define como ?um órgão sensorial
para a percepção de qualidades psíquicas? (Freud, 1900/2001, p. 587). Assim,
Freud aproxima a consciência ao sistema Pcpt., de tal maneira que podemos
chamar este sistema de Pcpt.- Cs.
Lyra, C.E.S. Da angústia ao pânico: sonhos, sintomas e desamparo. Curitiba: Editora Appris, 2018.