Queria Estar Lendo 27/01/2018
Resenha: A (R)evolução das Mulheres
Um livro poderoso, importante e extremamente perturbador. A (R)Evolução das Mulheres, da autora Mindy McGinnis, publicado aqui pela Editora Plataforma21, mostra uma realidade nua e cruel e responde a ela através do caos. Não é uma história fácil, mas certamente é necessária.
Alex Craft está em busca de justiça pela sua irmã, que foi encontrada morta na floresta da cidade três anos atrás - desmembrada, vítima de estupro e de tortura. Não houve muito o que fazer contra o homem acusado, mas Alex sabe o que ela precisa fazer. E, com a frieza e a vingança guiando seus passos, a história se inicia - e se desenvolve junto a outros dois personagens, absolutamente distantes de sua realidade traumatizada, mas que são peças fundamentais para a construção do cenário desse livro.
"Isso acontece com todos os animais: as fêmeas da espécie são mais letais do que os machos."
A (R)Evolução das Mulheres tem uma trama pesada, e por isso tão impactante. Fala sobre a linha tênue que separa justiça de vingança; critica a posição às quais as mulheres são forçadas a viver dentro da sociedade, a ideia de submissão pelo gênero que você carrega. É uma história sobre poder, sobre o forte contra o fraco, sobre atingir um ponto na vida em que nada além da retaliação importa.
"Mas 'meninos são assim mesmo', é nossa expressão predileta e que serve de desculpa para tanta coisa, ao passo que para falar do gênero oposto, só dizemos 'mulheres...', com um tom de desdém e acompanhado de um revirar de olhos."
Alex é uma personagem complexa, extremamente bem escrita e desenvolvida. Ela é aterrorizante, mas real. Sua história é real. O assassinato da irmã acontece no nosso mundo, todos os dias. No Brasil, uma mulher é violentada a cada 11 minutos. No mundo, ser mulher significa viver com medo. O livro explora isso de maneiras perturbadoras, mas entrega todas essas situações numa escrita nua e crua, numa narrativa verossímil ao que significa ser a fêmea da espécie.
A protagonista dessa história não é a Alex, é a violência de gênero. É o feminicídio que passa impune em tantas ocasiões. É a piadinha envolvendo abuso. É o comentário sobre uma saia curta, um decote ou maquiagem pesada. Esse livro é poderoso porque grita sobre as injustiças e sobre como, às vezes, a resposta pode ser um extremo. E não dá pra culpar a Alex por isso; não quando ela viveu e viu tanta coisa horrível e buscou uma solução drástica. Aqui entra a linha tênue: o que ela está fazendo é vingança ou pode ser considerado justiça?
"Ter raiva cansa, mas sentir culpa não deixa a gente dormir."
Alex tem alguns traços de psicopatia em sua frieza e racionalidade, mas ela tenta entender o mundo e tenta se ajustar a ele - ainda que saiba, lá no fundo, que não existe um espaço para ela na sociedade. Uma única quote da personagem no livro expressa tudo que ela é para essa história:
"Sou um lobo que minha irmã mantinha enjaulado, até que sua mão foi removida. Sai da jaula e estou curiosa [...] porque sei que esse não é o meu lugar. Não é seguro me deixar sair da jaula, mas me cutucaram com vara curta. [...] Não são as ovelhas que me atiçam, mas os outros lobos. Quero correr com eles, para poder cortar sua garganta quando ameaçarem minha matilha. Mas não posso voltar para o meio das ovelhas com sangue nos dentes. Elas vão se afastar de mim."
Além dela, outros dois personagens dividem os pontos de vista, entregando a parte mais civilizada, mais humana. Jack é o garoto popular aprendendo sobre a vida, e ele encontra em Alex uma companhia agradável e uma atração irresistível. Gostei bastante da composição do garoto; ele é o típico jogador de futebol com um futuro brilhante que acaba se interessando pela garota perturbada da escola - e o fato de o livro tratar o Jack de um jeito tão leve e jovem o transforma em uma figura real, que comete erros e está disposto a consertá-los, que caiu de amores por uma garota e quer fazer de tudo para se provar digno do sentimento recíproco. Um garoto legal, entusiasmado e adorável.
Por fim, a Efepê - chamada assim por ser Filha do Pastor - tem outro arco maravilhoso na história. Começa como uma colega de escola e se torna amiga próxima da Alex, e é com ela que a Alex passa a questionar sua até então vivência solitária. Efepê é a amiga que a Alex nunca teve; estende todo um mundo de possibilidades e de normalidades para Alex. E o curioso é que, para a Efepê, essa nova amizade abre muito seus próprios horizontes. A garota resignada começa a questionar, a querer se impor. Ela comete deslizes e toma algumas atitudes erradas, como toda boa adolescente, mas a intensidade de Alex provoca em Efepê essa centelha de problematização, de querer erguer sua voz e se fazer ouvida.
"Todo mundo se encolhe ao ouvir "estuprar", e a cena é tão ridícula que quase começo a rir [...] E mesmo assim, as pessoas se surpreendem com a palavra, como se, quem sabe, esses caras estivessem arrastando ela para o meio da floresta para ajudá-la a dar uma mijada."
O livro não é impactante por revolucionar o gênero, mas por revolucionar a voz feminina. O que eu mais achei incrível nessa história foi a maneira crua com que a autora tratou suas críticas, como entregou cenas tão pesadas e tão óbvias, perturbadoras ao extremo, para trabalhar os traumas e como o mundo vê essa situações - e o modo como elas devem ser vistas. Mindy escreveu um épico, pura e simplesmente.
A (R)Evolução das Mulheres é o tipo de livro que veio para ficar, para gritar sobre injustiças e opressões; pede mudanças e entrega momentos medonhos para mostrar a realidade que está acontecendo no mundo, e como essa realidade pode impactar de maneiras tão diferentes em tantas pessoas. Principalmente, é uma história revolucionária sobre a voz das mulheres.
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