Jow 04/08/2012E então, você adormece. E, quando acorda, é parte de um novo mundo."Get up (Get up)
Come on (Come on)
Why you scared? (I'm not scared)
You'll never change what's been and gone
'Cause all of the stars
Are fading away
Just try not to worry
You'll see them some day
Take what you need
And be on your way
And stop crying your heart out"
Stop Crying Your Heart - Oasis
Quando o amor e o vazio de uma vida se encontram, só as lembranças são capazes de sanar as tristezas de um coração. Quando amamos, estamos entregando ao nosso amado uma parcela daquilo que nos é mais importante. Entregamos a ele (a) uma essência daquilo que somos, e recebemos dele uma parte daquilo que falta em nós. Amar é a busca incessante para sanar o vazio existencial que está intrínseco dentro de nós, é tornar real o mais profundo dos nossos sentimentos. É a busca de nossos olhos pelos olhos do amado, toque por toque, desejo por desejo, dúvida substituída por certeza, para enfim sentirmos concretamente que não nos falta mais nada. Muito se pensa sobre o amor de uma forma generalizante, e em alguns casos ele pode ser denominado por palavras. Mas, quando se entra na metáfora do amor particular, os labirintos por ele criados, deixariam todos os poetas de queixo caído.
Muito se ouve sobre “Kafka à beira-mar” livro de Haruki Murakami, mas pouco se sabe além de que Kafka Tamura é um jovem de quinze anos que foge de casa após se dar conta de que a maldição lançada pelo seu pai está perto (“um dia você irá matar seu pai e dormir com sua mãe e sua irmã” – sim, uma profecia de Édipo já abre o romance, ou seja, é preciso estar atento às metáforas, por mais evidente que elas sejam). Ele só pode confiar no seu amigo, o Menino Corvo, nada mais do que seu alter-ego kafkiano. Na outra extremidade da obra temos Satoru Nakata, um senhor de setenta anos que perdeu habilidades básicas – para não dizer que perdeu totalmente suas faculdades mentais – após um incidente durante a sua infância, porém ele adquiriu o dom de conversar com gatos. Conversas essas que começam como que entre dois desconhecidos, Nakata sempre fala sobre o tempo antes de criar uma certa intimidade com os felinos que conhece.
As histórias dos personagens são contadas em separado, em cada capítulo conhecemos um pouco mais da trajetória de cada um, contudo, uma das grandes virtudes desse romance é instigar-nos a querer a qualquer custo que as duas se cruzem em algum momento, mas caso esse pequeno evento aconteça ele pode não ser mais importante do que o desfecho das tragédias de Kafka e Nakata. Kafka “consegue” se libertar fisicamente da sombra de seu pai, mas a sombra de seu pai não desaparece por inteiro. Muitas vezes ele parece encontrar sua mãe ou sua irmã, grande parte das vezes se sente atraído por essas desconhecidas, que poderiam concretizar sua maldição, fazendo-o se afastar antes mesmo de um contato físico. Kafka também encontrará um sentido sobre a vida e o viver, sobre a idade e sobre o tempo, onde na experiência do se entregar ao amor ele poderia não envelhecer, mas também poderia deixar de viver.
Em alguns capítulos, o leitor tentará conectar pontos, mas em nenhum momento Murakami deixa especificado se houve, de fato, aquilo que foi narrado – a resposta quase de um monge budista chega aos seus ouvidos: “você sabe a resposta”. Mas e os leitores? Tem consciência de que muitos dos arcos deixados em aberto pelo autor são para mera ilustração de que realidade e fantasia podem se misturar? E se não estivermos atentos podemos acreditar mais numa loucura, nas fantasias apresentadas do cotidiano, do que naquilo que julgamos ser real. Que os sonhos podem tornar-se realidades, como os sonhos de estupro e assassinato, o subconsciente de Kafka agindo. Como tudo acontece naturalmente no livro, quem poderá julgar em que parte somos vítimas de uma brincadeira da mente criativa do escritor.
O feito extraordinário de Murakami é escrever com simplicidade, em muitas sentenças somos tragados por discussões pontuais sobre a alma e a salvação, mas os clichês somados às referências pop transformam “Kafka à beira-mar” quase num folclore contado por alguém que um dia, enquanto bebia num bar, viu Johnnie Walker sair da garrafa de 12 anos e falar com ele sobre caçadas sádicas a felinos domésticos com sua flauta – de onde surgirá uma ótima sequência digna dos melhores Westerns. Ou podemos acreditar que o velho do KFC na verdade se transformou em uma grande marca capitalista para ser um ícone do abstrato. Ainda assim, Nakata exibe outras habilidades que são mostradas ao longo do livro que dão tons bíblicos as tempestades que ocorrem nas regiões por onde ele passa. Com tantas referências, homenagens e misturas – os tons bíblicos, o sci-fi, a mitologia grega, a filosofia de Platão – é impossível se referir a “Kafka à beira-mar” como um livro sobre histórias paralelas entre a entrada na vida adulta e o ápice da velhice. Os simbolismos e seus significados para explicar o que são todos os sonhos do jovem Kafka ou sobre a busca implacável de Nakata são meras ilustrações para duas das maiores forças no romance: o amor (com forte presença do sexo) e o vazio – os dois se complementam e se separam e curiosamente há um personagem em todas as tramas que consegue encontrar tudo em si mesmo.
Humor ou tragédia, não importa qual será a visão de cada leitor sobre “Kafka à beira-mar”, tantos podem gostar pelas tragédias, outros pela comédia sádica, mas será muito difícil escapar da inércia que Murakami envolve seus leitores. O escritor cria a realidade através de suas fantasias para assim explicar as bases da vida humana e seus questionamentos ignorados desde que a modernidade e a realidade se tornaram mais importantes.