Natália Tomazeli 31/01/2019O clichê de sempre, mas com representatividade"Sabe, quando a gente tem dezessete anos, tudo parece o fim do mundo. Ou o começo do mundo. E é uma coisa incrível."
AVISOS:
1- eu vou comparar muito esse livro com o "Simon vs a agenda homo sapiens" porque né, motivos óbvios;
2- eu sou uma pessoa que gosta de livro YA, então sim, eu tô ligada no padrão que esses livros costumam seguir; minhas críticas não são ao tipo de livro, nunca; e é só minha opinião, você pode ler isso tudo e amar, sei lá. Normal...
Eu fui completamente influenciada por "Simon vs a agenda homo sapiens" a ler e comprar esse livro. E quem não seria? Afinal Simon é um livro que originou um filme que eu considero ter mudado a forma como a gente vê as "comédias românticas" no cinema, além do livro mesmo ser uma coisa totalmente inovadora dentro dos YA's. Simon é um livro que não traz só representatividade, trata a homossexualidade de maneira natural. A trama principal de Simon não tá focada nos problemas de ser uma pessoa LGBT. Claro que isso é citado, mas não é o centro da vida do Simon. Com pessoas LGBT, parece que a partir do momento que vc faz parte desse grupo, você meio que não é mais uma pessoa e a sua sexualidade é uma partezinha de você, parece que você É literalmente a sua sexualidade. Toda pessoa que você é, se resume à aquilo. Vc não mais um fulano, vc é o fulano que é gay. A fulana que é lésbica...
E você deve tá se perguntando porque eu começo esse texto dizendo isso, né? Sabe porque? Por que a Becky Albertalli é mestra em não fazer isso. E isso é a única coisa boa desse livro, gente, infelizmente!
É muito inevitável não fazer uma comparação com "Simon vs a agenda homo sapiens" por causa disso que eu falei acima e porque querendo ou não, esse foi o maior sucesso da autora, com certeza. Ela podia ter usado a mesma fórmula de Simon para fazer esse livro, mas eu não sei o que aconteceu, nem parecia que era ela que tava escrevendo!
Pra começar, é um livro TOTALMENTE raso, tipo uma poça! Juro! Sabe tudo aquilo que tá escrito na sinopse? Então, é aquilo ali que é o livro inteiro, só que claro, com umas encheções de morcilha que pouco colabora para o enredo como um todo. No Simon, por mais bobo que alguém possa achar, pelo menos vc tinha aquele mistério de "nossa quem será que é o Blue?". Aqui não tem nenhum mistério, nenhuma emoção, nenhuma mínima coisinha que mude o ritmo da trama, é tudo uma coisa já pré-estabelecida e no mesmo ritmo sempre.
Além disso, o livro traz essa protagonista, a Molly... O que dizer sobre essa protagonista? Eu achei ela totalmente problemática dentro do que a autora coloca como meio que "premissa" para ela. Tudo bem, eu não esperava ver aqui uma Alexandra Gurgel, né, mas poxa, sabe. Queria ter visto uma evolução da personagem, uma mudança de atitude. Que ela parasse de se importar tanto com o que os outros pensam, que ela trabalhasse mais essas inseguranças. E tudo que eu vi aqui é a guria reclamando e colocando minhoca na cabeça de sempre AS MESMAS COISAS. Sempre! E tipo, não é como se ela não tivesse ninguém para servir como inspiração ou pra tirar ela dessa neura, ou para conversar, desconstruir, sei lá. As mães e a irmã são super desconstruidonas e diversas vezes no livro aconselham ela. Mas ela não muda. E isso cansa, irrita. Deixa o livro maçante, porque a gente já sabe tudo o que ela vai pensar. De novo, não traz nenhuma novidade dentro do que a gente já viu em um monte de YA por aí. Ela é aquela típica menina sem auto-estima nenhuma, com zero personalidade, que só se sente melhor com a aprovação de outro homem. Que