Joao Lira 07/02/2024
Becos da Memória, Conceição Evaristo
Tem uma cena desse livro na qual uma personagem preta, doméstica, sobrevivente das misérias da favela, furta uma joia belíssima na casa onde trabalha. Com fortes anseios, quando chega em sua casa, decide jogar o anel na fossa. De fato, é fácil inferir que o destino dessa personagem foi cadeia e humilhação. Contudo, devido à influência de sua patroa, a polícia fez uma ampla busca desse artefato em meio aos dejetos naquela fossa. E, talvez, isso seja uma metáfora para o objetivo da narradora dessa história.
Digo isso porque o que nos é contado aqui tem a finalidade de não só mostrar muita dor e sofrimento imposto à população preta e da favela (e remontar relatos individuais desde os tempos fedorentos da escravidão), mas evidenciar a preciosidade, o brilho, o ouro da esperança e do vigor desse povo em continuar sua luta, bem como afirmar sua identidade.
E, olha só, que tarefa difícil. Porque, identidade é memória ? até isso os foi tirado. Nem por isso? as esquinas da favela, cada historinha contada por cada personagem, cada beco não apagado de suas lembranças fazem desse livro ser muito grandioso. Ser uma joia, tão preciosa e reluzente, incapaz de se perder em fossa qualquer.