Emerson Dylan 28/03/2024
Sentimento estranho
Eu gosto muito da figura Conceição Evaristo. Nunca tinha lido nada dela, mas achava essencial a sua presença nos lugares que ela ocupa. Ao desafiar a ABL, se candidatando a imortal, e mostrando as idiossincrasias da instituição; ao transformar a posse na AMLetras numa celebração popular etc.
Gostei muito das duas ou três entrevistas que ouvi da autora. Mas daí, percebendo a simpatia natural por uma escritora, me dei conta do erro central de qualquer leitor: nunca li nada dela.
Por isso, foi com tremenda decepção que terminei a leitura de Ponciá Vicêncio, obra das mais famosas da Conceição Evaristo. Achei um livro fraco, por vezes mal escrito, até. Cheio de repetições, as angústias das personagens nunca saem da esfera superficial. As perambulações de Ponciá, Luandi e Maria são por vezes confusas, marcadas por um fio condutor limitado, cujo destino é óbvio, de certa forma, mas cujo trajeto é bastante esquecível. Percebo diálogos com grandes clássicos literários, Vidas Secas principalmente, mas Ponciá Vicêncio narrativamente não é uma grande obra. Tem elementos potentes da memória do país pós escravidão e um importantíssimo diálogo com a ancestralidade preta. Mas só. Tem outras tantas obras que também possuem esse diálogo, de forma muito mais contundente e marcante.
Fiquei pensando no quanto das pessoas que torceram pra CE entrar na ABL de fato leram a autora. Será que a torcida foi pelo mérito literário ou simplesmente pela simpatia gratuita a qual eu também fui acometido? É claro que fazer parte da ABL está muito, muito, muito longe de qualquer mérito literário (isso é o que menos importa lá), mas é bom pensar no quanto outras obras de autores negros, engajados, são superiores a esta. Da mesma forma, por eu ter detestado Ponciá Vicêncio, eu não vou abandonar a obra de Conceição Evaristo. Pretendo ler os outros títulos e fico na torcida que o grande público também o faça. Afinal, são tantas obras maravilhosas de artistas horríveis que a gente consome (e que não devemos deixar de consumir, porque é possível e saudável separar joio e trigo), que um livro ruim de uma autora massa não deve fechar as portas para o restante de sua obra.