IDOLOS DE BARRO

IDOLOS DE BARRO Ana Cristina Vargas




Resenhas -


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Guilherme Ramos 05/03/2018

Irina é fria como a neve...
“Cheguei ao final dessa leitura com indiferença de sentimentos, mas, com profundas reflexões, cheguei a perguntar à mim mesmo se por algum instante que fosse eu estava envolvido na frieza de Irina, personagem principal do livro... “

Ídolos de barro trás a história complexa de Irina, mulher forte e quase revolucionária, uma mente a frente do seu tempo e dotada de múltiplos talentos, porém que vive em uma eterna luta consigo mesmo e profunda crise existencial.

Desde cedo Irina não se vê enquadrada nos moldes da sociedade machista russa em plena revolução de 1917, em casa presencia a violência doméstica de seu pai contra sua mãe, o maltrato diário e a sofreguidão daquela mulher que carrega notáveis marcas de agressão por todo seu corpo. Não aceita a submissão da mãe que sempre justifica que o pai está passando por momentos ruins e de alta pressão, mas, que é um homem bom e que aquilo logo passará e que toda mulher deve servir seu marido sem se opor. Cai em si que não adianta lutar, é guerra perdida contra a mente aprisionada da própria mãe, abandona o lar por não se conformar com o regime machista naquele ambiente, daquele país. Começa então uma longa jornada para fora de São Petersburgo, cidade natal na Rússia para a bela Paris, França, atrás do parente mais próximo.

Já na França Irina se torna uma adolescente com a cabeça de uma mulher formada e se encontra com Lily, sua madrinha, a qual dependerá de muita ajuda para recomeçar a vida. Irina se torna dançarina de cabaré, dona de uma beleza impecável logo atrai olhares e passa a ter valor alto na sociedade parisiense, no entanto, Irina não se deita com qualquer homem após os espetáculos noturnos, um homem para deitar-se com a jovem deve deter de alto poder econômico, essa era a sua imposição e assim conseguia através da sua beleza, inteligência e talento. O jogo vira, Irina se torna rica e independente, a essa altura, Lily passa a ser sua dependente e é auxiliada por Irina na ascensão já que não tem tanto valor perante a sociedade por ser uma prostituta considerada velha.

Durante a vida no cabaré Irina conhece Schoder um belo alemão estudante de medicina em Paris, não se apaixona, mas, sente enorme atração, na qual é retribuída, durante uma apresentação da dançarina ele é convidado ao palco e num transe perfeito do tango trocam um beijo caliente e a partir dali está selado o destino dos dois.

O tempo passa Irina é fria, calada, quase mórbida e rica, poderosa. Uma bela tarde faz um passeio, o que não é seu costume e vai à beira do rio sena pensar. Do outro lado um pintor: Paul Gaultier. Ele está a pintar a paisagem local quando se depara com a beleza de Irina, põe de imediato a pintá-la e a convida para um café, inicia-se uma grade amizade que se torna em uma grande paixão. A fria Irina agora tem um amor e ele compreende seu trabalho, juntos se tornam uma dupla perfeita e Irina parece agora evoluir...

O destino coloca em xeque o amor de Irina e Gaultier, o destino repentino muda a trajetória e o plano do casal.

Irina agora sofre de depressão, um tema que fica forte no livro em alguns capítulos. Ela começa a definhar e depende dos cuidados e auxílio dos amigos mais próximos.

Será que Iria conseguirá sair da depressão? Será que virá a falência? Qual o destino da divina Irina?

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Considerações:

No desenrolar da história vamos perceber que em diferentes países do continente europeu em épocas muito próximas uma grande crise assombrava, na Rússia a revolução comunista em meados dos anos 20, na Espanha a guerra civil assolava o país nos anos 30 e em meados dos anos 30 também crescia o movimento nazista na Alemanha, que viria a trazer tantas desgraças à humanidade, os horrores das guerras. É muito interessante a gente estudar e entender o que se passou no passado e como isso reflete até hoje na humanidade, no entanto, houve momentos que mais parecia ler um livro de história do que um romance espírita. O livro é carregado de fatos históricos no continente europeu entre os anos 20 e 30 como já citado acima e também muito cheio de cultura, o que valoriza muito a obra, mas, por vezes tive que dá pequenas pausas na leitura para absorver melhor as informações e retornar a ler. Acho que isso se deve também a complexidade da personalidade de Irina, que vivia fugindo da vida, dos seus problemas e do cotidiano, como se fuga resolvesse algum problema, essa lição eu absorvi perfeitamente no livro.

Por vezes senti que os autores insistiam em Schoder sem necessidade quando ele deveria ter sido apenas um rapaz que Irina beijou durante um espetáculo, a participação dele deveria ter sido encerrada sem delongas e exaltação ali mesmo, no entanto mais para o final do livro o personagem mostra para o que veio e aplica um grande xeque, mas, mesmo depois do grande xeque ele volta a ser um personagem perdido na história... Achei confusa a sua participação. Lily também teve um “fim” no livro muito apagado, enquanto eu gostava da evolução do personagem no enredo. E por falar em evolução, gostei do que os autores fizeram com Duvernoy a evolução do personagem no enredo foi perfeita a meu ver. A participação de Marion na trama também deu graça à história.

Senti falta da parte espiritual, poderia ter sido mais presente, a colônia Casa de Maria citada algumas vezes no livro poderia ter tido mais ênfase e destaque, o resumo da vida do espírito de Irina foi explicado de forma muito resumida, pareceu tão fria quanto à própria personagem.

O título “Ídolos de barro” acredito que faz menção a pessoas soberbas que vivem a margem do materialismo como a própria personagem central. Irina é fria como o barro, mas, é passível de moldes como o próprio barro, no entanto permanece frágil e quebrável a qualquer descuido. Como descrevi no início desta resenha, moldes não é mesmo com Irina, sem pudor ela se entrega aos prazeres do mundo sem perceber que na realidade está se banhando em um mar de lama... até mesmo o amor de Irina por Gaultier é egoísta... Muitas vezes levantamos ídolos, colocamos as pessoas como divindades, esquecemos que elas muitas vezes são quebráveis, são frágeis, são até mesmo sujas e não percebemos que essas pessoas muitas vezes só detém do poder porque damos isso a elas, no caso de Irina ela era considerada Divina, perfeita, quando não estava nem aí para ninguém. Ela não era má com as pessoas, mas, a sua indiferença para com o mundo só piorou sua própria situação perante as leis espirituais.

A leitura desse livro provoca reflexão sobre conduta de nossas próprias vidas, numa época em que nossa sociedade vive de aparências e de oportunismos. Será que não somos também ídolos de barro? Será que também não temos muito de Irina?

Fica a dica!

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