Mathias Vinícius 16/06/2023
Um comentário sobre: Lady Macbeth do distrito de Mtzensk
Publicado pela primeira vez no ano de 1865 na revista Epocah dos irmãos Mikhail e Fiódor Dostoiévski, Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk, obra do autor Nikolai Leskov(1831-1895) conta a história de Catierina Lvovna Izmáilova, uma mulher que vive em uma casa no interior com seu o marido comerciante, o sogro e os demais funcionários. Sua vida é imersa em tédio e nada atrativa que nem mesmo as conversas com o cônjuge são alguma coisa, sejam elas durante o dia ou a noite em seu leito. Em toda residência há apenas um livro, mas que esse não tinha grandes histórias como devia-se imaginar, era uma coletânea de textos ascéticos cristões de cunho moralizando, mas Catierina também era adapta da leitura. "O mesmo tédio, o tédio das casas de comerciante, em cujo clima, como se diz, é até uma alegria a gente matar.”
Em uma empreitada que parecia ter sido armada pelas forças da natureza, Zinóvi Boríssitch, esposo de Izmáilova, precisa ir concertar o moinho que fica longe da sua propriedade e seu pai, Borís Timofiêitch, parte para comemorações na cidade e por isso ambos ficam semanas longe de casa. Sem os chefes da propriedade presente, Catierina se vê ainda mais sozinha, porém livre e um dia conhece o mulherengo Serguiêi, um homem que nasceu favorecido beleza, tamanho e sedução e está disposto a traçar um romance proibido com sua patroa ao passo que ela também o tornará seu futuro comerciante. Na verdade, ambos estão em comum acordo neste amor, que será elevado as mais altas potencias para ser estabelecido, se seja, pessoas precisarão ser do caminho para que isso aconteça e tudo é projetado sem medir nenhuma consequência. Nada, não haverá remorsos ou eventuais desculpas, apenas a paixão desenfreada e destruidora que o amor é capaz causar.
Acredito ser muito difícil que o leitor não faça uma rápida associação do título do livro com a personagem Lady Macbeth da peça shakespeariana, A Tragédia de Macbeth, e sim, existem vários paralelos entre uma obra e outra, mas de antemão é importante informar que a utilização de nomes shakespearianos, além de ser comum na época, tinham uma função "irônica", como vemos nas obras de outra autores, "O Rei Lear da Estepe"(1870) e "Hamlet do distrito de Schigrí"(1849) do autor Ivan Turguêniev, ou em "Otelo nas Areias, ou Petersburgo Árabe " (1847) de Pyotr Karatygin.
Leskov tirou de Shakespeare não apenas o nome comum da protagonista. Há uma trama comum aqui – assassinatos que inevitavelmente acarretam outros assassinatos, uma paixão cega (desejo de poder e/ou luxúria), um processo imparável de corrupção, levando à morte. Aqui está uma fantástica comitiva shakespeariana com fantasmas personificando uma consciência impura, que o autor transforma em um gato: “tu sabes muito bem, Catierina Lvovna, que não sou gato coisa nenhuma, mas o ilustre comerciante Borís Timofiêitch. Eu só fiquei mal agora, porque aqui dentro todo o meu intestino rachou por causa de tua comida de nora.” Assim como vemos na própria estrutura da casa que parece estar assombrada e responde aos crimes cometidos no seu interior: “As paredes daquela casa tranquila, que encobria tantos crimes, tremeram com batidas demolidoras: as janelas retiniam, o piso oscilava, as correntes das lamparinas penduradas estremeciam e se projetavam nas paredes como sombras fantasmáticas. [...] Parecia forças extraterrenas sacudiam até os alicerces da casa pecaminosa.”
Se Macbeth, é suscitado por sua esposa, Lady Macbeth, a inundar a Escócia com sangue dos seus iguais, sem a participação dela, então Serguiêi ao longo de sua carreira criminosa é inteiramente liderado por Catierina Lvovna, que se torna um híbrido de Macbeth e Lady Macbeth, enquanto o amante se torna uma arma do crime: “Catierina Lvovna curvou-se, apertou com suas mãos as mãos de Serguiêi, que estavam sobre garganta do marido e pousou-lhe o ouvido no peito". Macbeth é guiado pela mesma lógica, forçado a cometer cada vez mais novos assassinatos para que o primeiro não se torne “sem sentido” e os filhos de outras pessoas não herdem o trono.
O tradutor dessa edição, Paulo Bezerra, escreve no posfácio que acompanha essa edição, deixa claro que: “Leskov imprime no sobrenome Lvovna um elemento oriundo da tradição mítica, onde o nome e a função do nomeado são idênticos. Lvovna deriva de lev, isto é, leão, e Catierina Lvovna se comporta como uma leoa no empenho de promover Serguiêi à categoria de comerciante: como a leoa que mata alimentar o filho, ela mata para alimentar o sonho de tornar Serguiêi um comerciante”. Catierina Lvovna supera Lady Macbeth, ela mata institivamente, elimina os concorrentes sendo fria e calculista nas ações digna de uma catarse sofocleana.
A esposa do comerciante que vivia em tédio eterno, agora é mais, mais Lady Macbeth do que a própria Lady Macbeth, e que ao contrário de Lady Macbeth, que cometeu suicídio por remorso, Catierina não conhece o remorso, não se arrepende dos atos, e usa o suicídio como uma oportunidade para levar sua rival com ela. Assim, Nikolai Leskov, refaz a imagem criada por Shakespeare, sua protagonista supera o protótipo em tudo, tonando-se na dona de seu próprio destino. “Gritou ” Catierina Lvovna. — Pois agora veremos... será do meu jeito, e não do teu...”