Krishnamurti 05/07/2017
ANGUSTIA E ESPERANÇA EM NOVO LIVRO DE ANDRÉ GIUSTI
O que pensar ao ler um trecho assim em um livro de contos? “Ah, as fantásticas voltas da vida! E sorriu para ela e para o nada, tocado pelo encanto da conquista inesperada. Passeava nos anos como quem muda de lado da calçada. Naquele tempo, talvez não mais do que duas ou três frases trocadas e olhares sem interesse. Aí sobreveio a distância dos anos, mas logo a tecnologia do novo milênio reaproximou vidas perdidas umas das outras, formando afetos, construindo laços que não existiam antes. Por isso estavam ali agora, fazendo do telhado o universo insone, os dois se engolindo como se desejassem isso há mais de vinte anos. Aquele reencontro era um presente do tempo, esse grande senhor das surpresas”.
Nesse nosso mundinho cada vez mais virtual, dá o que pensar um trecho desses. O fragmento atesta e autentica a presença de um escritor que tem o que dizer e sabe fazê-lo. Muito bem; é trecho do conto: “A noite dos cabelos dela”, do livro “A maturidade angustiada” de André Giusti.
O livro condensa (essa é a palavra exata) 11 contos de temática dominante: Um mergulho existencial de toda uma geração “Angustiada” que hoje anda na casa dos 40/50 anos. Aqueles que já dobraram a “curva que fica na metade da existência”. Entretanto a epígrafe ao livro esclarece: “Atenção! Este é um livro angustiado, mas contém momentos de esperança.” Tomando pelo viés da angustia, aliás, de uma abordagem em graduações diversas, temos: “Lost”, “O corredor”, “Lorena e o temporal”, “Pedro e o sonho”, “Gente como a gente”, “O mesmo dia de sempre” e “Lins Imperial”. Aí temos 7 contos. Os que traduzem “esperança” mesmo em que pese as situações difíceis que enfocam (magistralmente bem escritos) estão: “Colégio Rosário”, ”Os necessitados fora da agenda” e “A noite dos cabelos dela”, mais 3 contos a completar 10 textos. Falta-nos um portanto, que é “Vinho, vida nova, solidão”...
A literatura opera exatamente no plano em que o homem vive a vida como luta, tomada a consciência da morte, do envelhecimento, da solidão, das angústias dos destinos humanos. Quando há indagação, inquietação e conflito, aí entra a literatura. Aliando uma faculdade de observação precisa à quadros íntimos de personagens, André Giusti que é autor experiente com vários títulos publicados, pratica em seus contos aquilo que ensinou o mestre Anton Tchekhov: A unidade básica de modulação e desenvolvimento, buscando sempre um insight, o mergulho existencial, a visão interior que reflete a personalidade e os conflitos de suas criaturas.
Ora intimista e nutrido de silêncios (Lorena e o temporal), ora de narração objetiva e perversa onde sobressai a tênue fronteira entre a sanidade e a loucura que é viver e ser cidadão num país onde a indecência ética tomou corpo (O mesmo dia de sempre), ou ainda em textos de positiva e pungente esperança em nossa triste humanidade como é “Os necessitados fora da agenda”, os contos de Giusti se aprimoram na medida em que o narrador-autor ao introduzir elementos de lirismo, dramaticidade e sugestão, intensifica a revelação, ilumina mais o instante do mergulho existencial e provoca inexoravelmente a empatia com o leitor. E tudo isso, ressalte-se como mais uma habilidade do autor, é alcançado mesmo nos menores contos (como é “Gente como a gente”), realizado mais como uma crônica do dia a dia onde impressiona um pormenor, uma observação, uma definição de existencialidade. É patente o esforço da criação e o talento do criador. Sem dúvida.
Não poderíamos deixar afinal, de comentar o 11º e justamente o último conto do livro: “Vinho, vida nova, solidão” é o suprassumo da reação que se pode e se deve ter ante esta palavrinha, que para a maioria é maldita: Solidão. Mesmo em face da carência quase revoltante do estar-se só, há de se buscar a convivência crítica perante uma das verdades íntimas da vida [de que estamos fundamentalmente sós], e viabilizar reflexão esclarecedora que produza transformação de nossa maneira de ver e ser. É conferir no texto brilhante de André Giusti.
Livro: A maturidade angustiada – Contos, de André Giusti. Editora Penalux, Guaratinguetá – SP, 2017, 94p.