novidade tem nisso? "Ah mas o livro tem muita representatividade, olha que inovação" SIM SIM e SIMMMMM! Só que ao meu ver foi tão mal utilizado que dá até dó! A representatividade lésbica desse livro é tão boa mas TÃO BOA que me deu muita raiva quando eu acabei o livro e vi que no conjunto, isso foi muito desperdiçado. A Becky cria a personagem da Cassie, que foge completamente dos esteriótipos lésbicos de SEMPRE (o que já é de se comemorar, obrigada pela coerênciia, Becky!) e com maestria dá um show em diálogos com os outros personagens sobre assuntos ligados ao mundo lésbico (e na sexualidade como um todo), que honestamente, nunca são abordados nem na vida real. Tem um diálogo sobre a sexualidade lésbica que ela tem que gente, eu fiquei muito feliz de ver em algum lugar, sendo dito FI-NAL-MEN-TE... Mas pra depois ficar triste de novo com os mesmos padrões e esteriótipos heterossexuais sendo seguidos do mesmo jeito pela Molly. Aquela mesma receitinha de bolo da protagonista acabando com um cara no final, sempre do mesmo jeito e sempre só chegando no ápice da felicidade da vida dela com ele dizendo "Nossa você é linda" e fazendo o favor de nossa, namorar com ela, olha só! Cara, porque? Porque a autora fez isso, gente? Pra fechar aqui, outra coisa muito padrãozinho que meio que completa essa coisa do namoro, é a questão de que parece que ela nunca pode ficar solteira. Essa coisa de que a mulher hétero só vai ser completa e ter uma vida próspera, quando deixar de ser solteira. Enquanto com a Cassie, o namoro acontece naturalmente, tipo, ela tava levando a vida aqui, aí conhece a namorada (não vou falar como porque pode ser spoiler, vai saber, mas é de uma maneira muito legal e diferente tmb) e se apaixona. Você vê a evolução, a coisa despretensiosa. Fora que a Cassie não tá nem aí com namoro, mas ao mesmo tempo também jamais descarta a possibilidade de começar a namorar. Tem uma evolução do casal, e sabe, ela nem é a protagonista!! Aí do outro lado, a Molly parece sempre fazer tudo de maneira forçada porque "nossa olha quantos anos eu tenho e nunca namorei" pra que?? Outra vez, cade a inovação? Ela é a narradora, porque?? Porque com a posição de narradora, ela não podia ser só um pouquinho natural, sei lá??
Aí, tudo o que eu consigo pensar que poderia ter salvado esse livro e poderia ter marcado história assim como Simon, era a Becky ter colocado a Cassie como protagonista, ao invés da Molly. E não é como se a Cassie fosse perfeita, muito pelo contrário, ela é cheia de defeitos. Mas são os defeitos dela que dariam toda a vida para uma trama na qual ela fosse a protagonista.
Aí acaba aqui uma oportunidade de YA que poderia ter entrado facilmente na minha lista de preferidos, mas que não entrou por esse monte de coisas que eu citei. Fica a decepção. Acabei o livro triste, não sei bem. Eu não acho que acrescenta na vida de alguém ficar lendo esse monte de coisa que só reforça tudo o que a gente ouve todos os dias, que a gente vê todo dia, que a gente meio que vive quase que toda a adolescência e talvez pro resto da vida. E por mais que a autora fique tentando desconstruir toda hora isso com falas contrárias, na prática, a protagonista sempre acabava sucumbindo ao lugar comum, ao clichê.
Enfim, recomendo só pela parte da representatividade lésbica? Não sei. Tantos filmes e séries por aí representando isso tão bem nesses últimos anos, mas parece que nos livros, tá difícil da coisa engrenar, hein? Poxa... Autores e autoras, bora embarcar nessa? Oportunidades não faltam e público pra ler isso, não falta também!
"E às vezes isso acontece. As pessoas se afastam."