Fernando Lafaiete 31/01/2018Trilogia Mar Despedaçado: Vale a pena a leitura?*** NÃO possui spoiler da trilogia***
Nota: 3.5
A trilogia em questão (citada no título desta resenha), tinha tudo para se tornar minha trilogia de fantasia YA favorita. Joe Abercrombie foge dos clichês e nos apresenta personagens fortes e situações angustiantes. No primeiro livro, intitulado de Meio Rei, o protagonista Yarvi se vê vítima de um golpe que lhe tira o direito de ocupar o trono. O personagem possui uma deficiência física e sofre preconceitos pesados por conta deste mero destalhe. Todo o desenvolvimento da trama é muito bacana e os plot-twists são bem inseridos e de fato surpreendem. O personagem central cresce com o virar das páginas e o equilíbrio entre coragem e covardia provenientes de Yarvi são bem trabalhados pelo autor. Meio Rei não é um livro perfeito, mas é um começo excelente para uma trilogia que prometia.
O segundo volume (Meia Mundo) é ainda melhor. Nos é apresentada uma nova protagonista. Thorn é uma personagem que sonha em meio à um ambiente machista e hostil se tornar uma guerreira do reino. O autor desenvolve sem exageros uma trama bem ágil, que foca em feminismo, com uma protagonista maravilhosa e uma trama magnífica. Thorn divide o espaço narrativo com Yarvi e o relacionamento dos dois é impecável. A inteligência de um com a força do outro move a história de maneira viciante. Ambos os personagens são humanos, fortes, determinados, destemidos e buscam justiça em um mundo movido por guerras.
Mas o que falar do terceiro livro, o tão aguardado Meia Guerra?
O terceira volume é um livro muito bom, mas que tem muita coisa que eu não consegui entender. Não entendi o porquê do autor ter feito determinadas escolhas. Acredito que terminar a leitura de Meio Mundo sem se apegar aos personagens e torcer pelos mesmos é algo impossível. Thorn e Yarvi é uma dupla fabulosa. Mas o que acontece em Meia Guerra não me agradou.
Uma nova personagem é apresentada. Scara é uma princesa que testemunha o assassinato da família ordenado pelo Rei Supremo. Com a ajuda de um aliado improvável, ela consegue fugir para o reino de Yarvi e se alia a ele para reconstruir seu reino e vingar a morte de seus entes queridos.
O equilíbrio encontrado no segundo livro não existe neste terceiro. Thorn é deixada de lado e quase não dá as caras. Quando aparece, é apenas para desempenhar o papel de matar. Scara é uma boa protagonista, mas que demora para mostrar a que veio. Ela permanece boa parte do livro muito morna e apenas no final toma atitudes relevantes. Já o Yarvi é um personagem que é completamente desconstruído. Não encontrei vestígios do Yarvi de Meio Rei e de Meio Mundo. O livro já começa mostrando um Yarvi desequilibrado, que só pensa em vingança, e que age de maneira inescrupulosa.
Eu não tenho problema com desconstrução de personagens, apenas acredito que este artificio narrativo deve ser trabalho aos poucos e não de maneira abrupta. Adoro histórias de vingança, com muita ação e sangue. Mas Meia Guerra é um livro sem sentido por mostrar personagens que beiram a psicopatia sem aspectos trabalhados previamente. Yarvi de Meia Guerra acaba se tornando a mistura do Mindinho de As Crônicas de Gelo e Fogo com o Jorg da Trilogia dos Espinhos. Um personagem louco, detestável, desumano, mal-caráter e completamente manipulador. Comecei a leitura da trilogia amando o personagem, mas infelizmente terminei o odiando em um grau que ele se torna um personagem o qual o preferia que tivesse morrido no livro 1.
Joe Abercrombie escreve muito bem e cria histórias interessantes... mas tendo como base esta trilogia, afirmo que ele não sabe desconstruir personagens. O autor precisa ler George Martin e Peter V. Brett para aprender a usar esta técnica de maneira convincente.
E o que falar das cenas de morte e dos desfechos dos protagonistas?
Existem alguns vilões incríveis que protagonizam cenas brutais de assassinatos. O autor cria toda uma expectativa no leitor referente às possíveis mortes destes seres detestáveis assim como cria em relação à outras. A maneira como alguns personagens importantes morrem é patética. A morte dos vilões é porcamente descrita e todas são anti-climáticas. O autor tira o direito de vingança de alguns e monopoliza essas mortes em apenas um protagonista. Ou seja; volto a repetir: Não existe equilíbrio.
Os desfechos de Yarvi, Thorn e Scara são na minha opinião horríveis. Sem falar do final de outros personagens que são excelentes, mas que ganham finais tão ruins quanto. O que mais me irrita, é perceber que este livro é bom se analisado separadamente. Mas em conjunto com os demais, ele é no mínimo problemático.
A ideia do autor é muito boa... mostrar e provar que o poder corrompe e que muitas vezes justiça e vingança são termos frequentemente deturpados e confundidos entre si. Uma pena Abercrombie resolver mudar o protagonista no último livro de uma série que merecia um final épico.
Vale a pena a leitura da trilogia como um todo?
Com certeza vale. Não é perfeita... mas pra quem procura algo que foge de clichês, com ação, sangue, bons vilões e magia, Mar Despedaçado ainda é uma trilogia que indico e muito.
É uma trilogia com um começo bom, um meio perfeito e um final mediano.