Julia.Eleguida 04/06/2017
Radio Guerrilha: Rock e Resistência em Belgrado
Matthew Collin
tradução de: Marcelo Orozco
Ed. Barracuda
O mote do livro é contar sobre a rádio independente B92, que com sua programação de músicas alternativas e notícias enfrentou o governo do autoritário Slobodan Milosevic, na Iugoslávia. Passa num momento pós-união soviética e expansão do neoliberalismo no ocidente, um período de final dos 80 a 2004.
Em idos de 1989, a Iugoslávia era uma república formada por várias etnias, sérvios, bósnios, albaneses, muçulmanos, Milosevic, integrante do Partido Socialista ganha as eleições na parte sérvia e munido de um ideal nacionalista declara guerra as outras etnias, se unindo com partidos extremamente nacionalistas, de ultra-direita.
Implanta um regime autoritário, que aumenta sobremaneira o financiamento da polícia e de material bélico, além de fomentar grupos paramilitares, muitas vezes regimentados em torcidas organizadas de futebol. Começa o extermínio dos outros povos e a fragmentação da Iuguslávia, primeiro Eslovênia e Croácia, Bónia, Kosovo e Macedônia. E a economia do país se esfacela, salário diminui, empregos escasseiam, comida falta, as pessoas passam a ter que comprar de contrabandistas.
"Era o capitalismo de sobrevivência em ação: brutal e impiedoso. A Sérvia era controlada por uma mistura de patronagem, suborno, contrabando, nepotismo e força física. Apesar do alegado socialismo do partido governista, o Estado bateu em retirada, levando seus ganhos e deixando o povo lutar por suas sobras” (p. 229).
A imprensa é manipulada, a estatal só passa propaganda governista, e as televisões permitidas vivem de entretenimento barato, jornalismo de celebridades, como o casamento do gangster dono de time de futebol e a cantora da sensação do momento, o turbo folk (traduziria como sertanejo). Regime tirânico, manifestações reprimidas, manifestantes presos, dissidência política assassinada. A rádio foi fechada diversas vezes, teve que mudar de nome, seu nome anterior foi usado pelo regime como uma rádio pró-governo.
E muitas vezes as pessoas não tinham informações sobre a guerra de extermínio, pois a televisão manipulava tudo, só através das mídias alternativas, como a rádio, e a internet. No livro fala que a guerra da Bósnia é a primeira guerra narrada através da internet, onde as pessoas podiam ter acesso a CNN e a Sky. Descreve também, o jeito como eles conseguiram instalar e burlar o sistema, através da rede universitária, e uso de provedores em outros países.
O livro é contado pela visão do Inglês Mattew Collin, a partir de matérias e livros que ele leu sobre a Iugoslávia e Sérvia, e entrevistas com jornalistas, pessoas que participaram da rádio, moradores da região (alguns textos ele copiou de blogs escritos durante as guerras). É bem descritivo, tem passagens que você pensa como um governo faz tão mal para tanta gente, algumas, putz parece que eu já vi isso em algum lugar, imprensa pró-governista mudando de lado depois que o regime caiu, como se nada tivesse acontecido. Europa que deixou a população se ferrar por dez anos, depois financiou a queda do regime, apoiando financeiramente a imprensa alternativa e grupos de oposição, e ao mesmo tempo bombardeando a Sérvia durante a guerra de Kosovo através da Otan.
É complicado porque é a visão de um inglês vendo tudo de fora, não tem a mesma vivência de quem passou por tudo aquilo, tem uma hora que ele discorre sobre o que a juventude poderia fazer, os que tinham dinheiro se mudaram, os que não tinham eram confrontados com o enriquecimento de gangsters, que viviam de contrabando e de financiar os grupos de extermínio, ver teu país tomado por máfias, e se protestasse poderia acabar espancado, ou morto.
Eu li e fiquei ainda mais admirada dos cineastas do país, sou fã do cinema do leste europeu, como tu consegue criar, fazer algo num momento tão cruel, Kusturica fez Underground de 1992 e 1995, Srdjan Dragojevic que já fez filme sobre a guerra, (que eu não assisti), mas vi um recente dele, irônico, La Parede, que fala da união de diversas etnias em defesa da luta lgbt, e quando vi não tinha a dimensão do que foi a guerra étnica nesta região. Cito também o húngaro György Pálfi, que em Taxidermia, faz um filme surreal, sobre as passagens do regime soviético para o capitalista, e seu impacto em 3 gerações.
Mas as bandas de rock que o cara cita no livro, são muito ruins, e ele faz um esforço, cita referências de Rolling Stones a Velvet Underground, ai vai procurar amarradão, e é aquela decepção, se eu entendesse o que os caras falam, talvez eu teria uma opinião melhor. O turbo folk então, poperô desgraçado.